Edson Arantes do Nascimento resistiu, mas Pelé foi convocado pelos deuses do futebol nesta quinta-feira, às 15h27, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para jogar em um timaço que o esperava na imensidão dos campos de futebol do céu.
O goleiro Lev Yashin fez as honras da casa. Carlos Alberto Torres, o capitão do tricampeonato, indicou a entrada pela lateral direita. Nilton Santos bem queria que fosse pela esquerda. O zagueiro inglês Bobby Moore marcava Pelé homem a homem até que o liso camisa 10 aplicou um drible de corpo no beque da Copa de 1966 e seguiu rapidamente rumo ao check-in no paraíso.
Quando invadiu o meio de campo a caminho da eternidade, foi saudado na passagem pelo tapete vermelho por Fifa Legends como o argentino Di Stéfano, o holandês Johann Cruyff, o húngaro Ferenc Puskás, o amigo português Eusébio… O carrasco italiano Paolo Rossi queria saber por que a Itália ficou fora da Copa pela segunda edição consecutiva. A demanda de Gerd Müller era outra. Almejava entender duas eliminações consecutivas da Alemanha na fase de grupos. Enquanto isso, o velho compadre de tantas tabelinhas e títulos Mané Garrincha mostrava-se irreverente como sempre. O Anjo das Pernas Tortas cochichou com Pelé que Maradona estava doidinho para ocupar um belíssimo assento reservado.
D10S o esperava meio bicudo, sentadinho à direita do trono central reservado por anjos e arcanjos para Sua Majestade — o Rei Pelé. Metido a cantor, O Atleta do Século 20 logo começou a interpretar a canção do último encontro terráqueo entre ele e Maradona. Tratou de quebrar o clima dedilhando o velho violão sempre carente de afinação: Depois do acorde, entoou: “Quem sou eu, Maradona? Quem é você? Você quer ser eu. E eu quero ser você”.
Pronto. Começava ali uma nova edição de La Noche del Diez — o programa que levava a assinatura de Maradona na tevê argentina. O Príncipe tratou de fazer uma entrevista na tevê alvi(celeste) com o Rei recém-chegado. Perguntou sobre as últimas novidades do lado de cá.
Pelé matou a curiosidade. Contou logo a Maradona que Lionel Messi havia finalmente havia levado a Argentina ao tricampeonato na Copa na final de todos os tempos contra a França de Mbappé. El Pibe sorriu e chorou na sequência. Queria saber mais detalhes sobre como foi. Irônico, Pelé contou que, dessa vez Los Pies — e não mais Las Manos de D10s — fizeram a diferença. O Rei descreveu a milagrosa defesa de “Dibu” Martínez no último minuto da prorrogação e viu os olhos do amigo brilharem com a notícia do encerramento dos 36 anos de jejum iniciados no México, em 1986.
Encantada, a plateia aplaudiu a reedição do icônico programa La Noche del Díez de 2005. Estava encerrado o primeiro de muitos banquetes para os deuses do futebol com um convidado tão especial como Edson Arantes do Nascimento.
Era hora de Pelé atualizar a resenha com o Enciclopédia Nilton Santos. Matar a saudade de Bellini. Dar umas boas risadas com Mané Garrincha, Didi e os demais integrantes da da série do tricampeonato em 1958, 1962 e 1970. Tabelar novamente com velhos parceiros do Santos como Dorval e o par perfeito Coutinho. Até o sonolento técnico Vicente Feola despertou do sono profundo no banco de reservas. Cutucou Aymoré Moreira, Luis Alonso Peres, o Lula, o mestre Telê Santana e até o mesmo João Saldanha, um dos desafetos do Rei. Todos avistaram de longe que estava chegando na área quem tantos os fez felizes na vida pregressa. Reverenciaram e saudaram o Rei.
E assim foram as primeiras horas de Pelé no paraíso do futebol.
“Entende”, diria Edson Arantes do Nascimento referindo-se em terceira pessoa ao Pelé.
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