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DEGUSTAR É APRENDER – EDUCANDO O PALADAR DAS CRIANÇAS

DEGUSTAR É APRENDER – EDUCANDO O PALADAR DAS CRIANÇAS

Conversando com a Madame N fiquei sabendo das suas dificuldades para montar o cardápio do almoço de domingo. Uma nora é vegetariana, a outra intolerante a glúten, dois filhos e o marido são carnívoros devotos e Madame N tem restrições com a lactose. Mas, com jeitinho, tudo se resolve. O problema mesmo é com o caçula trintão. Nas palavras da namorada, ele é enjoado para comer! Não pode verdinho. Gordura no bife dá gastura. Se uma comida encosta na outra já não serve mais. Nem ele sabe a extensão desta sua lista.

Já a Madame M, que não comia verdinho e cebola, porque fazia croc na boca, tem uma filhinha que só come a banana em pedaços, se vier inteira ou amassada não gosta. A mesma fruta só serve dependendo da apresentação e textura.

Entendo que precisamos ensinar as nossas crianças, desde cedo a importância da diferença entre simplesmente comer e a de degustar os alimentos. De perceberem os aromas e os sabores. As sensações táteis das temperaturas e texturas. O prazer das descobertas e das experiências das harmonizações. Assim poderão comer melhor sem excluírem do seu prato alimentos apenas pela sua cor, aparência ou textura.

Neste texto não tratarei da alimentação correta ou balanceada — esse é um tema que deixo para os pediatras e nutricionistas. Mas quero refletir sobre a diferença entre simplesmente comer e a de aprender a degustar. Porque, sim, degustar também se ensina.

Na correria do dia a dia, comer, muitas vezes, virou sinônimo de pressa. E quando se trata da infância, esse hábito pode resultar em um problema comum, o paladar infantilizado, que acompanhará muitos adultos até à vida madura.

O gosto não é algo com o qual nascemos pronto. Ele se forma e pode ser educado. Degustar é aprender. E desde os primeiros dias de vida, a criança começa a aprender a saborear o mundo. O leite materno, por exemplo, é o primeiro grande ensinamento do paladar: seu sabor muda conforme a alimentação da mãe, criando experiências sensoriais diversas. Já quando o bebê é alimentado apenas com leite de vaca ou fórmulas, essa variedade é reduzida — e o repertório de sabores se estreita.

E depois disso? Tem sabores e alimentos variados que pouco acrescentam. O GUIA ALIMENTAR PARA CRIANÇAS BRASILEIRAS MENORES DE 2 ANOS[1].pdf, de 2019, do Ministério da Saúde, alerta que os alimentos processados industrialmente (como enlatados, queijos e conservas) devem ser limitados e, se forem consumidos, utilizados em pequenas quantidades. Já os alimentos ultraprocessados (como biscoitos e bolachas, sucos artificiais, refrigerantes, salgadinhos de pacote, macarrão instantâneo, guloseimas) não devem fazer parte da alimentação da criança.

Portanto os alimentos ultraprocessados, com o excesso de sal e açúcar se tornam uma soma que, aos poucos, molda o gosto da criança para um único caminho: a do “fácil e previsível”.

Degustar é muito mais do que apenas comer. É o primeiro passo para formar paladares curiosos. É um ato consciente, que envolve perceber aromas, texturas, temperaturas e sabores com atenção plena. Quando ensinamos uma criança a degustar, não estamos impondo gostos ou preferências, mas ampliando seus horizontes: despertamos a curiosidade sensorial e mostramos que o alimento pode ser descoberto, sentido e apreciado.

“A forma da criança de explorar e de ver o alimento é muito diferente da que os adultos estão acostumados.” (Babi Frazão,  mãe, chefe de cozinha e empresária)

Na infância, esse aprendizado é ainda mais significativo. Estimular a autonomia — oferecendo escolhas saudáveis, permitindo que a criança experimente novos alimentos e compartilhando refeições em família — fortalece sua relação com a comida. Ao explorar com liberdade e segurança, ela aprende a reconhecer o próprio paladar e a construir, pouco a pouco, uma convivência mais positiva, prazerosa e consciente com o ato de se alimentar.

Mas, é natural que uma criança rejeite um alimento novo à primeira vista. Mas será que ela teve tempo para degustar, ou apenas olhou, fez careta e empurrou o prato?

E como poderemos educar o paladar das crianças para além do “gosto ou não gosto”?

“É muito importante incluir as crianças nas preparações culinárias.” Nos diz a nutricionista Júlia Laumann (@julialaumann.nutri). E continua, “quanto mais incentivarmos a participação das crianças na preparação das próprias refeições, mais despertaremos a curiosidade pela comida de verdade, criando um vínculo e colecionando memórias afetivas entre a família e a comida. A alimentação vai muito além da mera ingestão de calorias.”

Vamos então ensinar a degustar! Buscando menos rejeição e mais curiosidade:

  • Convidar a criança para cheirar os alimentos antes de provar. Levar para passear em feiras ou mercados e a convidar a cheirar os produtos. Como é o aroma do tomate fresco? E o do manjericão? Laranja, mexerica ou limão?
  • Falar sobre texturas. Esse alimento é crocante ou cremoso? Quente ou frio?
  • Peso da comida. É leve ou pesada?
  • Fazer jogos sensoriais. Provar de olhos vendados, adivinhar sabores, montar pratos com cores diferentes.
  • Evitar comentários como “ele não gosta de tal coisa”. O gosto muda com o tempo — e com a forma como oferecemos.
  • Se a criança recusa um alimento porque não gosta, é importante continuar a oferecê-lo, sem forçar, pois quanto mais oferecer esse alimento maior será a chance de ela o aceitar.

A alimentação é um ato cultural que envolve emoções, memórias e tradições, e não apenas a satisfação da fome. No Brasil, a diversidade regional exige que orientações alimentares considerem diferentes contextos sociais e culturais. Mas há também um desafio de ordem mais geral, políticas públicas para a promoção e proteção da alimentação adequada e saudável da população, como a exigência de informações nutricionais e de composição nos rótulos.

Os pais sabem que educar as crianças exige respeito, paciência e afeto, e na matéria do paladar se dá o mesmo, é uma construção diária. O objetivo é evitarmos que elas cresçam excluindo alimentos do prato apenas pela cor, aparência ou textura. Respeitar o tempo, os sinais de fome e saciedade da criança, fortalece hábitos alimentares saudáveis ao longo da vida e a desperta para o prazer da descoberta e para uma relação mais saudável, rica e variada com a comida.

“Política social, comunidade,

sistema ambientalmente sustentável, afetividade e cultura.

Não podemos deixar de falar de tudo isso quando falamos de alimentação.” (Júlia Laumann)

Porque degustar é também educar os sentidos, construir memórias afetivas e, quem sabe, até cultivar gratidão pelo que a terra, a cultura regional e as tradições de família nos oferecem. E quanto mais cedo começarmos, mais saborosa será essa jornada.

Estou pensando agora. Será que o caçula trintão da Madame N mamou no peito?

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