Perdido em Marte

“Estou ferrado”.

Só por causa dessa abertura, sugiro que, se você puder, leia o original. O autor usa outra palavra que começa com f, e ela definitivamente tem mais carga emocional do que ferrado. Ferrado é a palavra que você usa para explicar para o seu irmão mais novo a situação em que ele se encontrará quando mamãe descobrir que ele quebrou o vaso de porcelana importada que ela ganhou de presente de casamento. A situação do nosso herói é bem diferente. Veja bem: não estou aqui sendo apenas babaca (talvez só um pouquinho). A questão é que o uso vocabular do personagem é uma das coisas mais legais do livro. É o que te faz rir alto no meio da rua. Mas divago…

A história se passa em algum tempo no futuro próximo, quando viagens tripuladas a Marte já são parte da rotina da NASA. A missão Ares 3 está no início das explorações no planeta. Só que aí dá ruim. Uma tempestade de areia extremamente forte provoca o abortamento da missão e um dos astronautas fica para trás, dado como morto.

Só que não.

Mark Watney, um botânico que também é engenheiro mecânico (até agora tento entender isso), está bem vivo. Sozinho. Em Marte. Isso é a definição de um me time. Quando Watney se dá conta disso, tem um compreensível ataque de pânico:

“Se o oxigenador quebrar, vou sufocar. Se o reaproveitador de água quebrar, vou morrer de sede. Se o Hab se romper, vou explodir. Se nada disso acontecer, vou ficar sem alimento e acabar morrendo de fome. Então é isso mesmo. Estou ferrado.”

Se o Hab se rompesse, Watney não explodiria. O que ocorreria é que ele se tornaria um balão humano. Como a atmosfera de Marte é rarefeita, a pressão é muito baixa, o que faria o sangue de Watney “ferver” (virar gás) e ele incharia até mais ou menos o dobro de seu tamanho. Isso causaria uma dor enorme, mas Watney só estaria consciente durante os primeiros 10 a 15 segundos. Depois disso, os baixos níveis de oxigênio no sangue dele fariam com que seu cérebro desligasse. O nome técnico do processo para se tornar um balão é ebulismo. E não tem na Wikipédia.

Você provavelmente está se perguntando: por que diabos essa pessoa maluca (e idiota) escreveu isso? Bem… a informação estava em algum lugar do meu cérebro e veio à superfície quando li. Lide com isso. Mas há um outro motivo (além da minha idiotice): o contraste entre a hospitalidade da terra e a hostilidade do espaço. Se você parar para pensar, é bem óbvio, afinal, nós evoluímos aqui. Mas, ainda assim, me impressiona. Uma vez que deixamos nossa atmosfera, tudo pode nos matar.

Outra coisa me impressiona: nós exploramos o espaço porque é maneiro. Esse é o principal motivo. Eu sei que as pesquisas e tecnologias envolvidas com a exploração espacial produziram (produzem e produzirão) inúmeros benefícios para nós. Mas esses benefícios foram as consequências. O ser humano tem esse impulso de ir lá ver no que dá. Uma curiosidade tão consumidora que o faz se meter em situações como as descritas no livro. Lembra o filme Gravidade? É aterrorizante! Eu sei que tem dezenas de filmes com alienígenas matadores de gente, mas, honestamente, o espaço já é bem assustador por si mesmo. Você não precisa de seres malévolos em naves do tamanho de um continente. Você só precisa do vácuo.

Com nossos espíritos elevados, continuemos.

A trama do livro segue descrevendo a luta de um homem contra um planeta que está tentando matá-lo o tempo todo (figurativamente, é claro). A ciência da coisa é explicada de forma compreensível e envolvente. Diferente das aulas da professora Armênia. Aquela que usava um jaleco e tinha umas estruturas moleculares de plástico que deviam te ajudar a entender a matéria.

Enquanto isso, o mundo inteiro torna essa questão o mais emocionante reality show desde No Limite (no Brasil, a Globo provavelmente teria, pela primeira vez em décadas, suspendido o Big Brother para transmitir o especial da CNN, o que faria a audiência de A Fazenda subir ligeiramente). E, como todo bom reality show, drama é o que não falta. Para aqueles que acreditam em carma, Mark Watney deve ter sido algum alto oficial nazista. Mas não faço a comparação com reality show para desmerecer a história. O drama a que me refiro é bom. Fiquei com as mãos suando em diversos momentos.

Watney faz o diabo para sobreviver. É necessário um tipo específico de caráter para fazer o que ele faz nessa história (do qual não tenho uma gota. Nem um quark). As coisas vão incrivelmente bem. Tudo dá muito certo. Até que tudo começa a dar muito errado. Com ênfase no tudo. E no muito.

No decorrer da história, uma questão incômoda surge algumas vezes: o que seria considerado demais, em termos de custo financeiro e humano? O esforço para trazer Watney de volta é imenso. Centenas de milhares de dólares são gastos e vidas são colocadas em risco. Por quê? O próprio Watney se pergunta isso, e chega a uma resposta, mas ela não me convence. Ele vê o copo meio cheio. E é por isso que luta. Essa questão não é de fato tratada no livro. Não rola aquela pressão do Resgate do Soldado Ryan. Mas eu me perguntei isso o tempo todo. Tenho um espírito elevado e radiante… Prometo que o livro é leve e feliz.

Enquanto eu lia esse livro, outra ideia não saía da minha cabeça (pois é, bem-vindo ao meu cérebro, que é tão organizado quanto o guarda-roupa de um TDAH): a ambição (uma delas, na verdade) um tanto peculiar do Elon Musk. Se você ainda não sabe o que é, te digo: ter uma colônia autossustentável com cerca de um milhão de pessoas em Marte num futuro não muito distante. Isso mesmo. Um milhão de pessoas naquela pedra gigante gelada cheia de CO2 e sem campo magnético para te proteger da radiação solar. Ou de se transformar num balão humano. Eu sei, soa bem maluco. Mas o cara tem um plano, que vou resumir aqui.

Funciona da seguinte maneira: A primeira missão tripulada estabelece uma base. As próximas missões trabalham em expandir a base. Depois seria efetuada a Terraformação, ou a transformação de Marte em algo parecido com a Terra. Isso seria feito 1) derretendo o gelo dos polos, o que liberaria uma quantidade gigante de CO2 na atmosfera; 2) liberando mais CO2 na atmosfera, causando um efeito estufa para esquentar as coisas; 3) reproduzindo o processo de evolução na Terra (em um tempo bem mais curto, claro) e; 4) tornando o ar respirável. Isso é o plano reduzido ao mínimo do mínimo. Se o assunto não está te entediando até a morte, pode pesquisar mais a respeito. Faz muito sentido. No papel, pelo menos.

O projeto do foguete que vai começar a festa veio a público recentemente. E, cara, é incrivel (outras palavras expressariam melhor o que sinto, mas não posso escrevê-las aqui). A parada é do tamanho de um prédio de 40 andares (amigos brasilienses, usem a imaginação)! Sem contar que o propulsor é reutilizável (algo bem incrível também, feito recentemente por, é claro, a empresa (uma das) do Elon Musk – SpaceX).

Toda essa história é superempolgante. Na teoria. Marte só se tornará habitável (se a coisa da Terraformação funcionar. E não esqueçamos do campo magnético) muito tempo depois da minha morte. E da sua. Quem for primeiro vai ter um trabalho do cão. Será tipo o velho-oeste novamente. E eu só viajo pra lugares com um banheiro decente. Então, nada de Marte pra mim. Mas e você? toparia?

Comecei falando de um livro e terminei perguntando se você quer ir pra Marte. Bom… nos limitemos ao mesmo planeta, pelo menos. Há uma certa relação, não? Assim como um botânico que é também um engenheiro mecânico.

Perdido em Marte, de Andy Weir – Editora Arqueiro.

Texto escrito por:

Dona Tereza

“Saia do meu gramado!”

@dnatereza

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O Diário Radioativo é um blog sobre cultura pop. Seu objetivo é “irradiar” o que acontece de legal aqui em Brasília e absorver o que ocorre pelo Brasil e pelas fronteiras do espaço. Uma transferência de energia para motivar seu dia com muito cinema, games, quadrinho, RPG...

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