É bonito ver o Flamengo de Jorge Jesus jogar quando a trupe está inspirada, mas também há beleza no esforço hercúleo pela fabricação de um antídoto rubro-negro. É preciso respeitar a tentativa dos adversários de desconstruir o melhor time do futebol brasileiro. Jorge Jesus desqualificou a estratégia do colega Odair Hellmann ao dizer que o Fluminense “jogou para perder de pouco” numa declaração infeliz à Fla TV. Não foi a primeira vez. No ano passado, ele havia feito comentário semelhante ao atacar a estratégica de Alberto Valentim na vitória do time da Gávea sobre o Botafogo, no Nilton Santos. Gostemos ou não, defender é um dos recursos do futebol.
A Internazionale de José Mourinho desbancou o Barcelona de Pep Guardiona na histórica semifinal da Champions League de 2010 com uma aula magna de retranca para deter Daniel Alves, Xavi, Iniesta, Pedro, Ibrahimovic e Lionel Messi. Os apaixonados por solidez defensiva desfrutaram. Em tempos de intolerância, podem até ser criticados, mas não desrespeitados.
Quando Jorge Jesus deixar o futebol brasileiro, Odair Hellmann, provavelmente, será o maior especialista do país em duelos contra o português. São cinco até agora – três pelo Internacional e dois à frente do Fluminense. Com mais dois confrontos na decisão do Carioca, sete. Se ambos participarem da Série A do início ao fim, chegaremos a nove combates. Isso se não houver encontro na caminhada dos dois clubes na Copa do Brasil. O tricolor está em desvantagem contra o Figueirense na terceira fase. O rubro-negro entra a partir das oitavas.
Ao conquistar a Taça Rio, Odair Hellmann elevou o próprio sarrafo. O desafio pessoal, agora, é superar Jorge Jesus no tempo normal. Perdeu por 2 x 0 no jogo de ida das quartas de final da Libertadores do ano passado e empatou por 1 x 1 na volta, no Beira-Rio. Foi superado novamente pelo time rubro-negro no segundo turno da Série A por 3 x 1. Neste carioca, não resistir nas semifinais da Taça Guanabara por 3 x 2 em jogo duro, empatou por 1 x 1 na final da Taça Rio e triunfou nos pênaltis por 3 x 2. Variou estilos nos cinco confrontos. O Inter foi medroso na partida de ida das quartas da Libertadores, no Maracanã, e pagou caro. Em contrapartida, Odair foi ousado na eliminação do Fluminense nas semifinais do primeiro turno ao peitar o Fla.
O planejamento tático de Odair Hellmann deixou a impressão de que ele prestou atenção em pelo menos quatro adversários recentes do Flamengo, bateu no liquidificador e serviu a vitamina ao obediente elenco. O alemão Jürgen Klopp deu a dica aos times brasileiros e sul-americanos depois da vitória por 1 x 0 na decisão do Mundial de Clubes. “Tínhamos que ser diferentes em alguns momentos e foi o que aconteceu. Causamos uma série de problemas para eles”, ensinou.
Odair Hellmann e os auxiliares Marcão, Edevaldo de Freitas e Daniel Cerqueira estudaram os times que causaram problemas ao Flamengo. Antes do Liverpool, o River Plate de Marcelo Gallardo havia causado problemas ao Flamengo na final da Libertadores. O Santos de Jorge Sampaoli tirou o time rubro-negro da zona de conforto ao goleá-lo por 4 x 0 na última rodada do Brasileirão. Pressionou também no encontro do primeiro turno, quando o Flamengo sofreu para vencê-lo no Maracanã. O Independiente del Valle de Miguel Ángel Ramírez deu trabalho danado a Jesus na final da Recopa. Diferentes modelos para Hellmann bater no liquidificador e adaptar ao que tinha pela frente na final da Taça Rio e terá na decisão do Estadual.
No pré-jogo, comentei com o colega Victor Gammaro que o Fluminense havia aumentado as chances de superar o Flamengo ao tirar Fred e Paulo Henrique Ganso da lista do jogo. Uma das premissas para bater de frente com propostas de jogo como a de Jorge Jesus é marcação perfeita, com compactação, eficiência no passe e muita, muita velocidade no contra-ataque.
Fred e Ganso jogam em outra rotação. Funcionar contra adversários frágeis. Não em um duelo de altíssimo nível contra o Flamengo. Também compartilhei com o Gammaro a opinião de que os chamados lances de bola parada seriam cartas na manga da equipe tricolor. O gol de cabeça do lateral-direito Gilberto, que antes havia desperdiçado chance semelhante, nasce de uma cobrança de falta do meia Nenê. Por sinal, o veterano incomodou os alas rubro-negros.
Como pregou Jürgen Klopp no título do Liverpool na final do Mundial de Clubes, Odair Hellmann causou problemas ao Flamengo na decisão da Taça Rio. A pergunta a partir de agora é: conseguirá três vezes consecutivas a ponto de brindar o Fluminense com o 32° título carioca? Hellmann suportará a pressão para que Fred e/ou Ganso entrem no time? Repertório tático ele tem. Na passagem pelo Inter, formatou o time no 4-3-3, 4-1-4-1, 4-1-3-2, 4-4-2 e 3-4-3.
E do outro lado? Jesus continuará refém do “onze ideal”, como se diz em Portugal? Ou chegou a hora de mexer um pouco na panela para mudar o tempero e evitar um possível vexame no Carioca? Há um problemão na defesa desde a transferência de Marí para o Arsenal. A qualidade na saída de bola caiu. Léo Pereira não conquistou a confiança da torcida. Perdeu pênalti. Há quem defenda Gustavo Henrique como parceiro de Rodrigo Caio. Pedro vai pedindo passagem. Saiu do banco de reservas 12 vezes neste ano para marcar quatro gols. Fez outro como titular.
Há bem mais do que a guerra de liminares pelo direito de transmissão dos jogos a discutir. O debate no campo das ideias sobre o que pensam Jorge Jesus e Odair Hellmann é interessantíssimo. O Flamengo é favorito ao título, mas um possível título do Fluminense pode influenciar – e muito – concorrentes rubro-negros no Campeonato Brasileiro.
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