Noite desta segunda-feira, 1º de abril. Estádio Abdullah bin Klalifa, Doha, no Catar. O blog acompanha in loco mais um ensaio do país sede para a Copa do Mundo 2022. Em cartaz, a final da Supercopa da Tunísia entre Espérance e Bizertin. Três dias depois de perder a decisão da Supercopa da África também no Catar para o Raja Casablanca, de Marrocos, o Espérance derrota o Bizertin por 2 x 1 e conquista o primeiro título num ano de gala. Fundado em 15 de janeiro de 1919, o clube de futebol mais antigo da Tunísia festeja o centenário em 2019. Impossível ficar indiferente. Não se trata de um clube qualquer.01
A história do Espérance Sportive de Tunis vai além do futebol. Invade o campo da política e da religião. Explica o fanatismo da torcida nas duas decisões em quatro dias disputadas aqui no Catar. O atual campeão da Champions League da África foi fundado há 100 anos, em um café de Túnis chamado l’Espérance, para ser um clube de futebol muçulmano. Mais do que isso: o símbolo da rebeldia contra a ocupação colonial da França. Os idealizadores do clube queriam a independência do país norte-africano.
Quem torce para o Espérance orgulha-se de o clube ter nascido antes da criação do primeiro partido político da Tunísia. Antes do primeiro sindicato da nação africana. Antes da independência do país, em 1956. Os pioneiros Mohammed Zouaoui e Hed Kallel tentaram criar o clube pela primeira vez em 1917. Ambos tinham 19 anos. O plano foi barrado pela França, dona do pedaço desde 1881.
Numa tentativa de controle, a colônia escolheu Louis Montassier para colocar ordem na casa. Ele exigiu ser o presidente do clube. Dois anos depois, quando o time teve autorização para funcionar, o francês foi afastado. Faltava dinheiro. Em homenagem ao islamismo, os jovens escolheram as cores do clube: verde e branco. Há relatos da simplicidade do time. Os jogadores dividiam as camisas, as chuteiras e tinham uma bola para jogar.
Em 1925, o clube decidiu mudar as cores. Passou a usar amarelo e vermelho representando o sangue e o ouro, símbolos do time. Deu sorte. O time subiu para a primeira divisão em 1936. Três anos depois, conquistou o primeiro título nacional — a Copa da Tunísia, em 1939. Hoje, o clube é recordista com 15. Em 1942, faturou de forma inédita o Campeonato da Tunísia. Ninguém tem mais do que o Espérance. São 28 nacionais no currículo. Nesta segunda-feira, no Catar, o Espérance ampliou o recorde na Supercopa da Tunísia. Sem contar os três títulos continentais na Champions League da África, em 1994, 2011 e 2018.
Além de lutar pela independência da Tunísia, o clube resistiu à repressão policial na ditadura de Zine El Abidine Bem Ali, que voltou com força em 2011 na Primavera Árabe. O clube chegou a fechar as portas nos anos 1950 para fortalecer o movimento nacional tunisiano. Há uma identidade nacionalista em torno do Espérance no futebol e em todos os demais esportes bancados pelo clube, como vôlei, handebol, natação, basquete, ciclismo, boxe, judô… Mais que um clube, o Espérance é o motor das transformações na Tunísia.
O Espérance orgulha-se de ter sido o primeiro clube a tirar mulheres de casa para praticar esporte de alto rendimento. É respeitado pelos políticos convictos da força do clube. O primeiro-ministro Youssef Chahed, por exemplo, não torce pelo Espérance, mas fez questão de aplaudir a conquista do clube na Champions League da África no ano passado.
A passagem do Espérance por Doha terminou com derrota por 2 x 1 para o Raja Casablanca na última sexta-feira, na final da Supercopa da África; e vitória por 2 x 1 sobre o Bizertin na no confronto que valeu o título da Supercopa da Tunísia.
*O jornalista viajou a convite da Associação de Futebol do Catar