A lição democrática do COB que a CBF insiste em não aprender há 36 anos

Publicado em Esporte
Paulo Wanderley reconhece vitória de La Porta no COB. Foto: Alexandre Loureiro/COB

 

No ano passado, o Comitê Olímpico do Brasil deu um exemplo ignorado pela Confederação Brasileira de Futebol há 36 anos na Nova República:  as eleições do COB tiveram dois candidatos em 2024 e três em 2020. Viciado, o processo seletivo da CBF não tem mais de um postulante desde 1989.

 

Sim, houve risco de judicialização, mas os pretendentes da situação, Paulo Wanderley, e da oposição, Marco La Porta, disputaram o cargo no voto. A derrota por 30 x 25 foi respeitada pelo ex-presidente derrotado. O resultado das urnas prevaleceu sem questionamentos no tapetão. Houve, inclusive, cumprimento entre os adversários políticos depois do resultado das urnas.

 

Sim, o COB é mais dependente das verbas do Governo Federal do que a CBF, mas isso também não serve de argumento. No pleito de 2020, a eleição do COB teve três candidatos. Paulo Wanderley derrotou Rafael Westrupp e Hélio Meirelles Cardoso. Eles tinham como vices, respetivamente, os medalhistas olímpicos Emanuel Rego (vôlei de praia) e Robson Caetano (atletismo). Isso, sim, é democracia, CBF.

 

No mundo da bola há repulsa por ex-jogadores aspirantes a cargos políticos. Ronaldo não conseguiu se candidatar. Mauro Silva, vice da Federação Paulista de Futebol, sequer foi mencionado como alternativa. Nenhum dos oito vices de Ednaldo Rodrigues e da chapa de Samir Xaud tem um ex-jogador profissional.

 

A eleição da CBF rejeita mais de uma candidatura. Não há dois desde 1989, quando o genro de João Havelange, então presidente da Fifa, superou Nabi Abi Chedid. De lá para cá, todos os dirigentes da entidade máxima do futebol foram eleitos por aclamação ou herdaram o cargo de um antecessor afastado da entidade.

 

Foram os casos, por exemplo, de José Maria Marin e de Ednaldo Rodrigues nas sucessões de Ricardo Teixeira e de Rogério Caboclo, respectivamente, antes da vitória nas urnas em março 2022, anulada pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ).

 

Quem vota na eleição da CBF

  • 27 federações estaduais: Peso 3 (81 votos)
  • 20 clubes da Série A: Peso 2 (40 votos)
  • 20 clubes da Série B: Peso 3 (20 votos)

Por que Samir Xaud é candidato único?

  • De acordo com o Estatuto de 2017 da CBF, reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para inscrever uma chapa, o candidato precisa da assinatura de 8 federações e de cinco clubes. Xaud tem 25 federações e 10 clubes. Portanto, inviabiliza Reinaldo Carneiro Bastos da Federação Paulista de Futebol.

 

A CBF precisa rever urgente as regras do pleito. A bem da verdade não há eleição. A cláusula de barreira impressa no Estatuto, com todo o poder às federações, dificulta ao máximo a disputa entre mais de um candidato. Ronaldo Nazário de Lima, o Fenômeno, não conseguiu registrar chapa. O influente cartola Reinaldo Carneiro de Bastos da Federação Paulista de Futebol também não. As entidades estaduais não existiriam sem os clubes. Simples assim.

 

Uma das lições democráticas do COB para a CBF é a diversidade do colégio eleitoral. O poder de decisão está nas mãos de 55 membros: 34 presidentes das Confederações Olímpicas de Verão e Inverno filiadas ao COB; pelos dois membros brasileiros do Comitê Olímpicos Internacional (COI), e por 19 representantes da Comissão de Atletas.

 

O modelo da CBF sufoca algumas vozes. Votam as 27 federações, os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro e os 20 da Série B no ano do pleito. Em tempos de inclusão, as mulheres, por exemplo, são ignoradas. Times da Série A1 do Brasileirão Feminino como o Real Brasília e o 3B Amazônia passam longe do debate e sequer recebem cédulas para opinar.

 

Enquanto o COB dá voz aos ex-atletas, ou seja, aos protagonistas da história de conquistas olímpicas do país com 19 votos, a CBF simplesmente ignora os responsáveis pelas cinco estrelas bordadas na camisa da Seleção Brasileira. Os capitães do tetra, Dunga (1994); e do penta, Cafu (2002); não apitam em nada. Bellini (1958), Mauro (1962) e Carlos Alberto Torres (1970) morreram sem direito a opinar sobre os rumos do futebol brasileiro em cargos políticos ou administrativos da CBF.

 

Melhores do mundo como Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká passam longe do processo. Quem faz a história é preterido por quem senta-se na cadeira para beneficiar-se dela, explorá-la e trata-la sem o mínimo zelo e respeito.

 

A iminente eleição de Samir Xaud diante da desistência de Ednaldo Rodrigues da briga judicial pelo retorno à presidência da CBF é mais uma oportunidade de um rearranjo político, administrativo e esportivo nos rumos do futebol brasileiro.

 

É difícil, quase impossível, acreditar que isso acontecerá a partir das eleições marcadas para o próximo domingo, mas a nova (ou velha) CBF deveria, sim, dar uma olhadinha na gestão democrática do vizinho COB. Não era assim até a coleção de mandatos de Carlos Arthur Nuzman.

 

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