Jairo dos Santos sente orgulho de ter sido observador técnico — o popular espião — da Seleção Brasileira em oito Copas do Mundo. Estava na comissão técnica do tetra em 1994 e na do penta, em 2002. Trabalhou com Claudio Coutinho, Telê Santana, Sebastião Lazaroni, Carlos Alberto Parreira, Mário Jorge Lobo Zagallo, Vanderlei Luxemburgo, Emerson Leão, Luiz Felipe Scolari e no início da primeira era Dunga. Mas, no momento, o prazer dele não está na coleção de credenciais — e muito menos na recente vitória jurídica sobre a CBF, condenada, em 2016, a indenizá-lo em R$ 2,5 milhões por causa de 33 anos de pendências trabalhistas.
A alegria do mestre Jairo dos Santos é falar sobre o discípulo Thiago Larghi. O técnico do Atlético-MG começou no futebol justamente com o ex-espião da entidade máxima do futebol brasileiro. A ponto de ambos emplacarem um relatório sobre a Copa do Mundo de 2010 na revista inglesa FourFourTwo, uma das mais conceituadas do mundo. No bate-papo a seguir com o blog, Jairo dos Santos elogia o comandante do Galo, conta como o conheceu e deixa um conselho para o xodó, que já chegou a ficar hospedado na casa de Jairo quando mergulhava nos estudos sobre futebol. “Ainda não deu tempo de falar o seguinte para ele: não briga com os craques (risos)”.
Como você conheceu o Thiago Larghi?
Ele assistiu a umas palestras minhas na Associação Brasileira dos Treinadores de Futebol e eu notei o interesse dele. Aí, ele pediu para aprofundar o que ele estava estudando. Ele veio aqui em casa e eu fui passando o que eu tinha. Ele não era formado em educação física, formou-se na profissão entre os primeiros colocados, fez aqueles cursos todos da ABTF, da CBF e da Uefa. Ele se preparou bem.
Ele passou a ser o seu assistente na elaboração de relatórios de futebol?
Eu sempre ajudava o (Carlos Alberto) Parreira nas palestras. Aí, eu convidei o Thiago para colaborar. Apresentei ao Parreira, que gostou muito dele, e o Felipão assumiu a Seleção. Eu e ele ele fomos chamados (para trabalhar na Copa de 2014), mas o diretor jurídico da CBF me vetou (na época, estava processando a entidade). Aí, eu escapei do 7 x 1 e ele (Thiago Larghi) ficou (risos).
Ele assinou muitos projetos com você…
Nós fizemos um relatório com uma previsão para a Copa de 2010. Esse trabalho foi apresentado no Footecon. Um cara da revista (inglesa) FourFourTwo gostou e publicou. O trabalho saiu até na China. O Thiago Larghi foi me ajudando a produzir as palestras e aí, ele disparou, né. Foi muito bacana.
E a chegada dele à CBF?
Apresentei o Thiago ao Américo (Faria). Ele o incentivou a fazer o curso de educação física. Por sinal, o Thiago foi um dos primeiros colocados no Enad. Ele também fez o curso da ABTF, depois fez todos os níveis do curso da CBF e foi fazer estágio no exterior. Ele se esforçou, mas precisa de sorte também. Vamos ver se ele continua assim lá no Atlético-MG.
“Nós fizemos um relatório com uma previsão para a Copa de 2010. Esse trabalho foi apresentado no Footecon. Um cara da revista (inglesa) FourFourTwo gostou e publicou. O trabalho saiu até na China. O Thiago Larghi foi me ajudando a produzir as palestras e aí, ele disparou, né. Foi muito bacana”
Você via nele potencial para ser técnico de futebol?
Eu o via como técnico. Tanto é que eu o incentivava a não somente entender o futebol, mas a preocupar-se em ajudar o treinador a montar os exercícios, ou seja, a entrar nessa área de pesquisa. Ele deve ter ajudado muito o Oswaldo (de Oliveira) nisso, a determinar o sistema de treinamento. O Thiago conhece muito de futebol. O histórico do futebol, as grandes equipes, como os gols acontecem, essa coisa toda. Mas implantar é diferente.
O que tem achado desse início dele no Atlético-MG?
Não assisto muito porque não passa aqui no Rio. Mas sei que ele gosta muito de utilizar… Tem coisas no futebol… Exemplo: no momento em que você define a marcação, a cada passe você tem que ter o cara pressionando. Quem fazia isso muito bem era o Arrigo Sacchi (técnico italiano). Mas, no tempo dele, não havia essa ênfase em querer marcar a saída de bola. A escola tradicional inglesa também não gosta disso. Ela acha que você fica muito vulnerável atrás. Mas os técnicos modernos pensam que é possível fazer uma pressão rápida e, quando sentir que não está dando, recuar para uma marcação mais atrasada. Isso é muito difícil. Foi o que o Barcelona fez contra o Chelsea e acaba saindo o gol.
Quem são as inspirações do Larghi?
Ele tem uma visão global, mas gosta muito do José Mourinho e do Pep Guardiola. É a tendência dos técnicos atuais. Eu acho que os técnicos modernos se arriscam muito. Eu gosto muito do estilo do Arrigo Sacchi (risos). Na final da Copa de 1994, a gente não conseguia entrar na defesa da Itália. Ela marcava um pouco à frente do meio de campo, mas com muita pressão. Aquilo me marcou muito.
O que te fez olhar para o Larghi como um profissional diferente?
Ele tem mentalidade científica, valoriza a ciência do esporte. Isso é fundamental. O impacto da ciência na cultura é uma das coisas mais importantes nos últimos anos, mas isso é um processo um pouco lento, mas que está chegando. Mas é claro que ele também é influenciado por algo que um cientista deve evitar, que é admirar demais um certo ídolo. Isso não é bom. Exemplo: tivemos um Albrt Einstein da vida. Você gosta tanto dele que não admite que ele tenha errado. Ele também erra. Futebol tem dessas coisas.
Então ele se preparou para ser técnico…
Ele se esforçou. Não contente em ter as licenças de treinador, ele também é formado em educação física. Muito bem formado. E está sempre estudando.
Vocês ficaram tão próximos que ele já foi atê seu hóspede aí…
Aqui em casa tem o quarto Thiago Larghi. Como ele morava um pouco longe, vinha aqui e ficava. Ele é do interior do Rio. Ele tem o gênio muito bom. Estava estudando. Sempre que tinha algum congresso, um Footecon, ele ficava aqui em casa. Ajudava a mim e ao Parreira em tudo, inclusive nos slides, culminando com esse artigo na FourFourTwo.
“Aqui em casa tem o quarto Thiago Larghi. Como ele morava um pouco longe, vinha aqui e ficava. Ele é do interior do Rio”
Há muitas críticas a analistas de desempenho que viram técnico. O que acha?
Eu vou responder com uma frase do (sociólogo) Ronaldo George Helal: “Há espaço para todo mundo”. Você proibiria o Herbert Chapman de ser técnico por não ser formado? Ele foi um baita de um treinador, talvez, um dos maiores de todos os tempos. Ou proibiria o Rinus Michels só porque ele era treinador de handebol antes disso? O cara se dedica, tem uma certa experiência e depois vence em função da criatividade.
Tens falado com o Larghi depois que ele assumiu o Atlético-MG?
Ele me ligou. Pediu para assistir aos jogos, mas aqui, no Rio, eu não tenho conseguido. Eu acho que a equipe dele é muito boa. Ele tem uma baita equipe de trabalho. Só é uma pena que o Atlético esteja com um elenco fraco em relação ao Cruzeiro. É torcer para ele dar sorte. Confiaram nele. O Thiago trabalhou com o Alexandre Gallo na Seleção Brasileira. Isso ajudou muito, ter alguém que te empurre. O Parreira, por exemplo, era um estagiário na Alemanha e deu sorte de o (Admildo) Chirol estar lá em um jogo do Brasil. Ele conheceu o Chirol, o Chirol gostou dele e pronto. O (Cláudio) Coutinho foi parecido. Ele era instrutor na Escola de Educação Física do Exército, a Seleção passa por lá e o cara o chama. O Thiago tem potencial para continuar estudando e crescendo cada vez mais. Ele tem atitude científica, que é você querer melhorar sempre. Ele não se conforma em parar no tempo. É bacana você saber que não sabe e que pode e precisa melhorar.
“Ele (Thiago Larghi) tem atitude científica, que é você querer melhorar sempre. Ela não se conforma em parar no tempo. É bacana você saber que não sabe e que pode e precisa melhorar”
Você destaca muito a formação do Thiago Larghi em educação física. Falta isso aos técnicos?
Infelizmente, a gente não tem essa ênfase aqui no Brasil. Ajuda muito. Exemplo: você coloca um jogador, ele está em campo, e você não tem noção de fisioterapia ou de anatomia para entender que ele precisa sair porque pode prejudicar a carreira dele. Ou você mantêm um jogador… A contusão do Neymar, por exemplo, tem que ser uma decisão técnica. Quem faz um curso global tem condição de analisar melhor a vida do atleta. Thiago é desse tipo.
E o fator resultado?
Isso pesa… Eu sempre lembro do Cláudio Coutinho. O presidente da CBD chegou para ele e disse: “Coutinho, a gente gosta muito de você, mas vê se ganha” (risos). O Thiago entrou na bacia das almas contra o Figueirense (na terceira fase da Copa do Brasil). O goleiro Victor salvou a pele dele. Aliás, eu estava tão tenso naquele dia que dormi. Quando acordei, o Flamengo havia vencido (o Emelec) e o Atlético-MG estava classificado. Deu tudo certo (risos). Vibrei muito com a classificação dele. O Carpegiani está sendo questionado! Imagina o Thiago…
“Ainda não deu tempo de falar o seguinte para ele: não briga com os craques. Tem uma coisa chamada Princípio de Pareto. Essa lei diz que 20% das coisas produzem 80% dos resultados. Então, o craque deve produzir 80% dos resultados. Ele tem que ser respeitado”
Você trabalhou com Zagallo, Coutinho, Telê Santana, Lazaroni, Parreira, Felipão, Dunga… Qual é o seu conselho para Thiago Larghi?
Ainda não deu tempo de falar o seguinte para ele: não briga com os craques. Tem uma coisa chamada Princípio de Pareto. Essa lei diz que 20% das coisas produzem 80% dos resultados. Então, o craque deve produzir 80% dos resultados. Ele tem que ser respeitado. Não se pode brigar com Nenê, como fizeram (Milton Mendes) na época do Vasco. A gente quase perdeu a Copa (de 1994) porque o Romário quase não é chamado. Chamaram no último jogo, contra o Uruguai. Isso é o craque, o craque é diferente. Um treinador me disse uma vez que o pior jogador é o ruim esforçado. O cara que é bom você sempre aproveita, mesmo que ele não se esforce muito.