Da tríplice coroa do Brasil ao domínio europeu nos torneios da Fifa: a tese de um torcedor espanhol

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A caminho do Stade de France para a cobertura da final da Euro-2016, encontro um fanático torcedor espanhol devidamente caracterizado. Ao saber meu nome e que sou brasileiro, ele não perde a chance de tripudiar de mim. Saca as duas mãos do bolso e esfrega os dedos na minha cara: “7 x 1”, gesticula, com um largo sorriso.

O espanhol percebe a minha cara de poucos amigos e decide falar de futebol em alto nível. Questiona por que o Brasil parou no tempo e deixou de conquistar títulos, bater o ponto na final dos torneios da Fifa. Naquele momento sobem aquelas nuvens de desenho animado em cima da minha cabeça e penso: Que cínico, ignorando o baile que o Brasil deu na própria Espanha no Maracanã, na final da Copa das Confederações de 2013: 3 x 0. Chuto o pachequismo para fora de mim e interpreto a provocação dele como mais uma prova de que só nós, brasileiros, damos bola para aquele torneio em vias de extinção…

Voltando ao assunto. Respondo, não exatamente com essas palavras, que o ocaso da Seleção Brasileira é conversa para bem mais dos metros que tínhamos pela frente, a pé, até o palco da decisão entre França e Portugal. Eu, a trabalho. Ele, torcedor frustrado pela ausência de seu país no Stade de France. Afinal, pagou caro pelo ingresso antecipado.

Próximo do estádio, inverto o debate. Pergunto a ele por que a Espanha estava ganhando tudo. De 2008 a 2012, aquele timaço de Luis Aragonés e depois Vicente del Bosque havia sido simplesmente bicampeão da Eurocopa e conquistado o título inédito da Copa do Mundo na África do Sul, em 2010. A resposta é imediata. “Vocês são os culpados”.

Arregalo os olhos e estico a orelha para ouvir a tese do espanhol. O estádio está chegando e percebo que não vai dar tempo. Mas ele solta a língua na sessão fala que eu te escuto: “Em 2003, vocês ganharam o Mundial Sub-20 contra a Espanha. Naquele dia, o Brasil se tornou o primeiro país no mundo a conquistar a Tríplice Coroa. Vocês simplesmente conquistaram em dois anos os títulos de todas as categorias da Fifa”. De fato, o Brasil havia faturado a Copa de 2002 e os mundiais Sub-17 e Sub-20 em 2003. Ele estava falando sério…

A conversa infelizmente teve de acabar ali no portão do Stade de France, mas não sem antes ele defender a tese. “Com aquela derrota da Espanha, nós, europeus, percebemos que, se não fizéssemos alguma coisa rapidamente, vocês continuariam ganhando tudo, seria impossível concorrer com vocês. Por isso, a Espanha passou a olhar com mais carinho para as divisões de base. E não se espante, nos próximos anos outros países da Europa farão isso também”, profetizou antes do cumprimento de despedida.

Amigos, se a tal Tríplice Coroa do Brasil em 2002/2003 inspirou a revolução, eu não sei. Lembro bem que o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, fez até festa no fim do ano de 2003 para celebrar o feito. Os capitães Cafu, Adaílton e João Guilherme posaram ao lado dele com os respectivos “canecos” conquistados em cada categoria. O que posso, sim, fazer após a eliminação da ótima Seleção de Carlos Amadeu nas semifinais do Mundial Sub-17 (não o demitam, pelo amor de Deus!) é olhar para a lista dos últimos campeões do torneio da Fifa e dar o braço a torcer ao marrento espanhol da caminhada.

Vamos lá. Os últimos três campeões da Copa do Mundo são europeus: Alemanha (2014), Espanha (2010) e Itália (2006). Os últimos três campeões do Mundial Sub-20 são europeus, Inglaterra (2017), Sérvia (2015) e França (2013). Com a decisão entre Inglaterra e Espanha no Mundial Sub-17, a Europa quebrou a hegemonia africana — veja bem, não estou falando sul-americana, africana, mesmo. A Nigéria era a atual bicampeã do torneio. Detalhe: a Inglaterra ganhou o Mundial Sub-20 neste ano, está na final do Sub-17 e tem uma ótima seleção para a Copa de 2018, ou seja, tem chance de repetir no ano que vem a tríplice coroa do Brasil. E não falei do Mundial de Clubes da Fifa, hein. Depois do título do Corinthians em 2012, só deu clube europeu no degrau mais alto do pódio. Bayern (2013), Real Madrid (2014 e 2016) e Barcelona 2015).

Dois anos depois daquela caminhada, a tese daquele marrento espanhol começa a fazer sentido. Talvez, aquela Tríplice Coroa do Brasil em 2002/2003 tenha feito um mal danado ao nosso soberbo futebol. E um bem danado a quem se dispôs a levar esse esporte muito mais a sério. Afinal, como bem disse Cristiano Ronaldo ao receber pela quinta vez o prêmio de melhor do mundo: “Talento sem trabalho sério não adianta”.

Marcos Paulo Lima

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