BDSM pode equivaler a sessão de meditação, mas deve ter limites claros

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BDSM é uma sigla que abrange diversas práticas sexuais, baseadas principalmente na dinâmica de hierarquia. “B” significa bondage, restrição dos sentidos pela imobilização, geralmente com cordas e algemas. “D” representa a disciplina sexual e a dominação exercida por punições e castigos, que em conjunto com o “S” se refere a submissão e o sadismo. “M” é o masoquismo, ou o sadomasoquismo, que utiliza da dor como estimulação erótica. 

Essas séries de ações que caracterizam a sigla voltada para o prazer sexual reúne diversos adeptos ao redor do mundo. Na obra Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), Freud já havia explorado o termo “sadomasoquismo”, sendo este “a tendência a causar dor ao objeto sexual ou a ser maltratado por ele, respectivamente, sendo esse par a mais frequente e a mais importante das perversões sexuais”.

Apesar de ter sido popularizada por obras na indústria do entretenimento, como 50 tons de cinza (de E. L. James), vale lembrar que a representação da prática de BDSM nem sempre é igual ao protagonizado por estrelas de Hollywood. Para a sexóloga Tuy Potasso, sessões de BDSM entre alguém que manda e outro que obedece, ou até o guia e o guiado, promovem o relaxamento. “No shibari, por exemplo, que é a amarração com cordas, uma pessoa experiente guia a outra, na qual a restrição física resulta na pessoa amarrada (para) se relaxar”, explica.

“O masoquismo é só uma das práticas, não precisa ter dor sempre. A pessoa que domina não precisa ser grosseira, como muitos pensam. Eu, por exemplo, gosto da humilhação verbal como submissa, mas como dominadora sou educada e quero que a pessoa queira me servir”, completa.

Em 2019, uma pesquisa realizada pela Universidade Northern Illinois (EUA) confirmou que os efeitos cerebrais da prática BDSM equivalem a uma sessão de meditação, quando o córtex pré-frontal dorsolateral é responsável por produzir sensações de relaxamento, bem-estar e diminuição da ansiedade.

Sobre os limites físicos envolvidos na prática do BDSM, a sexóloga detalha ser necessário um limite claro para não causar danos graves após a sessão. “O knife play (jogos com faca), por exemplo, não pode ser feito na coxa porque pode pegar em uma veia do coração. O tapa na mandíbula pode deslocá-la e no ouvido pode deixar surdo momentaneamente. Por via das dúvidas, fique só na bunda”, aconselha Tuy.

Tuy ressalta que a base da entrega na prática é a confiança, que surge a partir de conversas sobre limites e desejos: “As pessoas não enxergam a comunidade como uma prática de entrega, mas sim de espancamento e dominação. E não é (só) isso.”

É importante ressaltar o cuidado pós sessão, chamado de “aftercare”, e a palavra de segurança na dinâmica, o que a sexóloga sugere atualizar para um gesto de segurança. “Cuidar de machucados físicos e emocionais depois é essencial para que ninguém saia se sentindo mal, sujo, violado, ou que a relação se resuma ao BDSM. Os praticantes devem definir até um gesto de segurança, caso a boca esteja restringida ou o medo paralise a voz, para parar no desconforto. O ‘não’ também faz parte do jogo, e a demonstração do limite deve ir além da palavra”, afirma. 

O consentimento prévio é intrínseco, mas Tuy pontua que poucas práticas do BDSM são 100% seguras, um mito que deve ser colocado em debate. A sigla SSC (Seguro, São e Consensual), muito utilizada pelos praticantes, não se aplica para o BDSM na opinião de Tuy, que ressalta ser um fetiche consensual de risco controlado (risk aware consensual kink, ou RACK). “Toda prática tem um risco, seja ele qual for. Os interessados precisam ter consciência de que sempre vai envolver um risco, então deve-se conhecer ao máximo o que irá praticar”, diz.

BDSM em estado mental saudável

Sendo o BDSM a exploração do próprio limite, Tuy disserta que o estado mental dos praticantes deve ser levado em consideração. Em um caso, ela narra uma submissa que não utilizava a palavra de segurança porque se julgava fraca e queria ultrapassar tal barreira, mesmo se machucando e não gostando da situação. Em outros, mulheres principalmente, não utilizam o código para não decepcionar o parceiro. Finalmente, práticas consideradas simples, como cócegas, também devem ser paradas no uso da palavra ao não subestimar a fronteira do outro.

Para a sexóloga, a sinceridade é a base do BDSM — sendo praticada com o parceiro fixo ou com desconhecidos. A partir da curiosidade, Tuy indica não começar com práticas extremas, mas sim propor as ideias e entender do assunto o máximo possível para que o risco seja controlado. “Na fantasia, as coisas podem ser maravilhosas. Mas na prática pode ser diferente, você pode se sentir mal e ter gatilhos mesmo tendo conversado antes. Por isso, a diferenciação entre fantasia e realidade deve acontecer aos poucos”, completa. 

Sinais de que a prática pode estar ultrapassando o limite do saudável envolvem o uso de remédios após a sessão, a permanência de uma sensação ruim, machucados graves, o controle do outro fora do sexual e o alcance do prazer só com o BDSM. “Isso indica uma dessensibilização de outras áreas. O BDSM pode ser uma ferramenta até para ressignificar traumas”, argumenta Tuy.

Seja por meio do bondage, sadomasoquismo, dominação ou submissão, o BDSM oferece opções para as práticas sexuais sensoriais e hierárquicas, todas baseadas principalmente na confiança que se tem com o parceiro. O prazer e a dor podem sim estar acompanhados, mas com os devidos limites definidos e acordados pelas partes envolvidas.