Dois leitores, Éder Carlos e Núbia Gontijo, me questionaram sobre a dificuldade encontrada para a harmonização do vinho com o acarajé, devido à diversidade de sabores e ingredientes encontrados nele.
O acarajé é um bolinho de feijão-fradinho frito no azeite de dendê, que é parte integrante da identidade baiana da comida de rua. De origem africana, chegou ao Brasil com os povos escravizados da região do Golfo do Benim (atual Nigéria e Benim), especialmente do povo iorubá. Seu nome vem do iorubá “àkàrà” (bola de fogo) + “jé” (comer) ou seja, “comer a bola de fogo”. Mas aí já depende da pimenta.
Mas ele não é apenas um prato, também é um símbolo da cultura e religiosidade afro-brasileira onde é oferecido a Iansã e a Xangô. Ainda é usado na literatura e na música como metáfora para a mulher forte, doce e picante, representando sensualidade e ancestralidade feminina.
“Na esquina, uma baiana gritava o nome do acarajé, e o cheiro de dendê era um convite mais forte que a fome.”
“Flor saía à porta e via as baianas do acarajé, com seus tabuleiros e os quitutes fumegantes.”
“Dona Flor, de alva renda, misturava o cheiro de patchuli com o perfume do acarajé no dendê…”
“Dulcineia preparava acarajés como se estivesse em transe. Cada bolinho uma oferenda.”
Na Bahia o acarajé na rua é vendido pelas baianas, que conforme a Sociedade das Baianas de Acarajé (ABAM), seguem um ritual específico de vestimenta e preparo, que remete à ancestralidade africana e à religião de matriz africana.
A receita não é simples, é um prato trabalhoso, com muitos ingredientes, é como se fosse uma soma de três receitas diferentes, mas vamos lá destrinchando os ingredientes.
O massa do bolinho, elaborada com feijão fradinho, é neutra, portanto não a vou considerar na harmonização. Vamos pensar nos principais ingredientes com sabores e aromas mais marcantes.
Temos o camarão que tem umami, o quinto sabor, que pede acidez ou doçura. O dendê, um sabor forte com um certo amargor, pede acidez, dulçor e uma carbonatação para limpar a língua. Amendoim e castanha de caju torrados, com sabor amanteigado, tostado e terroso; pedem vinhos com boa acidez e textura. Já o gengibre, picante, cítrico e pungente, equilibra com dulçor e acidez.
Perigos! Um mais leve seria naquela saladinha de tomate, se levar vinagre, que acentua a acidez do vinho, anula sabores mais delicados e prejudica a percepção dos seus aromas. Mas a saladinha é pouquinha e pode ser feita com azeite. ATENÇÃO! CUIDADO! Na hora da pimenta todo cuidado é pouco, ela aumenta as sensações do álcool e do tanino, e ainda se prejudica os sabores mais delicados, pedindo vinhos com boa acidez, frescor e pouco tanino.
Falei que o bolinho de feijão fradinho era neutro, mas isso foi antes da sua fritura no azeite de dendê. Agora tem alta untuosidade, gordura, que apaga vinhos leves e sem acidez. Amargor que acentua o amargor dos taninos. Portanto os vinhos precisariam ter acidez elevada, pouco ou nenhum tanino, serem bem aromáticos e um leve dulçor seria interessante.
Somando tudo, tirando a média e criando um fator de correção, acredito que o resultado final poderia ser um vinho branco Riesling Renano ou Gewürztraminer. Espumante de nature a brut. Rosés leves. Tecnicamente alguns tintos, desde que quase que sem taninos também harmonizariam, mas só recomendo mesmo para quem é viciado nos tintos. Para uma surpresa de sabores iria para um vinho de sobremesa, se possível um Sauternes, mas um Colheita Tardia, bem mais baratinho e geladinho também irá bem legal. Fechando a lista um bom espumante Moscatel brasileiro, daqueles não extremamente doces.
A preta do acarajé (1939) Dorival Caymmi
Gravada por Carmen Miranda & Dorival Caymmi:
“…. Na sua gamela
Tem molho e cheiroso
Pimenta da costa
Tem acarajé
Ô acarajé é cor
Ô la lá io
Vem benzer
Tá quentinho
Todo mundo gosta de acarajé
O trabalho que dá pra fazer que é
Todo mundo gosta de acarajé
Todo mundo gosta de abará
Ninguém quer saber o trabalho que dá ….”
Receita lá de casa do Acarajé
Ingredientes (8 porções)
Modo de preparo: 40min
Vatapá
Dica
Vinagrete
Caruru
Ingredientes:
Comece preparando os quiabos: lave-os bem e, após isto, retire as pontas e os cabos dos mesmos. Faça um corte em formato de cruz no sentido do comprimento e, em seguida, pique-os.
Com os quiabos cortados, separe os demais ingredientes: a cebola e o alho, o camarão, a castanha e o amendoim, o gengibre, o azeite de dendê e o cheiro verde.
Dica: Antes de usar o camarão seco, faz-se necessário lavá-los ou deixá-los de molho na água por alguns minutos, escorrendo-os depois, a fim de que retire o excesso de sal.
No liquidificador bata a cebola com o alho, o amendoim, o camarão seco, a castanha de caju, o gengibre e o cheiro verde com 1 xícara de água (aproximadamente). Reserve.
Numa panela funda aqueça um pouco o azeite de dendê e acrescente os quiabos previamente picados. Misture bem e adicione meia xícara de água.
Dica: O azeite de dendê tem um sabor bem marcante e contribui também para dar mais cor ao prato. Se desejar, acrescente mais uma colher de sopa antes de refogar os quiabos.
Adicione o tempero batido no liquidificador, os camarões secos inteiros (opcional), a pimenta do reino e acerte o sal (se for necessário).
Cozinhe o caruru em fogo médio por aproximadamente 30 minutos, mexendo de vez em quando para não grudar e acrescentando mais água, se for preciso. Ele não poderá ficar com consistência rala ou grossa demais.
Dica: Para quem não gosta da baba do quiabo, pode-se pingar gotas de limão ou de vinagre durante o cozimento para retirar o excesso da mesma.
O caruru estará pronto quando os quiabos estiverem macios e a cor das suas sementes ficarem um pouco rosadas.
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