Indivíduos com deficiências físicas enfrentam apagamento, falta de acessibilidade e distanciamento em discussões sobre sexualidade. A busca pelo prazer é uma experiência comum a todos, e o direito ao afeto, ao amor e à sexualidade deve ser considerado uma experiência universal, que não descrimina.
A invisibilidade que afeta as pessoas com deficiência permeia diversas esferas sociais. Priscila Siqueira, ativista e co-fundadora do Vale PCD, uma ONG que apoia pessoas com deficiência da comunidade LGBTQIAPN+, compartilha o desejo de democratizar o acesso à informação, auxílio psicológico e ao lazer para indivíduos como ela: “Não somos apresentados à sexualidade da mesma forma que os demais. Carregamos o estereótipo de indivíduos dessexualizados, que não possuem desejos”.
Priscila, uma pessoa com nanismo, não se sentia livre para falar sobre assuntos sexuais na juventude. Por ser uma pessoa LGBTQIA+ criada em família religiosa, o assunto sempre foi um tabu. “Já era difícil entenderem que eu tenha sexualidade; ainda mais querer explorá-la como uma pessoa queer”, relembra.
A carência de uma introdução adequada às pautas de sexualidade que atendam às necessidades desses indivíduos leva muitos a buscarem informações na internet. Embora exista uma vasta produção de conteúdo on-line, a quantidade de informações nem sempre reflete qualidade. “A internet foi uma grande aliada, mas também é perigosa, repleta de desinformação. Eu gostaria que esse assunto fosse mais debatido em outros espaços. Continuamos esquecidos”, afirma Priscila.
Para Mariana Borges, portadora de deficiência física e paralisia cerebral atetoide, o preconceito enfrentado é um empecilho no desenvolvimento de relacionamentos afetivos e sexuais. O diálogo sobre sexo com os pais foi reprimido com Mariana, que encontrou conforto nas conversas abertas com a irmã. Ela confessa não desejar ter filhos, pois há 50% de chance de que a criança nasça com deficiência: “Não quero isso para ninguém, porque sofremos muito preconceito”, lamenta.
Mariana descreve se sentir como uma “pessoa normal” na hora do sexo, mas o encurtamento das pernas e do canal vaginal dificulta o ato da penetração. No geral, Mariana sente prazer com o sexo, mas, se o pênis do parceiro for grande, a dor pode superar a libido. Para ela, a educação sexual e o acesso à saúde PCD é uma questão que deve ser mais divulgada.
H., homem gay e cadeirante que prefere permanecer anônimo, detalha uma das experiências de opressão estrutural que já viveu. “Sempre há dúvida se um cadeirante pode ser sexualmente ativo. O desinteresse acaba ganhando um peso por, automaticamente, as pessoas terem ressalvas. Já retribui olhares, mas ao me aproximar, o outro recuou como se eu tivesse me enganado. Senti ali um receio ser visto comigo”, relembra.
Acessibilidade e o direito ao lazer
Enquanto o lazer parece para muitos uma questão arbitrária, para outros é uma oportunidade. O produtor de eventos Igor Albuquerque ressalta a importância de viabilizar o acesso de pessoas com deficiência à diversão ao fornecer listas de cortesias para pessoas trans e PCDs.
Albuquerque trabalha com eventos que preza pela acessibilidade, onde há rampas na pista superior e banheiro PCD. “Como a lust (umas das festas) é uma festa bastante sensorial, um grupo grande de surdos a frequentam com curiosidade. Contamos também com a presença de muitos autistas e, volta e meia, temos cadeirantes”, diz.
Olhar psicológico
Psicóloga da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), Roberta Monteiro Abreu aponta que, socialmente, os maiores desafios para os PCDs são os preconceitos e normas de moralidade. Presumindo que todas as pessoas são diferentes, Roberta alerta que a elaboração cognitiva e filtros sociais em comportamento e sentimento dos PCDs podem ser discrepantes.
“Muitas vezes, eles podem não entender a vontade de contato físico com outra pessoa e sobre consentimento. Logo, deve existir diálogo e acolhimento, procurando tirar dúvidas respeitando o nível de curiosidade. É importante dizer que nem tudo que se tem vontade se pode fazer e que o respeito é fundamental”, argumenta.
A psicóloga salienta que o conhecimento do próprio corpo deve ser incentivado de forma privada, com acordos de confiança na casa. “Explicar a sexualidade é fundamental. Como pessoas com deficiência intelectual são vulneráveis, a preocupação é relacionada com o medo do abuso sexual”, explica.
É comum um pensamento de que a deficiência e a ingenuidade infantil andam juntas, mas Roberta ressalta que o desenvolvimento sexual não é bem assim: “Muitos afloram a sexualidade na adolescência como qualquer jovem. Mas existem síndromes que retardam a produção de hormônios e o desejo sexual.” (colaborou Arthur Monteiro*)
*Estagiário sob a supervisão de Ronayre Nunes