Comemorado no dia 23 de setembro, o Dia da Visibilidade Bissexual chama atenção para uma realidade que ainda enfrenta preconceitos e desinformação. Entre os principais estigmas está o “mito da confusão”, que é a ideia equivocada de que pessoas bissexuais não sabem o que querem ou vivem em indecisão permanente, além de que são promíscuas e infiéis.
Segundo Rafael Braga, especialista em terapia cognitiva comportamental, neuropsicologia e sexologia, a bissexualidade é desacreditada por fugir da lógica binária que as pessoas estão acostumadas. “Existe uma dificuldade real das pessoas em entender que é possível sentir atração por mais de um gênero sem que isso signifique indecisão ou confusão. A sociedade tem uma necessidade de encaixar tudo em caixas fixas, e a bissexualidade desafia essa estrutura”, explica.
“Se um homem bissexual se envolve mais com outros homens, já o consideram gay. Se está com uma mulher, dizem que é hétero”, ilustra Rafael. “Outro mito é o da ‘bissexualidade de ambiente’, como se a pessoa só sentisse atração em festas ou lugares específicos. Mas, na verdade, muitas vezes esses espaços são apenas mais seguros para que ela possa se expressar sem medo. Esses estigmas confundem e invalidam a identidade bissexual.”
Bissexualidade ao quadrado
L., homem de 27 anos, relaciona-se com G., mulher de 30 anos, há três anos. O casal, que optou pelo anonimato, é bissexual, sendo que ele identifica-se com a sexualidade há 5 anos, e ela descobriu a atração por mulheres recentemente. Mesmo que L. prefira não declarar-se publicamente bi para evitar preconceitos, ele sempre foi fiel às suas vontades e sentimentos. “Eu não acho que tenho que ficar dando explicação para os outros sobre o que eu sinto ou deixo de sentir”, afirma.
Para L., a sociedade espera que ambos, tanto quanto casal quanto indivíduos, sigam um padrão — o que não necessariamente relaciona-se com a realidade. Diante de estigmas externos, L. e G. preferem comentar sobre sexualidade com pessoas seletas.
Dentro do relacionamento, a conversa sobre a atração por diferentes gêneros é aberta. “Já tive embates com minha companheira por não achar uma pessoa que ela se atraiu legal”, relembra.
Diferentemente de casais heterossexuais e homossexuais, L. nota desafios específicos por compor um casal bissexual. “As pessoas ainda enxergam o mundo de maneira dicotômica”, lamenta. Soma-se ao preconceito o envolvimento de L. com o mundo dos esportes, que pratica artes marciais e trabalha com futebol: “Essas áreas são absolutamente intolerantes com sexualidades que não são heteronormativas. Transito muito bem profissionalmente, mas sinto que se eu deixar escapar, minha carreira vai ser prejudicada para sempre.”
Invisibilidade e representatividade
A invisibilidade bi pode vir de todos os lados, inclusive de dentro do próprio movimento LGBTQIAPN+. O psicólogo destaca que muitas pessoas bissexuais não se sentem aceitas nem no meio hétero, nem no meio gay ou lésbico, como se estivessem sempre de fora. “Isso gera um sentimento profundo de solidão, de confusão e, muitas vezes, de culpa. A pessoa precisa entender sozinha o que é ser bissexual, sem referências, sem apoio, lidando com julgamentos o tempo todo”, afirma.
A confusão entre atração romântica e sexual — que nem sempre andam juntas — é um agravante, conforme Rafael: “Algumas pessoas só conseguem se envolver sexualmente quando têm afeto. Outras vivem essas experiências de forma separada. Mas, quando se é bissexual, essa distinção é constantemente colocada em dúvida. Muitas vezes, o homem bissexual sente atração por outro homem, mas reprime a parte afetiva por medo do julgamento. Além disso, há sempre o risco de ser visto só como fetiche, o que dificulta viver relações genuínas, especialmente com pessoas do mesmo gênero.”
Amigos e familiares podem apoiar a bissexualidade de alguém querido, primeiramente, não questionando a orientação. “E, no caso dos parceiros amorosos, é muito importante não fetichizar. Ser bissexual não é sinônimo de querer relações a três, nem de estar aberto a qualquer tipo de dinâmica sexual”, acresenta o especialista.
A solução é simples: representatividade e respeito. “Visibilidade ajuda a combater mitos como o de que bissexuais são promíscuos, confusos ou que querem ficar com todo mundo. Está tudo bem ser quem você é, e ninguém tem o direito de te transformar em um estereótipo”, argumenta o especialista.
Bissexualidade em dados
A bissexualidade tem sido tema de diversas pesquisas acadêmicas e levantamentos estatísticos que evidenciam desafios específicos enfrentados por essa população, revelando que tal sexualidade é frequentemente desconsiderada ou mal compreendida — refletindo uma dificuldade social de lidar com identidades que não se encaixam em categorias binárias de orientação sexual. Uma revisão integrativa da literatura sobre o tema evidencia que esses preconceitos afetam a subjetividade e o bem-estar da população bissexual, aumentando vulnerabilidades sociais e psicológicas.
No contexto da saúde, a Scielo analisou a experiência de mulheres bissexuais na abordagem de serviços de saúde e mostrou lacunas no atendimento. Outro estudo evidenciou a violência e a discriminação agravadas pela pandemia de COVID-19 sobre relações íntimas da população bissexual.
Dados estatísticos também refletem a realidade desta população. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em 2019, revelou que 0,7% da população adulta brasileira se identificava como bissexual.
Instituições como o Instituto Americano de Bissexualidade, fundado por Fritz Klein, e publicações científicas como o Journal of Bisexuality, têm contribuído para o desenvolvimento de pesquisas e educação sobre a bissexualidade, fornecendo dados confiáveis e promovendo maior compreensão sobre os desafios enfrentados por pessoas bissexuais em diferentes contextos sociais, culturais e profissionais.

