Como a rodada dupla da Copa do Brasil no DF explica o fundo do poço do futebol candango

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“Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Esse ditado ajuda a explicar interesses particulares acima da possibilidade de bons resultados esportivos. Há quem solte fogos e contabilize o lucro da rodada dupla da Copa do Brasil nesta quinta-feira com cifras nos olhos, mas a dolorosa verdade é que o futebol candango está cada vez mais mais pobre e largado às traças. Como se não bastasse ter representantes apenas na Série D há 10 anos, o Distrito Federal acaba de ser humilhado. Passou vergonha. Virou piada nacional antes, durante e depois da vitória do Santos contra o Ceilândia, no Serejão, em Taguatinga; e do Vasco diante do Trem-AP, na Arena BRB Mané Garrincha, ambos pela primeira fase do segundo torneio mais importante do calendário. Quem zapeou pelos canais por assinatura e streaming sabe do que estou falando. Parabéns aos sábios e gênios engajados na sabotagem e autodestruição.

Como explicar que o principal estádio da capital foi casa do Trem do Amapá — e não do atual vice-campeão local Ceilândia em jogos disputados quase simultaneamente? Pior: como justificar o argumento da Segurança Pública do Distrito Federal para a presença de torcida única — do Santos! — no Serejão numa partida de time doméstico? Como explicar a falta de sensibilidade de todos os envolvidos na realização desses dois jogos para no mínimo dialogar com o departamento técnico da entidade máxima do futebol brasileiro a fim de solicitar datas diferentes para os cumprimentos das duas agendas? Que nada. Quanto pior, melhor.

Resultado: programas de tevê especializados em esporte passaram o dia ironizando, tripudiando do futebol candango porque a Polícia Militar não deu garantia à presença de duas torcidas no Serejão e o mandante Ceilândia teve de se sujeitar a jogar “em casa, fora” como se estivesse na Vila Belmiro. Questionamentos pertinentes sobre a razão de o time do Distrito Federal jogar em um estádio pequeno — e o Trem, representante do Amapá, mandar partida contra o Vasco no principal templo da cidade.

Não custa lembrar. O DF tem um estádio construído com investimento público concedido a uma entidade privada. O Mané Garrincha custou R$ 1,5 bilhão aos cofres do GDF. Dinheiro dos impostos pagos por cidadãos de cidades como Ceilândia. O bairro mais populoso da capital do país abriga um sexto dos habitantes do quadrado. Por que não fazer uma ação de marketing criativa para que esse público invadisse as arquibancadas do Mané Garrincha ou do Serejão?

Em tese, a arena mais cara da Copa do Mundo de 2014 deveria abrir suas portas para acolher o time da cidade na partida válida pelo torneio nacional. Sim, tem rolado alguns jogos do Candangão lá, mas estamos tratando de uma competição de outro patamar. O adversário do Ceilândia não era um time qualquer. Chama-se Santos. Sabe aquele clube pelo qual jogou um tal de Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé?! Portanto, o Ceilândia, a FFDF e o GDF deveriam ser os primeiros a se mobilizar para que o time local jogasse no melhor palco possível. Só que não!

Em vez de abrir as portas para o Ceilândia, o Mané Garrincha serviu de casa para o Trem contra o Vasco. Nada contra, óbvio. impedido de jogar em Macapá devido a problemas de laudo, o time do Amapá tem todo o direito de ir e vir. Jogar onde bem entender com a aprovação da CBF, do adversário e dos donos dos direitos de transmissão. Em último caso até de vender mando de campo. A questão é o apequenamento do futebol candango. Havia alternativa para atender muito bem Ceilândia e Trem.

Prevaleceu o jogo de interesses. O “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Ruim para o Ceilândia, que reclama dos valores da taxa cobrada para mandar jogo no Mané Garrincha. No ano passado, o clube pagou R$ 466.095 na soma do aluguel (R$ 134.923,50) e das despesas operacionais do estádio (R$ 466.095,41) para receber o Botafogo pela Copa do Brasil. Além disso, o blog apurou que o clube se queixa de um suposto boicote do BRB devido a uma longa e arrastada batalha jurídica travada há anos nos bastidores entre o clube a o banco estatal.

Pior também para o combalido futebol candango. A deficitária FFDF abastece os cofres vazios ao receber a taxa que lhe cabe a cada jogo, mas a entidade está cada vez mais pobre do ponto de vista esportivo. Basta lembrar que o DF ocupa o 20º lugar no ranking nacional das federações da CBF. Ao autorizar o Trem-AP a mandar jogo no melhor estádio da cidade e se mostrar impotente para batalhar pelas mesmas benesses para um filiado, , o DF se sujeita a perder pontos na lista da entidade. Se o Brasiliense foi vice da Copa do Brasil em 2002; e o Gama eliminou o Vasco no Maracanã, em 2007, por que o Ceilândia não poderia desbancar o Santos com os devidos apoios? A preferência é pela mobilização por jogos de fora.

Protagonista do sétimo Produto Interno Bruto (PIB) do país, o DF só tem representantes na Série D do Campeonato Brasileiro. A última divisão. É assim desde 2014. No ranking da CBF, a cidade só aparece à frente do Acre, Espírito Santo, Tocantins, Roraima, Mato Grosso do Sul, Rondônia e do lanterninha Amapá. Mas quem se importa com isso? A diferença de tratamento escancarada na noite de rodada dupla de Copa do Brasil na capital não somente responde como deixa claro: ninguém. Será assim enquanto houver um plano para salvar um elefante branco e minar clubes de futebol da cidade.

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Marcos Paulo Lima

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