Conversando sobre Vinho

O vinho da minha terra

Minha terra tem palmeiras de buriti onde encanta a Syrah. Não com o sotaque das vinhas do Rhône, mas com o sopro quente do vento do cerrado ao entardecer, quando o sol descansa entre os pilotis e o céu, o mar de Brasília, se tinge de toda a paleta de vermelho e violeta.

A tesourinha corta o vento, o balão leva aromas de poeira e flores secas por entre os cobogós.

Entrequadras, o vinho amadurece como o próprio tempo: seco como o ar que respiramos, sereno, teimoso — tal qual o povo que aprendeu a construir a cidade da profecia, cercada de horizonte, em meio ao nada.

Nasce no planalto um vinho que não copia, que se reinventa no solo argiloso marrom carmim, banhado pelo Paranoá.  Vinho que pulsa sob os pés das superquadras.

A guariroba e o pequi se refletem na taça — líquida alvorada de cor rubi, promessa de que o sabor da terra pode ser também futuro.

No Eixinho, o trânsito sopra seu jazz metálico.
Na W-3, os bares misturam sotaques e sonhos.
Nas RA, o vinho encontra amigos, risos, saudades —
e cada gole é uma conversa sobre o impossível que, por obra dos candangos, deu certo.

Do Buraco do Tatu à Esplanada, do entorno ao PAD-DF, há uma geografia de desejos que se realizam na taça.

Alvorada não é só palácio: a alvorada também é o instante em que o primeiro raio do sol toca a videira e ela responde – em silêncio – no choro da poda, em flor e, no inverno, em fruto.

E eu, que bebo esse vinho do meio do país, do Centro-Oeste, da altitude do Planalto Central, aqui do quadradinho, entendo que o cerrado não é ausência de verde, mas presença de resistência.

Na minha terra, o vinho também tem asas.
E o voo? —  Ah, o voo! — é o da própria alma de Brasília.