O futebol brasileiro tem um trauma desde a Tragédia do Sarriá: a bola atravessada na frente da área. Toninho Cerezo saiu chorando do campo porque o carrasco Paolo Rossi não desperdiçou o presente e balançou a rede na vitória da Itália por 3 x 2. Pep Guardiola tinha 11 anos. Viu aquela partida com o pai. Adora falar sobre aquele Brasil da Copa de 1982. Assim o sonho do Fluminense começou a virar pesadelo nesta sexta-feira, na Arábia Saudita, na derrota por 4 x 0 para o Manchester City na final do Mundial de Clubes da Fifa.
Marcelo nasceu em 1988, porém deve ter visto ao menos uma vez na vida o erro de Cerezo. Depois daquele lance, a máxima de que não se atravessa a bola no meio da área invadiu as escolinhas de futebol. Cansei de fazer isso na minha infância na academia do professor Davi, no Cruzeiro Novo, e ouvia cada bronca… Isso para não dizer textualmente o palavrão. Assim como Cerezo, Marcelo é um baita jogador. Entretanto, a falha gravíssima do ídolo matou o sonho do Fluminense aos 40 segundos. O tetracampeão da Champions League comportou-se como juvenil, diziam tricolores em um grupo de WhatsApp do qual participo. Sofrer um gol no começo condiciona a partida. Com menos de um minuto, então…
É preciso valorizar o acerto do Manchester City também. O gol de Julian Álvarez é resultado de estudo. Guardiola e a comissão técnica estudaram pelo menos quatro pontos no lance crucial: a fragilidade do setor esquerdo da defesa tricolor com Marcelo e Felipe Melo; a dificuldade de Marcelo quando é pressionado na retaguarda, a aglomeração de jogadores em um lado do campo e a inversão para o espaço vazio. Marcelo tenta invertê-la para Samuel Xavier. Ele só não contava com a presença de jogadores do time inglês na frente da área do Fluminense. Eram quase oito cercando a origem e o destino do lance.
A jogada do segundo gol mostra a necessidade de intercâmbio, evolução do excelente volante André. O futebol inglês o quer. Ele dificilmente permanecerá no clube na próxima temporada, O caminho natural é o Velho Continente. Não sem antes aprender com a falha na marcação no lance em que a bola passa em frente a ele no espaço vazio e chega limpa para a finalização de Foden. Para mim, Nino fez o que era possível antes da finalização. O goleiro Fábio nada poderia fazer depois do desvio da bola no beque tricolor.
Se era difícil sem sofrer gol. imagine com dois atrás. Os outros dois foram consequências do primeiro e do segundo gol. Fernando Diniz foi coerente. Fiel às convicções. Apostou no mesmo time do triunfo por 2 x 1 contra o Boca Juniors na Libertadores. O jovem técnico, um dos melhores do país, precisa aprender uma lição. De vez em quando, jogos grandes demandam grandes decisões. Abrir mão de Ganso e/ou de Felipe Melo era necessário.
Lembro-me de uma partida na qual Diniz não foi Diniz e levou um ponto para casa. Em 2019, estreava como técnico do São Paulo contra aquele Flamengo comandado por Jorge Jesus. O treinador configurou um ferrolho, igualou a partida e poderia até vencê-la. Freou o timaço rubro-negro e iniciou o trabalho com moral. Levou ponto precioso para casa. Diniz fez isso também quando ficou com um jogador a menos diante do Flamengo nas semifinais da Copa do Brasil deste ano. Reorganizou o time e o adversário não balançou a rede.
Os erros individuais e coletivos não deletam da memória do torcedor do Fluminense o ano incrível marcado pela virada implacável contra o Flamengo na final do Carioca; o concerto de futebol por 5 x 1 no duelo com o River Plate, no Maracanã; o triunfo cheio de alma contra o Boca Juniors, no Maracanã; e a coragem de manter o estilo diante do Manchester City. Pode ter sido a última exibição desse time inesquecível. Marcou época no coração tricolor. Nino e André estão de malas prontas. Vem aí um novo Fluminense. Quem sabe melhor.
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