Pep Guardiola iniciou a carreira de técnico nas divisões de base do Barcelona. Zinedine Zidane comandou o Real Castilla antes de assumir os galácticos. Raúl González passa por processo semelhante nas “canteras” do clube merengue. Não há fórmula pronta, óbvio, mas, talvez, a relação de Rogério Ceni com o São Paulo tivesse tomado outro rumo se o treinador iniciasse a carreira de treinador no cargo oferecido pelo tricolor paulista a Alexsandro de Souza, o Alex.
A torcida do São Paulo sentiu dor de cotovelo quando o maior ídolo da história do clube trocou o Fortaleza pelo Flamengo, mas a diretoria teve estopim curto com o então técnico iniciante. O ex-goleiro assumiu o time em janeiro de 2017 e foi demitido em 3 de julho, ou seja, seis meses depois de promovê-lo ao cargo. Ceni saiu com 37 jogos, 14 vitórias, 13 empates e 10 derrotas. Aproveitamento de 49,5%. À época, o São Paulo ocupava a zona de rebaixamento na Série A. São Paulo e Rogério Ceni escolheram queimar etapas e a relação ficou ferida.
Convidado a assumir o elenco sub-20 do São Paulo, o ídolo do Palmeiras Alex mostra o que faltou a Rogério Ceni na transição da carreira de jogador para técnico: paciência para dar um passo de cada vez. Fez o curso de treinador da CBF. Passou pelas licenças B e A. Aprendeu na teoria a lidar com jovens e marmanjos. Chegou a hora da prática. Ele também estudou gestão e acumulou milhas no papel de comentarista — dos bons — nos canais ESPN.
A missão de Alex parece fácil. Só que não. A base do São Paulo é uma das mais fortes do país. Forma jogadores e vende como poucos no Brasil. David Neres e Antony, por exemplo, estão no Ajax. Destaque tricolor no Brasileirão, Brenner seguiu para o Cincinnati, da Major League Soccer, a liga profissional norte-americana. Lucas Piazon, Eder Militão, Rodrigo Caio, Gustavo Maia e tantos outros abasteceram os cofres do São Paulo recentemente.
Alex também é um golaço de placa de Muricy Ramalho. Certamente há o dedo dele na contratação. Primeiro, trouxe de volta Milton Cruz para tomar conta das categorias de base e fazer a integração dos meninos do Centro de Cotia com os profissionais do São Paulo. Na sequência, abriu negociação com Alex. Tudo no tempo certo. Falta apenas o anúncio oficial.
Uma das virtudes de Alex é a coerência. Em 2017, numa entrevista para o Correio Braziliense ao colega Victor Gammaro, ele disse o seguinte sobre a safra de treinadores do país. “O futebol brasileiro está como está e só piora porque não se treina. Não tem tempo, só se joga. Se você não repete movimentos, você não melhora. Temos técnicos, não temos tempo. Não tem gol de jogada ensaiada porque não treina, não tem gol de falta porque não treina”.
Está claro. Alex escolheu começar na base porque deseja continuidade no trabalho para colocar o que pensa em prática. A paciência com o iniciante Rogério Ceni no elenco profissional durou apenas seis meses. Com ele, Alex, a tendência que seja maior. Muricy Ramalho e Milton Cruz pretendem investir na formação de um treinador para o futuro tricolor.
Enquanto isso, o início “por cima” de Rogério Ceni no São Paulo deixou cicatrizes no técnico campeão brasileiro de 2020. Gerou ruptura temporária com o clube do coração. Em vez de se desenvolver no São Paulo, evoluiu no Fortaleza. Precipitado, tentou pegar atalho no Cruzeiro semifinalista da Copa do Brasil em 2019, mas errou. Quase repetiu o equívoco ao trocar novamente o Fortaleza por outro grande. Deu adeus à Libertadores nas oitavas, caiu nas quartas da Copa do Brasil e ganhou o Brasileirão via celular depois da derrota para o São Paulo, no Morumbi, e o empate do Inter com o Corinthians, no Beira-Rio.
Alex escolheu começar por baixo, sem forçar a barra. Rogério Ceni foi com sede ao pote no São Paulo e, talvez, tenha se arrependido de não dar um passo atrás para avançar dois à frente. Preferiu a cara e a coragem. Repito: não há fórmula pronta. Porém, prefiro a escolha de Alex, Pep Guardiola, Zinedine Zidane, Raúl González e tantos outros técnicos forjados na base.
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