Jamais conversei com Paulo Sousa, mas gostaria de fazer uma pergunta ao técnico do Flamengo. Nos tempos de jogador, o português conquistou o título da Champions League em 1996 atuando no meio de campo de uma Juventus convencional no sistema tático. O italiano Marcello Lippi levou a Velha Senhora ao bicampeonato europeu configurada no 4-3-3. O adversário na decisão foi o Ajax, da Holanda. A equipe de Louis van Gaal era especial. Montada no 3-4-3. O lusitano estava em campo naquela decisão com a camisa do time italiano. Aparentemente, pelo que já li, pesquisei e conversei com quem trabalhou com o treinador rubro-negro, ele prefere os conceitos rebuscados do vice van Gaal à simplicidade do modelo adotado pelo campeão Lippi.
Paulo Sousa não abre mão da linha de três zagueiros. Usou esse sistema em todos os clubes e na seleção pela qual passou. Quando ele disse “temos convicções e é nelas que vamos acreditar” depois do fracasso na final do Campeonato Carioca contra o Fluminense, o técnico estava dizendo nas entrelinhas que o sistema de jogo rubro-negro pode até não estar funcionando, como de fato não mostra evolução, mas dificilmente mudará da noite para o dia.
O recado de Paulo Sousa não poderia ser mais claro: o elenco terá de se adaptar ao que ele pensa e não o contrário. Consequentemente, o Flamengo pode estar trilhando um caminho difícil. Se os resultados não vierem em curto prazo contra Sporting Cristal na Libertadores e diante Atlético-GO na abertura do Campeonato Brasileiro, a situação arrisca ficar insustentável.
Qualquer semelhança é mera coincidência, mas o Ajax derrotado por Paulo Sousa e companhia na final da Champions League de 1995/1996 era uma time especial. Havia desbancado o Milan na decisão de 1994/1995 e buscava o bi consecutivo. A trupe de Louis van Gaal encantava o mundo no 3-4-3 e sua variáveis. Na final, o holandês escalou a linha defensiva de três com Silooy, Blind e Bogarde. Os quatro homens do meio de campo eram Frank de Boer, Ronald de Boer, Davids e Litmanen. À frente, os pontas Musampa e Finidi e Kanu no papel de centroavante.
Com as devidas adaptações, esse é o modelo do Flamengo. O time rubro-negro usa um lateral pela direita, ou seja, Rdinei, Matheuzinho ou Isla, e um falso ala pela esquerda. Everton Ribeiro e Lázaro foram os mais improvisados naquele setor. Em algumas partidas, Gabigol emula Finidi caindo pela direita e Bruno Henrique faz o papel de falso nove como se fosse Kanu. Nota como é rebuscado? Um modelo como esse não começa a funcionar instantaneamente. A diretoria e a torcida rubro-negra terão paciência para esperar que a engrenagem atinja a perfeição?
A Juventus de Lippi, aquela em que Paulo Sousa era titular no jogo do título contra o Ajax, tinha mais semelhanças com o legado de Jorge Jesus no Flamengo, mas o português prefere um trabalho autoral. A defesa tinha uma linha de quatro com Torricelli, Ferrara, Vierchowod e Pessotto. No meio, três caras inteligentes que viraram técnico: Paulo Sousa, Antonio Conte e Didier Deschamps. Na frente, Ravanelli, Vialli e Del Piero. Um timaço arquitetado no 4-3-3.
Paulo Sousa dificilmente vai virar a chave. Difícil vê-lo reformulando o time, por exemplo, para Santos; Rodinei, Pablo, David Luiz e Filipe Luís; Willian Arão, João Gomes e Arrascaeta; Everton Ribeiro, Gabriel Barbosa e Bruno Henrique. Ele prefere Santos; Pablo, David Luiz e Filipe Luís; Rodinei, Willian Arão, João Gomes e Ayrton Lucas; Arrascaeta; Gabigol e Bruno Henrique. Sistemas totalmente diferentes. Um bem mais rebuscado do que o outro.
Para mim, o pecado capital de Paulo Sousa a essa altura da temporada é a avareza. Apegar-se demais ao modelo de Louis van Gaal e não exercitar de vez em quando o que aprendeu com Marcello Lippi naquela bela Juventus campeã da Champions League em 1996. Afinal, ter repertório também é uma qualidade moderna dos técnicos, sejam eles brasileiros ou europeus.
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