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Desde cedo, a socialização sexual performa um duplo julgamento baseado em gênero. Os que nasceram meninos são estimulados a descobrir-se — seja pelos pais ou pelos amigos —, são expostos a conteúdos que moldam seu julgamento de forma até problemática e deparam-se involuntariamente com o corpo provocando mudanças — tudo isso quase que mecanicamente e esperado.
Já as meninas são majoritariamente aconselhadas a nunca se tocar, a sentir nojo dos pelos que aparecem com a puberdade e parabenizadas pela oportunidade de reproduzir com a chegada da primeira menstruação. Mas a sexualidade é vista como vergonhosa. Eu fui uma exceção: contei com uma mãe compreensiva e explorei minha sexualidade precocemente, mas com segurança (na maioria das vezes).
Minha irmã mais nova, no entanto, nunca pareceu sentir muita atração por ninguém, nem desejo por explorar a própria sexualidade. Na verdade, acredito que ela tinha até uma certa repulsa ao acompanhar relacionamentos disfuncionais em que, ora eu, ora nossa mãe, nos encontrávamos. E ela até que estava certa em sua aversão, confesso, pois as relações juvenis que tive serviram apenas como aprendizado. Agora sei que, parafraseando Ninfomaníaca (Lars von Trier), “o ingrediente secreto do sexo é o amor.”
Prestes a fazer 18 anos, agora minha irmãzinha é quase uma mulher. Claro que com o passar do tempo fomos nos aproximando mais, tendo interesses em comum e criando uma relação de amizade. Digo para ela que, além de amá-la, eu gosto dela — o que não é comum entre muitos outros membros da nossa família. A sexualidade também foi um assunto abordado em nossas conversas.
Eu, sem pudores e preocupada com a pessoa que me permitiu sentir um amor quase próximo ao de uma mãe, busco manter todas as portas abertas para minha irmã. Sexo também deve ser discutido: o que ela tem vontade, o que é seguro, o que é consentimento — tudo ela pode me perguntar. E digo que nos apropriarmos disso também é político.
Um dia, falando sobre prazer com uma amiga que também considero família, minha irmã confessou nunca ter experienciado o ápice. Lembrei de mim, uma adolescente que se descobriu através dos olhos de pessoas que não foram tão gentis, e de como gostaria de ter tido a oportunidade de me encontrar comigo mesma antes fazê-lo de com os outros. A sexualidade, estigmatizada, reside principalmente no cérebro, e por muito tempo eu acreditava que o poder de me fazer gozar era detido apenas por mãos alheias. A insistência do prazer solo resultou apenas em coisas boas.
Minha irmã, virgem, nunca tinha tido nem o ímpeto de se tocar, mas demonstrava interesse pelo assunto quando conversávamos. Perguntei se ela não estaria interessada em ganhar um vibrador de presente. Para minha surpresa, ela aceitou. Milena recentemente tinha assistido Sex and the City e me falou de um episódio em que Charlotte, personagem recatada e conservadora, descobriu as maravilhas fisiológicas graças a um brinquedo em formato de coelhinho.
Essa foi a exigência de minha irmã: que fosse um vibrador fofo, preferencialmente igual ao da personagem. Não esperava que ela fosse demonstrar tanto interesse na compra, mas na tarde seguinte em que fomos almoçar, perguntou se podíamos visitar uma sex shop antes de voltarmos para casa. Por acaso, ali mesmo na quadra do restaurante havia uma loja, no subsolo.
Milena queria entrar e ver os produtos, mas ainda era menor de idade, mesmo que apenas por alguns meses. Pela insistência da menina, disse-lhe que entrasse do meu lado e ficasse calada. A feição delicada, no entanto, não enganou as vendedoras, que pediram à minha irmã que esperasse do lado de fora, mesmo adorando a história do vibrador de presente. “Daqui a uns meses você volta e nos conta o que achou!”, divertiram-se com a oportunidade.
Entre dildos excessivamente grandes e fantasias eróticas, encontrei o tão almejado vibrador de coelhinho. Mandei foto do cilindro rosa com orelhinhas para ela, que rapidamente o escolheu, mesmo eu tendo mandado outras opções com diversas funcionalidades. Distrai-me entre tantos objetos curiosos e acabei levando para mim uma calcinha que Milena carinhosamente apelidou de descalcinha, devido a ausência de panos e a abundância de tiras.
No caixa, as atendentes embrulharam o vibrador para presente. O papel celofane roxo escondia mais do que um brinquedo a pilhas: guardava também a liberdade de alguém que iniciaria sua jornada de autoconhecimento. Saindo da loja, encontrei Milena já na porta, curiosa para analisar sua mais nova aquisição.
Ela sentou ali mesmo no banco da comercial, olhou para os lados para verificar se alguém a assistia e desembrulhou o objeto dentro da sacola de papel que protegia o formato suspeito, envergonhada por se constranger caso qualquer pessoa passasse. A visão de dentro do pacote foi o suficiente para ela olhar para mim e sorrir. “A mamãe vai te odiar”, Milena disse entre risos. Não sei se nossa mãe tinha ciência do presente, mas, se estiver lendo isso, peço que trate a masturbação como algo natural e não tire o brinquedo da caçula.
Embora eu pergunte uma vez por semana se ela já usou o coelhinho, Milena desconversa. Por mais que eu adorasse o feedback, respeito sua privacidade e seu tempo de escolha, caso ainda não tenha tido a coragem de se aventurar. Penso que o presente não foi só para minha irmã, mas também para a adolescente que ainda mora na minha cabeça e tinha tanta ânsia de conhecer o mundo e a si mesma. Ela estaria orgulhosa de quem nos tornamos.
Mesmo que o assunto possa ser tratado como um tabu ou algo vergonhoso socialmente — especialmente entre as mulheres (ou homens falando de mulheres) —, tocar-se é saudável em diversas nuances psicológicas e físicas. O prazer próprio não deveria ser um luxo, julgado como certo ou errado conforme o gênero. Aprender a se escutar é como acender uma pequena lâmpada em um quarto onde sempre nos disseram para manter a luz apagada — e talvez descobrir um caminho maravilhoso naquilo que era dito como proibido.
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