Os perigos da popularização do estrangulamento erótico

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A asfixia durante o sexo se tornou uma prática comum na vida íntima de jovens adultos. No entanto, popularidade não significa segurança. Uma nova pesquisa mostra não só o quanto essa prática se espalhou, mas também o quanto as pessoas entendem pouco sobre seus riscos. O levantamento, conduzido pelo Instituto para o Combate ao Estrangulamento (IfAS), aponta que mais de um terço dos entrevistados entre 18 e 34 anos já viveu episódios de sufocamento ou estrangulamento em relações consensuais. O IfAS, sediado no Reino Unido, atua na prevenção de danos relacionados ao estrangulamento em situações de violência doméstica, práticas sexuais e contextos forenses.

O estudo identifica a pornografia com cenas de estrangulamento como um dos fatores que impulsionam a normalização do ato entre jovens. A divulgação dos dados coincide com a preparação do governo britânico para banir esse tipo de conteúdo em um projeto de lei sobre crimes e policiamento. Esse cenário preocupa especialistas, já que o estrangulamento, mesmo quando não resulta em morte, é um dos maiores sinais de alerta em casos de violência doméstica.

Quando um gesto associado a relacionamentos abusivos se infiltra em práticas consensuais, as fronteiras ficam instáveis. Jovens podem interpretar pressão como interesse, curiosidade como obrigação, e acabam aceitando situações que não desejam viver. Os relatos colhidos pela pesquisa mostram como a falta de clareza e consentimento fragiliza esses limites.

A pesquisa também investigou a percepção de risco. A maioria reconhece que a prática é perigosa, mas as opiniões se dividem quando o assunto é “segurança”. Há quem acredite que é possível estrangular alguém sem causar danos, quem rejeite totalmente essa ideia e quem simplesmente não saiba responder. As contradições ficam ainda mais evidentes quando os participantes tentam explicar o que tornaria o ato “menos arriscado”: alguns se preocupam com a via aérea, outros com os vasos sanguíneos do pescoço — mas poucos compreendem a diferença entre as duas formas de impedir oxigênio de chegar ao cérebro.

Essa distinção é crucial porque o corpo reage de maneiras muito diferentes. O bloqueio da respiração pode demorar cerca de um minuto para levar à inconsciência, enquanto a interrupção do fluxo sanguíneo pode causar desmaio em menos de dez segundos — muitas vezes sem que a pessoa perceba o que está acontecendo. Como parte do cérebro depende de oxigênio constante, o dano pode surgir rapidamente, afetando regiões centrais para funções como a memória. Se o suprimento não é restabelecido, as células começam a morrer.

Além da privação de oxigênio, a prática pode provocar uma série de lesões físicas e psicológicas, que vão de dificuldades para respirar e engolir, a perda de controle da bexiga, falhas de memória e traumas emocionais. Em situações muito específicas, o estrangulamento também pode desencadear um AVC, seja pelo rompimento de vasos, seja pela formação de coágulos que migram para regiões sensíveis do cérebro.

A pesquisa, ao revelar esse conjunto de riscos e contradições, reforça que a popularização da asfixia sexual entre jovens não é acompanhada de informação adequada — e que a normalização de uma prática tão perigosa ainda deixa mais perguntas que respostas.

Ética, perigo e consentimento 

Para a sexóloga e psicóloga Alessandra Araújo, a asfixia é uma prática perigosa e não recomendada, mesmo em relações consensuais. “O risco de lesão cerebral grave ou morte é inerente à prática, mesmo quando há consentimento”, explica, ressaltando que o estrangulamento erótico ignora a anatomia crítica do pescoço. “Além disso, a pressão pode desencadear o Reflexo Vagal Inesperado, levando a uma queda súbita e fatal da frequência cardíaca e da pressão arterial, resultando em morte súbita e imprevisível”, esclarece. 

 A vulnerabilidade anatômica e a proximidade das artérias carótidas, veias jugulares e do nervo vago tornam impossível isolar uma área de pressão sem risco, segundo a especialista. “Qualquer tentativa de aplicar pressão “leve” ou em locais “seguros” é baseada em desinformação e coloca a vida do parceiro em perigo imediato”, argumenta. 

Vale diferenciar a asfixia de estrangulamento, já que a primeira remete à ideia de restrição da respiração (bloqueio da traqueia). “No entanto, o que a maioria das pessoas faz no contexto sexual é o estrangulamento (compressão vascular), que restringe o fluxo sanguíneo via carótidas. Como a restrição do fluxo sanguíneo leva à inconsciência em segundos, ela é muito mais perigosa. A pessoa que pratica acredita estar apenas brincando com a respiração, quando, na verdade, está manipulando o fornecimento de oxigênio ao cérebro”, aponta a sexóloga. 

Mesmo com uma palavra de segurança pré-estabelecida entre o casal, o parceiro ativo deve observar sinais de dano. Alterações na cor facial, nas pupilas, na vocalização e no tônus muscular podem indicar riscos reais. Na pornografia, Alessandra explica que a prática é retratada de forma dessensibilizada, o que leva jovens a replicar o ato em um contexto não supervisionado, sem a compreensão da anatomia e de perigo.

Para casais que mesmo assim não desejam abandonar a fantasia, a sexóloga indica outras alternativas para substituir a pressão no pescoço:

* Restrição e Ligadura Segura: Utilizem amarras, algemas macias ou cordas para imobilizar pulsos e tornozelos. A restrição física simula a entrega e a vulnerabilidade, focando no Power Play (Jogo de Poder).

* Bloqueio Sensorial: Use vendas nos olhos e fones de ouvido para simular a perda de controle e a incapacidade de antecipar. Isso intensifica outras sensações.

* Pressão no Tronco: Aplicar uma pressão controlada e consensual sobre o peito, os quadris ou o tronco (áreas sem risco de vida) pode dar a sensação de imobilidade e peso.

* Comunicação Verbal e Role Play: Concentrar-se em comandos verbais fortes e no teatro da submissão/dominação. A fantasia é mais potente no cérebro do que qualquer risco físico.

Estrangulamento e BDSM 

Já do outro lado da discussão, o dominador profissional Gabe Spec reconhece o risco da prática, mas a executa com devidos cuidados. No BDSM, os adeptos mantém relações sexuais com técnicas de risco — mesmo que conscientememente dos perigos —, mas sempre com consentimento explícito, definição clara de limites e plena lucidez. 

“A pessoa tem que estar em pleno domínio das faculdades mentais”, reforça Gabe. O dominador retoma o conceito de SSC — seguro, sadio e consensual — e destaca que segurança inclui saber exatamente o que se está fazendo. Por isso, ele afirma que não se deve praticar BDSM alcoolizado ou sob efeito de drogas, já que isso prejudica tanto quem executa quanto quem recebe: “Atrapalha a parte que tá recebendo de sinalizar… e a parte que está efetuando a prática de ficar esperto aos sinais.”

Segundo o dominador, a queda temporária de oxigenação ativa a resposta de luta ou fuga, liberando adrenalina e intensificando sensações e orgasmos. Mas ele alerta que os riscos são reais: danos cerebrais e até morte podem ocorrer se a força aplicada for incorreta. Por isso, reforça: “Nunca vai ser pressionado na traqueia. A pressão é nas laterais, na carótida.” Ele descreve a pressão suave e gradual, com polegar e indicador posicionados nas laterais do pescoço.

Outra orientação essencial é a “mão de segurança” por cima da mão do parceiro ativo na prática: “A pessoa sempre fica com uma mão aqui… se eu ultrapassar o limite dela, parei.” Segundo Gabe, isso é “crucial” para evitar ultrapassar o ponto seguro. Vale lembrar que o estrangulamento nunca deve ser tentado sozinho. Casos comuns envolvem pessoas que se amarram para masturbação e perdem a consciência sem ninguém por perto para interromper.

Ao falar de suas próprias sessões, Gabe conta que reconhece sinais corporais antes da perda total de consciência: quando percebe o olhar disperso ou o corpo amolecendo, ele interrompe imediatamente.