Não é de hoje que tanto a ciência quanto o senso comum tentam vender a ideia de que a mulher sente menos desejo sexual do que o homem. Quem nunca viu uma imagem de um “cérebro da mulher”, ocupado por compras, chocolate e fofocas, ao lado do “cérebro do homem”, quase todo preenchido por pensamentos de sexo (isso sem falar em todos os outros machismos encontrados nos “diagramas”, como podemos ver nos abaixo)? Essa noção já faz parte da cultura popular, mas é atrasada e misógina.
Talvez um dos maiores mitos sobre o sexo, repetido em conversas de bar e nas mídias sociais, é que o homem pensa em sexo a cada sete segundos, ou seja, 12.242 vezes em 24 horas. Parece impossível, né? Pesquisadores garantem que essa é apenas uma lenda urbana, sem qualquer base científica. No máximo, os homens pensam no assunto 19 vezes por dia, já as mulheres, em média, 10 vezes. E não podemos confiar totalmente na informação, afinal, como é feita a medição? É muito difícil imaginar um método realmente infalível. Mesmo assim, a informação falsa do “uma vez a cada sete segundos”, infelizmente, ainda é usada com muita frequência para justificar vários comportamentos masculinos inadequados.
O cara que assedia a mulher na balada: “Ah, homens são homens, né?”. O namorado abusivo que insiste em fazer sexo mesmo quando a parceira não quer: “É que um homem tem necessidades!”. Chega disso. Estamos em 2017 e é preciso entender que a mulher também tem direito ao prazer e, mais que isso, ao desejo.
Quem viu a brilhante série ‘The handmaid’s tale’, baseada no livro homônimo da canadense Margaret Atwood, pode ter percebido um discurso bem parecido de um dos personagens principais. Aliás, cuidado, spoilers! Em uma sociedade muito religiosa, em que o sexo só é permitido para a reprodução, e todo o prazer sexual foi abolido (isso mesmo, imagens de dor e sofrimento), o comandante de alto-escalão Fred Waterford (Ralph Fiennes) usa esse argumento para burlar as leis que ele mesmo criou. À noite, vai para um clube – só para homens, claro – de prostituição. “Somos todos humanos, afinal”, ele explica, se referindo mais uma vez apenas, é claro, aos homens.
Quando Waterford é descoberto pela esposa Serena Joy (Yvonne Strahovski), ele a culpa. Na lógica do homem, todo o pecado dele é culpa da mulher. Ela, ao tentar ter relações sexuais com o marido por prazer, alguns episódios antes, teria trazido a tentação de volta para o lar. Ele não é um adulto responsável pelos próprios erros; ela, para não errar, deve ser um objeto, uma boneca para ficar arrumada e cuidar da casa, sem direito a vontades, desejo ou até afeto.
Alguns estudos já mostram que, na verdade, a principal diferença do desejo sexual está no peso que as pessoas dão ao assunto. E também nos métodos de investigação científica. Uma pesquisa de 2014 mostra que desejos são similares para homens e mulheres, dependendo mais da exposição aos estímulos certos. As autoras afirmam ainda que não há diferença significativa na frequência de pensamento sobre sexo entre os gêneros.
Historicamente, a maior parte dos textos sobre sexualidade foi escrita por homens, então o assunto já tem um viés masculino e, consequentemente, incompleto sobre a libido feminina. Seja na literatura ou na ciência, o fato é que a sexualidade da mulher por muito tempo foi contada exclusivamente por homens (e para homens). Nossa libido foi moldada muito mais pelas expectativas da sociedade do que pela biologia, mais pelas repressões do que pela liberdade. Assim como fomos excluídas das páginas dos livros de histórias, fomos retiradas sem cerimônia de narrativas da natureza da sexualidade humana. Hoje, ainda temos que pedir espaço em um lugar que também é nosso por direito.
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