* Colaboração de Ana Carolina Fonseca
Na imensa maioria dos casos em que uma pessoa é forçada a fazer sexo com outra, o criminoso é um homem, e a vítima, uma mulher. Isso não significa, contudo, que o oposto não possa ocorrer. Mesmo mais raros, episódios em que homens são coagidos a penetrar uma mulher acontecem e podem deixar grandes traumas emocionais nas vítimas. Um estudo conduzido pela Universidade de Lancaster, no Reino Unido, é um dos primeiros a investigar o abuso sexual cometido por mulheres contra homens.
A pesquisa, publicada em julho de 2017, entrevistou, por meio de um formulário na internet, 200 homens, dos quais 154 deram informações confiáveis e úteis ao objetivo da análise. Esses participantes contaram já ter sido, ao menos uma vez, coagidos por uma mulher a fazer sexo. A idade média da vítima quando sofreu a violência foi de 27 anos, mas os relatos são de incidentes ocorridos quando os voluntários tinham entre 2 e 61 anos. Como ocorre na violência sexual contra as mulheres, a maioria dos participantes disse que conhecia a abusadora, sendo que pouco mais da metade disse que estava em um relacionamento com ela.
O estudo foi disponibilizado pela universidade em PDF e pode ser acessado aqui, em inlgês.
As formas mais comuns de coagir os homens ao sexo, citadas por 22,2% dos respondentes, foram contar uma mentira, ameaçar com o término do relacionamento, dizer que espalharia rumores maldosos e pressionar por meio de ofensas e abuso verbal. Os episódios em que a abusadora aproveitou que a vítima estava sob o efeito de álcool ou drogas somam 30,1% das citações. Já o uso de força física ou de armas foi citado por 14,4% dos homens.
A autora da pesquisa, a professora de direito Siobhan Weare, explica que o universo de 154 pessoas pode parecer pequeno, mas, considerado o assunto, que costuma ser sub-reportado e muito pouco debatido, trata-se de uma mostra significativa.
“Este é o primeiro e único estudo do tipo conduzido até hoje no Reino Unido”, lembrou a autora em um comunicado emitido pela Universidade de Lancaster. “A natureza desse tipo de crime, que costuma ficar escondido, e as complexas dinâmicas entre os gêneros tornam a possibilidade de um grande número de participantes muito pouco provável. Mas não porque isso não acontece com os homens, mas porque muitos se sentem envergonhados ou abalados demais para denunciar”, completou.
Abalo emocional
Os resultados mostram que 80% dos homens nunca mencionaram o episódio com familiares ou amigos e 74,5% não procuraram nenhum tipo de apoio, seja legal ou psicológico. Segundo Weare, esse dado é muito preocupante porque 20,9% dos participantes disseram ter sofrido impactos emocionais negativos muito graves devido à experiência.
Fundador da Survivor Manchester, uma organização sem fins lucrativos que apoia homens vítimas de violência sexual e ajudou a divulgar o questionário on-line disponibilizado pelos pesquisadores, elogiou o estudo. “É um estudo revolucionário feito pela doutora Weare. Eu fiquei muito contente de apoiar a pesquisa, porque ela traz luz à um dos últimos tabus na sociedade: homens vítimas de mulheres. Temos de romper o silêncio e deixar os homens saberem que estamos aqui para ouvi-los e apoiá-los”, afirmou à assessoria de imprensa da Universidade de Lancaster.
Abuso sexual: o que diz a lei
Apesar de a grande maioria dos homens ter se referido ao que sofreu como um estupro, a lei britânica não denomina dessa forma esse tipo de crime. Por isso, no país europeu, é usado o termo “forçado a penetrar”. “(Segundo a lei do Reino Unido), o crime de estupro só pode ser cometido por homens e requer a penetração da vítima com o pênis. Nos casos de ‘forçado a penetrar’, é o agressor que está sendo penetrado por uma vítima que não consentiu aquele ato”, explica Weare.
Até pouco tempo atrás, a lei brasileira, vigente desde 1940, também considerava a mulher como única possível vítima de estupro. A mudança veio com a Lei 12.015/2009: agora, lê-se no Artigo 231 que é crime “constranger alguém, mediante violência ou ameaça grave, a ter conjunção carnal ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. “Isso nos permite discutir o estupro de grupos historicamente vulneráveis, como travestis, transgêneros e transexuais, bem como estupros de homens, que nada tem a ver com orientação sexual”, explica a advogada especialista em direito penal Rebeca de Holanda.
Além disso, a advogada considera que a mudança no Código Penal brasileiro contribui para dar foco ao principal ponto do problema: a falta de consentimento. “Não importa o gênero da vítima ou do criminoso. Se não há consentimento para o ato sexual – que não precisa ser conjunção carnal, diga-se –, há crime e deve haver responsabilização penal”, argumenta Holanda.