Recomendei no último domingo aos torcedores rubro-negros interessados em conhecer as ideias de Vítor Pereira a leitura do livro A Escola Europeia — Os segredos e métodos de sucesso do futebol no Velho Continente. Não é uma bíblia sobre o profissional, mas o Capítulo 4 (Os inovadores táticos do Porto) diz muito sobre as referências dos métodos de treinamento do novo técnico português do Flamengo.
Um episódio descrito no livro é fundamental para entender o pensamento de Vítor Pereira: o desembarque de um dos mestres dele, José Mourinho, no Chelsea. Certa vez, o centroavante Didier Drogba entrou no campo calçando tênis de corrida e ouviu de Mourinho que eles eram desnecessários:
“Aonde você pensa que vai com eles?, quis saber o treinador.
“A gente vai correr?”, perguntei, surpreso.
“Traga suas chuteiras”, ele respondeu, “porque você veio aqui jogar futebol. Tudo o que faço é adaptado e relacionado ao jogo — e pra jogar ninguém precisa de tênis de corrida”.
Adeptos do processo de treinamento batizado de Periodização Tática por Vítor Frade, um senhor acadêmico da Universidade do Porto, guru de treinadores lusitanos como José Mourinho, André Villas-Boas, Rui Faria e Vítor Pereira, ex assistente de Mourinho no Porto, defendem que seus elencos tenham “condicionamento para o futebol” em vez de “condicionamento físico”.
Isso ajuda a explicar a insistência de Vítor Pereira na utilização dos jogadores titulares do Flamengo em três partidas consecutivas do Campeonato Carioca — Portuguesa (4 x 1), Madureira (0 x 0) e Nova Iguaçu (no próximo sábado). Na linha adotada por Vítor Pereira, a pré-temporada é o momento mais importante para a Periodização Tática. É preciso fazer o time desenvolver e treinar sua maneira de jogar desde o primeiro dia.
Enquanto alguns treinadores planejam o início do trabalho com um período de trabalho físico, depois tático e técnico antes do jogo propriamente dito, a Periodização Tática vê todos os ciclos interligados. O guru Frade prega que toda a ação no futebol, seja o controle da bola ou o passe, exige: compreensão do contexto do jogo (tática), capacidade de executar a ação (técnica), movimento motor (aspecto físico) e concentração (aspecto mental). Portanto, Frade defende que os quatro momentos não devem ser trabalhados isoladamente.
Uma das máximas de Mourinho, de quem VP foi assistente: “Correr por correr implica num desgaste físico natural, mas sem efeito, e em termos emocionais tende a ser um gasto inútil de energia também, ao contrário daquele verificado em situações complexas (jogo) nas quais, além dos requisitos físicos, os jogadores são exigidos técnica e taticamente, a complexidade desses exercícios levando à maior concentração. O tempo todo quatro fatores estão sendo trabalhados inconscientemente: quando pressionar pela bola (fator tático), a velocidade do movimento (fator físico), a calma para passar (fator mental) e a força do passe (fator técnico). Minhas sessões duram 90 minutos perfeitamente calculados. Não há lugar para distração, mantemos tudo sob controle, e o plano é que o jogador trabalhe em intensidade máxima todos os dias”
O processo de treino desenvolvido no Porto é extremamente científico. Quando Vítor Pereira insiste na repetição do time, ele está tentando tornar primeiro consciente, depois subconsciente, um conjunto de princípios, de modo que o Flamengo possa exibir naturalmente uma maneira de jogar. Ao usar a mesma formação repetidamente, Vítor Pereira obriga os jogadores a trabalharem inconscientemente a pressão pela bola (fator tático), a velocidade do movimento (fator físico), a calma para passar (fator mental) e a força do passe (fator técnico).
Nas entrelinhas, é o que Vítor Pereira tentou dizer na entrevista coletiva depois do empate por 0 x 0 contra o Madureira no estádio Kléber Andrade, em Cariacica (ES). “Não houve fluidez nos movimentos e na circulação de bola no primeiro tempo. É um processo que temos que dar tempos de jogo aos atletas sabendo que eles neste momento ainda não estão preparados para jogar de três em três dias. Ao forçar o time principal, Vítor Pereira quer dar milhagens, tempo de jogo a um time que precisa fundir o legado de Dorival Júnior com as ideias do novo treinador antes dos compromissos com o Palmeiras na Supercopa do Brasil; do Mundial de Clubes da Fifa e da Recopa Sul-Americana diante do Independiente del Valle. Um processo longo que exigirá paciência da torcida rubro-negra.
Se cobramos métodos novos dos treinadores em um futebol brasileiro cada vez mais defasada em relação ao europeu como mostrou mais uma vez a quinta eliminação consecutiva do Brasil Copa do Mundo contra europeus, é preciso ter paciência com quem está tentando o tal do algo diferente. Se não há paciência é melhor nem contratar.
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