O futebol brasileiro tem a impressionante capacidade de se iludir com amistosos ou torneios inócuos. A derrota nos pênaltis para a Inglaterra na Finalíssima — duelo entre as seleções campeãs da Copa América e da Eurocopa — e a vitória contra a Alemanha antes do anúncio da convocação final de Pia Sundhage deram a falsa impressão de que havia acontecido um estalo e finalmente havia um rumo a seguir na Copa do Mundo Feminina. Funcionou como a velha, traiçoeira e extinta Copa das Confederações masculina. Lembram? Empolgava. Quando era à vera…
Sim, Pia Sundhage fez um trabalho de renovação (não de rejuvenescimento) importante. Ela trocou peças, mas a média de idade é a mesma de 2019. Porém, ela se perdeu no fim do processo ao trazer de volta contraditoriamente jogadoras esquecidas como a goleira Bárbara. Enquanto reabria portas para umas, fechava em definitivo para peças importantes como a veterana Cristiane — uma centroavante útil para momentos como a exigência de vencer a Jamaica, 43ª do mundo no ranking da Fifa.
O Brasil foi eliminado porque só tinha futebol para vencer o Panamá. Simples assim. Pia é bicampeã olímpica em Pequim-2008 e Londres-2012, prata no Rio-2016, vice-campeã da Copa do Mundo em 2011, mas pecou gravemente pelo pragmatismo excessivo. Joga do mesmo jeito até ao tirar e por. Ela é ruim por isso? Não. O futebol masculino ou feminino passou a exigir mais de um plano.
A Seleção desembarcou na Copa do Mundo com um repertório pobre. As peças do meio de campo recebiam a bola e olhavam para o lado à espera das pontas e laterais. Quando essas opções se apresentavam, a alternativa era tão somente alçar a bola na área. Faltavam alternativas de articulações pelo meio. Ausência de tramas com alguém fazendo o pivô para uma jogadora vinda de trás ou algum talento capaz de romper as linhas pelo centro.
Pia ficou presa aos próprios conceitos. Demorou a apresentar soluções eficientes para lidar com o jogo de imposição da França na segunda rodada do Grupo F e com a retranca da Jamaica na partida na qual necessitava de um gol para avançar às oitavas de final.
Carente de talentos e com alguns problemas graves de fundamento originados em uma divisão de base quase incipiente, o Brasil voltou a depender de Marta no instante de desespero. A camisa 10 havia avisado, ainda em Brasília, na despedida contra o Chile: “Não sou mais a mesma”. A Rainha entrou em campo como segunda atacante ao lado de Debinha. Jogou de costas, para mim um erro de Pia. Faltava claramente entrosamento, concatenação de ideias nos movimentos.
Presa excessivamente aos próprio conceitos, Pia foi eliminada pelo próprio pragmatismo. Ela só se arriscou na hora do pânico ao usar uma linha de três zagueiras, liberar Tamires e tentar sufocar a adversária nos últimos minutos. Os acréscimos foram poucos. Quatro a mais.
Tempo insuficiente para evitar uma triste regressão. O Brasil volta a cair na fase de grupos depois de 28 anos. A última vez havia sido em 1995. Marta se despede com o vice em 2007. Merecia mais. O maior título da alagoana de Dois Riachos é o legado para um país que finalmente aprende a respeitar o futebol feminino.
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