Em tempos de intolerância religiosa, a final da Uefa Champions League, hoje, às 16h, na França, coloca em cartaz dois protagonistas islâmicos no duelo entre Liverpool e Real Madrid. Astros do espetáculo, Mohamed Salah e Karim Benzema são muçulmanos praticantes. Apesar de discursos desrespeitosos — e até xenófobos — contra a fé de 1,8 bilhão de pessoas, ambos driblaram o preconceito, se consolidaram como ídolos e arrastam multidão ecumênica de devotos do estilo dos badalados atacantes.
Nascido em Nagrig, no Egito, Salah atrai seguidores não somente pela simpatia, bom futebol, gols e coleção de títulos. É incensado pelos valores e ações vinculadas a uma personalidade simples e generosa desde o início da carreira. Em 2012, testemunhou a Tragédia do Estádio Port Said. Setenta e quatro pessoas morreram na briga entre torcedores do Al Ahly e do Al Masry. A liga nacional foi suspensa por dois anos, porém a carreira de Salah não ficou inerte. Um amistoso entre o Basel, da Suíça, e a seleção sub-23 do Egito, mudou a vida dele e escancarou os portões da Europa.
Embora tenha virado um faraó da bola, Salah não dá as costas às origens. Dedica parte do rico dinheirinho a doações para hospitais, construção de escolas e de institutos de caridade no vilarejo em que nasceu e foi criado. A escola em que ele estudou passou a se chamar Mohamed Salah Industrial High School.
Em 2017, o gol da classificação do Egito para a Copa de 2018 rendeu uma mansão de mimo. Ele abriu mão do “bicho”. Pediu ao magnata que o mimo fosse repassado ao Centro Comunitário de Nagrig. Na mesma época, a família de Salah teve a casa invadida por ladrões. Ele convenceu os parentes a não registrarem boletim de ocorrência. Deu dinheiro ao criminoso e colaborou para que ele arranjasse um emprego.
Na comemoração dos gols, Salah segue uma liturgia: comemora de braços abertos, agacha-se e leva a cabeça ao chão — um ritual típico do islamismo.
Artilheiro da Champions com 15 gols, o descendente de argelinos Benzema também é muçulmano praticante. Nasceu em Lyon. Cresceu em Bron, um bairro pobre com população predominantemente árabe. Ao contrário de Salah, não tem fama de santo. Acumula polêmicas graves, como suposto envolvimento com prostituta menor de idade em parceria com Ribéry, Ben Arfa e Govou; e extorsão do colega de seleção Valbuena para que um vídeo de sexo não fosse divulgado. O técnico da França, Didier Deschamps, o deixou fora da Copa de 2018. Perdoado, irá ao Qatar.
Apesar das polêmicas, Benzema segue o Alcorão. Não bebe álcool, adere ao Ramadã e só se casou com a primeira companheira, Chloé De Launay, quando ela se converteu ao islamismo. Um dos filhos chama-se Ibrahim.
Sob a bênção da tolerância, os muçulmanos Salah ou Benzema farão uma legião de fiéis do Liverpool ou do Real Madrid felizes hoje. Salamaleico!
Coluna publicada na edição impressa deste sábado do Correio Braziliense
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