Há um ano, o Palmeiras era eliminado na fase de grupo da Copa Libertadores da América. O vexame impulsionou o alviverde a conquistar o título do Campeonato Brasileiro de forma imponente. O técnico na precoce eliminação continental era Alexis Stival, o Cuca — o mesmo que levou o time paulista, oito meses depois, comeres rodadas de antecedência, ao nono título nacional. Em tom profética, Cuca bateu no peito e disse, antes de O Brasileirão começar, que seu elenco conquistaria a Série A. Ganhou. Recordista brasileiro de eliminações na fase de grupos da Linertadores, com cinco vexames (1983, 2002, 2012, 2014 e 2017), o Flamengo tem condição de juntar os cacos a partir de hoje e repetir o feito daquele Palmeiras de 2016?
O sim ou não, talvez, comece pela manutenção ou não do técnico. Cuca tinha pedigree para bater no peito e bancar o título brasileiro do Palmeiras depois da vergonha na fase de grupos da Libertadores. Zé Ricardo terá a partir desta quinta-feira de ressaca? O presidente Eduardo Bandeira Mello acredita que sim. Diz que o treinador está mantido. Mas vá por mim, ele não decide sozinho. Não é opinião, é informação: o Flamengo só não mudará de técnico imediatamente porque o sonho de consumo era justamente… Cuca. Entretanto, Zé Ricardo foi driblando as cascas de banana. Conquistou o Campeonato Carioca, ganhou os três jogos no Maracanã na Libertadores, avançou na tal da Primeira Liga (lembram dela?) e colecionava resultados mentirosos.
Discorda?
O Flamengo perdeu três vezes neste ano. Todas elas no torneio mais difícil — a Copa Libertadores da América. O rubro-negro foi incapaz de arrancar pontos fora de casa contra Atlético-PR, Universidad Católica e San Lorenzo. Apesar dos tropeços, dos sufocos em casa nas vitórias em casa sobre a Universidad Católica e o Atlético-PR, a diretoria pagou para ver até onde Zé Ricardo iria. Ao mesmo tempo, monitorava os meses sabáticos de Cuca. Para o azar da diretoria — e sorte do Zé —, a crise bateu primeiro à porta de um Palmeiras eliminado do Paulistão e irregular na Libertadores. Enérgica, a diretoria alviverde resolveu demitir Eduardo Baptista. Consequentemente, tirou o doce, ou melhor, o Cuca da boca do Flamengo.
O sonho de consumo de Eduardo Bandeira de Mello e seus pares está de volta ao trabalho. E no mercado não há nenhum Tite. Muito menos outro Cuca, outro medalhão. Mano Menezes abandonou o Flamengo alegando que os jogadores não entendiam o que ele queria. Muricy Ramalho pendurou a prancheta. Vanderlei Luxemburgo saiu acusando a diretoria de não saber nada de futebol. Os últimos trabalhos de Marcelo Oliveira foram terríveis no Palmeiras e no Atlético-MG. Abel Braga negou fogo quando Muricy Ramalho deixou o cargo. Preferiu assumir o Fluminense no início deste ano. De lá, não sai, ninguém tira. Faz um bom trabalho. O colombiano Reinaldo Rueda, do Atlético Nacional, da Colômbia, já foi nome discutido no grupo gestor. Inclusive estará hoje, no Rio, para enfrentar o Botafogo. Mas é estrangeiro. Precisaria de um bom tempo de adaptação.
O mercado explica a convicção de Eduardo Bandeira de Mello na continuidade do trabalho de Zé Ricardo. Resta saber se o grupo gestor permitirá. Embora seja o presidente, Bandeira de Mello não decide nada sozinho. O cartola foi voto vencido, por exemplo, nas demissões de Vanderlei Luxemburgo e de Oswaldo de Oliveira. Ele queria a continuidade. Seus pares, não.
Além de cobrar de Zé Ricardo uma revisão dos seus conceitos, é preciso discutir a relação. No ano passado, o Flamngo foi eliminado pelo Fortaleza na Copa do Brasil. caiu diante do modesto Palestino na Copa Sul-Americana. Agora, dá adeus na Libertadores, antes mesmo das oitavas de final.
O time titular tem jogadores supervalorizados, que na verdade deveriam só compor o elenco. Falo, por exemplo, de Muralha. O goleiro, que no ano passado chegou à Seleção com Tite, virou uma dor de cabeça para a torcida do Flamengo. Todas as saídas do gol são uma tormenta. Uma alternativa seria, quem sabe, repatriar Julio César. Reserva no Benfica, ele cairia bem no elenco não apenas por ter sido formado no clube”, mas doido ao papel.
A lealdade de Zé Ricardo ao meia Gabriel e ao volante Márcio Araújo também entram na discussão. Agarrado aos dois jogadores-símbolos das suas convicções, Zé Ricardo foi eliminado na fase de grupos da Libertadores. Precisa ser questionado por isso. Enquanto Gabriel e Márcio Araújo são praticamente intocáveis, nomes como Cuéllar, Mancuello e o garoto Ronaldo nitramos vá m quando.
Zé Ricardo terá competência para encaixar Conca e Diego juntos no time? Pará e Rodinei estão à altura de uma lateral direita rubro-negra que um dia teve Leandro, Jorginho e recentemente Leonardo Moura? Rodinei fez o gol do Flamengo, vive uma temporada iluminada, mas não há como esconder: os dois gols do San Lorenzo começaram no setor do Rodinei.
Quem se acha craque também precisa ser cobrado, baixar a bola. Wilian Arão tem errado passes infantis. Rafael Vaz tomou até a bola de Lucas Paquetá em uma cobrança de falta contra o Atlético Goianiense na partida de ida pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Por sinal, Rafael Vaz continua sendo questionado. Para mim, falhou no primeiro gol do San Lorenzo. Ele e Trauco olham a bola e não percebem a movimentação de Angeleri. Donatti não tem sequência de jogos. Juan entra para elevar a altura da bateria antiaérea e o segundo gol sai justamente em bate-rebate pelo alto que caiu nos pés de Belluschi. Berrío não sabe fazer gol. Corre como um atleta, mas falta oxigênio para finalizar como um jogador de futebol. É um cavalo marcando lateral, mas faltam técnica e inteligência para apoiar o ataque.
Em meio a tantos problemas, existe agora a cobrança pela escalação do garoto Vinicius Junior. Zé Ricardo terá pulso para suportar a pressão da torcida pela entrada do menino de 16 anos em campo? Quando usá-lo, trégua. Quando preteri-lo, ouvirá gritos de “burro”. Por falar nos meninos, Matheus Sávio, por exemplo, falhou no primeiro gol do San Lorenzo. O garoto de 20 anos pode ter sido queimado.
Questões complexas para uma diretoria que precisa, sim, colocar as finanças em dia, abarrotar os cofres de dinheiro, festejar superávit. Mas que necessita também exigir títulos compatíveis com a grandeza do esforço econômico. Campeonato Carioca é muito pouco para um time que conquistou, a trancos e barrancos, apenas um título brasileiro neste século, em 2009, e apequenou-se no cenário internacional. A última conquista continental foi a Copa Mercosul de 1999. Tempo demais para quem se acha uma nação, mas hoje só tem tamanho.