A declaração é de um dirigente da Confederação Brasileira de Futebol em entrevista ao Correio. “Quanto mais vocês (da imprensa) falam o nome do Tite, mais o Marco Polo (Del Nero) se convence de que não deve contratá-lo e manter o Dunga, no mínimo, até a Copa América Centenário. Ele é assim. Sei como funciona.” Só uma improvável reviravolta com uma pitada de humildade pode levar o presidente licenciado da CBF a realizar o sonho quase unânime no país de ver Adenor Leonardo Bacchi no lugar de Carlos Caetano Bledorn Verri na Seleção.
Marco Polo Del Nero confia no coordenador Gilmar Rinaldi, a quem deu carta branca. Gosta de Dunga e tem uma lista de restrições a Tite. A começar pela amizade do técnico com o ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, hoje deputado federal (PT-SP). Tite não esconde a gratidão ao dirigente. Uma declaração de Andrés afastou ainda mais Tite de Del Nero. “Com certeza, do jeito que está a CBF, com um presidente que não pode sair do país, não acompanha a Seleção Brasileira nas viagens, o Tite não vai. Com certeza, o Tite não vai para a Seleção mesmo sendo convidado”, afirmou no ano passado o então superintendente do clube paulista. Indagado recentemente sobre sua relação com Andrés Sanchez, Tite usou apenas uma palavra para falar do cartola. “Gratidão”.
Ao ser anunciado como novo diretor de seleções, Gilmar Rinaldi apresentou ao então mandatário da CBF, José Maria Marin, e ao sucessor dele, Marco Polo Del Nero, cinco sugestões de nomes para assumir o Brasil depois da Copa de 2014: Abel Braga, Dunga, Marcelo Oliveira, Muricy Ramalho e Tite — descartado justamente devido à proximidade com Andrés Sanchez, um dos maiores desafeto de Marco Polo Del Nero. Mas não é só.
Pressionado pelos vices a convocar uma reunião para discutir a permanência de Dunga, o presidente licenciado da CBF tem uma resposta na ponta da língua a quem o incomoda no condomínio da Barra da Tijuca (RJ) em que comanda a entidade. “Ele diz assim: ‘como vou contratar um técnico que assinou um manifesto entregue a vocês exigindo a minha renúncia’”, conta ao Correio um dos líderes do movimento pelo impeachment de Dunga.
Marco Polo Del Nero se refere ao abaixo-assinado batizado pelo Movimento Bom Senso FC de “Manifesto por uma nova CBF”, entregue em dezembro do ano passado na sede da entidade máxima do futebol brasileiro. O documento foi assinado pelo corajoso Tite. O treinador marcou posição. Não se intimidou diante da possibilidade de fechar as portas — ao menos por enquanto — na Seleção. Além de Tite, rubricaram o documento, entregue em 15 de dezembro à CBF, o Rei Pelé, o cantor e compositor Chico Buarque, o técnico de vôlei, Bernardinho, os cineastas Walter Salles e José Padilha, os apresentadores Dan Stubach, Jô Soares, Faustão, Luciano Huck, entre outros.
Fora da zona de classificação para a Copa pela primeira vez, desde o início da terceira rodada das Eliminatórias para a Copa de 1994, a Seleção vai passar cinco meses à espera do duelo com o Equador, em Quito, e com a Colômbia, em Manaus, em 2 e 6 de setembro, respectivamente. Um dos vices sugeriu a Del Nero a diminuição do poder de Dunga e deu duas opções: deixar Rogério Micale comandar a Seleção Sub-23 nos Jogos do Rio-2016 ou contratar um técnico de ponta que sirva de sombra a Dunga, que seria mantido na principal. O nome de Tite voltou a ganhar força. A ideia era tê-lo na Seleção olímpica e no clube para não gerar atrito com o Corinthians. Não seria nenhuma novidade. Em 1998, Vanderlei Luxemburgo acumulou o Corinthians e a Seleção por seis meses. Não perdeu nenhum dos três amistosos à frente do Brasil e levou o time paulista ao título de campeão brasileiro.
Tte não só recusou publicamente um acúmulo de funções na Seleção à la Luxemburgo, como deu uma leve alfinetada em Dunga — comandante das seleções principal e olímpica. “Nenhum ser humano consegue em sua plenitude trabalhar em dois locais. Estamos falando de excelência, de alto nível. Eu não acredito em excelência dessa forma. Não acredito”, argumentou Tite repetidamente. Del Nero soube e fortaleceu a resistência a Tite. No fim de semana, a jornalista Camila Mattoso, que escreve um livro sobre Tite, a ser publicado em maio, divulgou que o técnico contou a ela que foi procurado duas vezes em 2015 pela CBF e teria dito ao irmão, Ademir Bachi, em um telefonema. “Com esses caras que estão no comando, eu não vou… não vou”. Del Nero desmente o convite.
Contrato não é problema
O contrato de Tite com o Corinthians não seria obstáculo para ele trabalhar na Seleção e no Corinthians ao mesmo tempo. Quando acertou o retorno ao clube, o técnico colocou no papel uma cláusula que o libera para a Seleção em caso de um convite. Ele não é obrigado a cumprir o acordo até 2017. Em 2012, a CBF teria de pagar multa de R$ 5 milhões para tirá-lo do Timão. Por isso, optou por Luiz Felipe Scolari. Tite ficou traumatizado. Agora, existe apenas um acerto verbal entre Tite e o presidente, Roberto de Andrade. Se pintar convite da CBF, ele só precisa terminar o campeonato que estiver disputando.
Mas o apego de Tite ao Corinthians e as críticas à CBF também incomodam Del Nero. Após a conquista do hexa, no ano passado, Tite afirmou. “Hoje, não largo (o Corinthians) para nada. Para nada! Tenho três anos de contrato com o Corinthians e um trabalho extraordinário. Não tem nada maior do que isso”, avisou.
No Brasileirão do ano passado, criticou o calendário da CBF. “É um crime jogar na quinta e no domingo de manhã”, reclamou, manifestando apoio ao Grêmio, que enfrentaria o Timão.
O diretor de Seleções, Gilmar Rinaldi, também já foi alvo de Tite. “Mas que história é essa de chamar o Gilmar? Que preparação ele teve? Quais os argumentos? Por que não um executivo do futebol? Um Paulo Angioni? O Edu Gaspar (gerente de futebol do Corinthians), o Rodrigo Caetano, o Leonardo? Enfim, uma série de profissionais que se habilita para tanto. Por que não um profissional que está estudando para isso? Fala-se tanto em atualização do futebol, não é?”, questionou em 2014, em entrevista à Zero Hora.
Números malucos
A CBF avalia a situação de Dunga. Há quem exija demissão. Outros, a diminuição do poder, com a saída dele da Seleção olímpica. Outros falam em cobrança pela convocação dos melhores e há quem diga que Del Nero pediu opinião sobre Marcelo Oliveira, ex-Cruzeiro e Palmeiras.
Dunga reclama da falta de tempo para treinar, mas é nos amistosos, quanto não tem tempo para trabalhar, que ele tem 100% de aproveitamento. Venceu os 12. Nos jogos oficiais, ou seja, com tempo para ensaiar o time, o desempenho cai para 53,3%. As duas únicas derrotas foram para Chile e Colômbia.
Cronologia da segunda era Dunga
» Amistosos
5/9/2014 – Brasil 1 x 0 Colômbia
9/9/2014 – Brasil 1 x 0 Equador
11/10/2014 – Brasil 2 x 0 Argentina
14/10/2014 – Brasil 4 x 0 Japão
12/11/2014 – Turquia 0 x 4 Brasil
18/11/2014 – Áustria 1 x 2 Brasil
26/3/2015 – França 1 x 3 Brasil
29/03/2015 – Brasil 1 x 0 Chile
7/6/2015 – Brasil 2 x 0 México
10/6/2015 – Brasil 1 x 0 Honduras
» Jogos oficiais (Copa América)
14/6/2015 – Brasil 2 x 1 Peru
17/6/2015 – Brasil 0 x 1 Colômbia
21/06/2015 – Brasil 2 x 1 Venezuela
27/06/2015 – Brasil 1 x 1 Paraguai
» Amistosos
5/9/2015 – Brasil 1 x 0 Costa Rica
8/9/2015 – EUA 1 x 4 Brasil
» Jogos oficiais (Eliminatórias)
8/10/2015 – Chile 2 x 0 Brasil
13/10/2015 – Brasil 3 x 1 Venezuela
13/11/2015 – Argentina 1 x 1 Brasil
17/11/2015 – Brasil 3 x 0 Peru
25/3/2016 – Brasil 2 x 2 Uruguai
29/3/2016 – Paraguai 2 x 2 Brasil
Resumo geral
22 jogos, 16 vitórias, 4 empates, 2 derrotas, 42 gols marcados, 15 gols sofridos, 78,7 % de aproveitamento.
Em amistosos
12 jogos, 12 vitórias, 26 gols marcados, 3 gols sofridos, 100% de aproveitamento.
Em jogos oficiais
10 jogos, 4 vitórias, 4 empates, 2 derrotas, 16 gols marcados, 12 gols sofridos, 53,3% de aproveitamento.