Ao ter um filho, muitas mulheres podem se sentir pressionadas a negligenciar a própria sexualidade e performar apenas a maternidade. Neste dia das mães (11/5), vale lembrar que, para além de genitoras, essas figuras presentes na vida de quase todas as pessoas são indivíduos com desejos, sonhos, vontades e receios.
Segundo a sexóloga e psicóloga Alessandra Araújo, a maternidade provoca mudanças profundas na percepção da sexualidade feminina, tanto no nível físico quanto emocional. Fisiologicamente, o corpo passa por alterações hormonais intensas — como a queda de estrogênio e o aumento da prolactina — que podem reduzir a libido, causar ressecamento vaginal e afetar a resposta sexual.
Emocionalmente, muitas mulheres passam a enxergar seus corpos, prioritariamente como instrumentos de cuidado e nutrição, o que pode obscurecer temporariamente a dimensão erótica, de acordo com Alessandra. “Além disso, a sobrecarga mental, o cansaço e as exigências do cuidado com o bebê influenciam diretamente no desejo sexual”, acrescenta.
Conciliar o papel de mãe com o desejo e a expressão sexual é um desafio multifatorial. “As mulheres enfrentam não apenas mudanças internas, mas também pressões culturais que idealizam a maternidade como um estado de abnegação”, destaca Alessandra, que exemplifica os sentimentos de culpa ao desejar prazer, medo de julgamento e a invisibilização do desejo feminino após o parto. “A sexualidade, que já é atravessada por tabus sociais, torna-se ainda mais silenciada nesse novo contexto.”
Pensando nisso, o Blog Daquilo separou quatro relatos de mulheres que vivenciam a maternidade e, ao mesmo tempo, lidam com as nuances da sexualidade. No fim da matéria, confira dicas da especialista para o gerenciamento dessas áreas igualmente importantes para as mulheres.
Mãe em tempo integral
Aos 55 anos, Scheila de Aguilar é servidora pública e mãe de dois homens já adultos. Formada em direito, relata que sua vida sexual mudou com a maternidade: “Após o nascimento dos meus filhos eu sentia muito cansaço e falta de energia, o que impactava na vida sexual. Além disso, meu foco era completamente direcionado para os filhos pequenos. Como se não bastasse, o corpo sofre mudanças físicas e hormonais. Não me sentia bonita ou atrativa sexualmente.”
Apesar de não perceber uma cobrança social sobre a sexualidade, Scheila destaca que sua geração enxerga mães como menos mulheres. “As mães devem se dedicar aos filhos, assim fomos educadas. Acho que as próprias mulheres da minha geração se cobram muito. Querem ser mães perfeitas e para isso abrem mão de muitas coisas, inclusive da própria sexualidade”, reflete. A servidora pública acredita que a mudança está na forma de criação e educação das próximas gerações de mulheres.
“Devemos entender que após a maternidade não deixamos de ser a mulher que éramos antes. Não sentir culpa por ter desejo é um ótimo começo. Não sentir culpa por não querer ser somente mãe. Entendo que devemos buscar uma educação mais livre, sem tanta culpa e sem procurar a perfeição. Somos humanas e temos desejos antes e depois da maternidade.”
Depressão pós-parto
A cirurgiã dentista Fabiana Mesquita, de 45 anos, enfrentou a depressão pós-parto por um ano após o nascimento do primeiro filho. Ela se isolou, não se achava atraente e se sentia culpada por não conseguir amamentar – o que era um sonho para ela. “Não conseguia voltar para o trabalho, não conseguia estar presente como mãe e não era mais mulher.”
Ao tratar a questão com especialistas, Fabiana entendeu que depositou uma expectativa fantasiosa na maternidade. “Esqueci de mim! Das minhas vontades como mulher e como profissional. Minha sexualidade ficou guardada em algum “potinho” no armário por todo esse tempo. Minha cabeça e meu corpo estavam ocupados em fazer tudo dar certo e superar as expectativas de todos ao meu redor, inclusive as minhas”, relata.
Fabiana se olhava no espelho, mas a garota bonita da escola não estava mais lá. “A pessoa engraçada e sensual, divertida e animada, eu não encontrava mais.” Entre madrugadas em claro, choros, preocupações e a necessidade de vigia para que o bebê não se engasgasse com refluxo oculto grave, Fabiana não tinha tempo para pensar em sexualidade ou vida íntima. “Foi assim que passamos a não ligar para um filho dormindo entre a gente todas as noites”, conta sobre a dinâmica com o marido.
“Receber atenção como mulher ou poder me dar essa atenção em alguns momentos da rotina de mãe já traria de volta o desejo sem culpa”, pontua. A dentista destaca, ainda, que viveu na pele o desejo desenfreado de uma adolescência machista, quando as meninas se continham e os meninos podiam tudo, e tenta educar os dois filhos de forma que entendam tal questão social.
Mudanças físicas
Gabriela Ferreira, 32 anos, é gerente de contas, mãe de duas menininhas e narra que, antes da maternidade era muito mais confortável estar nua com alguém. Com as marcas de cesárea, celulite, e o peito pós-amamentação, também surgiram receios.
“Não me sentia bem para usar uma lingerie, a calcinha dobra debaixo da cicatriz da cesárea, fica sobrando aquele pedacinho de barriga, o peito cai e o decote não fica legal. Nunca foi falta de desejo, mas o corpo que eu enxergo ainda não é um corpo que eu me sinto confortável.”
Para Gabriela, a mãe sempre acaba sendo a parte da relação mais afetada, em comparação com o pai: “Sinto que a sociedade espera que a mãe seja uma santa, que ela só tenha transado para ter os filhos e depois acabe com isso.” A gerente de contas nota que os genitores masculinos não são mal vistos socialmente quando exploram a sexualidade.
Com uma filha que apresenta problemas de sono, a intimidade do casal acabou ficando de lado – levou quatro anos até que a menina conseguisse dormir sozinha. Mesmo com uma rede de apoio, Gabriela e o marido preferiam investir em momentos de lazer quando sozinhos, até por conta do cansaço. “Um parceiro que te chame para sair, te elogie, presenteie, ajude em casa e tenha estabilidade é muito importante. Para a mulher é muito fácil de se comparar. Para nós, o sexo começa muito antes – na cabeça, não no corpo”, opina.
Embora as filhas ainda sejam crianças, Gabriela as alerta que, caso se sintam desconfortáveis com algum toque físico – principalmente nas partes íntimas –, falem com a família. “Suas partes íntimas são suas, ninguém pode pegar, você não pode pegar de ninguém.”
Um neném aos 20 anos
Há nove meses, Giovanna Santana, 24 anos, deu à luz ao pequeno Miguel. Uma gravidez aos 20 anos já não é fácil por si só, e Giovanna ainda enfrentou as mudanças corporais após um parto normal. Para ela, a sensação do sexo foi dolorida e desagradável, como se fosse a primeira vez que estivesse experienciando relações íntimas.
“A barriga fica flácida, as estrias causam uma insegurança, não parece que meu parceiro vai sentir tesão”, relata. Ao se tornar mãe, Giovanna percebeu que a sociedade espera que ela deixe de lado a sexualidade. “Eu mesma me senti suja, como se estivesse fazendo algo errado e com uma sensação de que meu corpo não é meu nem do meu parceiro, é do meu filho.”
A recém-mamãe ainda não encontrou uma forma de conciliar a maternidade e a vida íntima. Por enquanto, a prioridade de Giovanna tem sido o neném, e ela raramente pensa sobre sexo. “Mas tentamos criar noites em que ficamos sozinhos, quando o bebê dorme, para nos lembrar que ainda somos um casal”, acrescenta.
Psicologia e a sexualidade
A especialista ressalta que o puerpério (período pós-parto) é uma fase sensível, marcada por intensas reconfigurações psíquicas, mesmo em casos de perda gestacional ou neonatal. Alessandra, que é mãe de anjo, explica que o luto imobiliza a mulher em múltiplas dimensões.
A sexóloga sugere a compreensão psicoterapêutica de que o desejo sexual é parte da saúde emocional e não precisa ser sacrificado em nome da maternidade. Entre as estratégias para reconectar-se com o corpo erótico após a maternidade, Alessandra exemplifica o autoconhecimento corporal, a reconstrução da imagem corporal sem pressões estéticas, e a retomada gradual da intimidade afetiva, sem focar unicamente no ato sexual.
“Trabalhar a autoerotização como um gesto de cuidado, não apenas como prática sexual, pode ser terapêutico. Além disso, incluir o(a) parceiro(a) neste processo, com diálogo aberto e empático, favorece a reconstrução da intimidade conjugal com respeito aos ritmos de ambos”, indica. Confira dicas da especialista:
- Reconheça seu novo corpo com acolhimento
Seu corpo mudou — e isso é natural. Em vez de pressionar-se para “voltar a ser como antes”, permita-se descobrir quem você é agora. Olhe-se no espelho com gentileza, explore novas sensações e perceba que o erotismo pode se expressar de formas diferentes após a maternidade.
- Retome o toque sem pressa
A intimidade não precisa começar pelo sexo. Trocas de afeto, massagens, carícias e abraços longos ajudam a reaproximar o casal. O corpo precisa sentir-se seguro e desejado para reencontrar o prazer.
- Dê espaço ao desejo — mesmo em meio ao cansaço
O cansaço real e emocional é grande, mas buscar pequenos momentos de reconexão pode fazer diferença. Pode ser um banho mais demorado, uma música que desperte sensações, ou uma fantasia mental que alimente seu imaginário erótico.
- Converse com seu(sua) parceiro(a)
Falar sobre o que está sentindo, sem medo ou vergonha, fortalece o vínculo. O diálogo sexual é tão importante quanto o toque. Nomear emoções, limites e vontades abre espaço para intimidade emocional e física.
- Redefina o que é “sexo”
O retorno à vida sexual não precisa seguir o modelo anterior. Pode incluir novas formas de prazer, com ou sem penetração. Redefinir o que é sexo para você nesse momento é libertador e respeita seus ritmos.
- Cuide da saúde íntima
Procure seu ginecologista para avaliar questões físicas como lubrificação, dor ou desconforto. Em muitos casos, um simples cuidado hormonal ou o uso de lubrificantes podem fazer toda a diferença.
- Busque apoio psicológico, se necessário
A maternidade pode trazer à tona conflitos com a identidade, autoestima e história pessoal. A psicoterapia é um espaço potente para elaborar essas questões e reconectar-se com seu desejo de forma mais livre e consciente.

