Categories: comidas afetivas

QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? XIII – responde Tuty Osório

Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.

Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

MADELEINE DE SAL

Sou de uma família de gulosos. Comer é prazer levado a sério. Gostamos de sabor, intensidade, quantidade, também. Muitas comidas acompanham-me desde a infância. Gastamos dias a planejar um almoço especial, um jantar com amigos. Temos livros e cadernos de receitas em capas belas, prateleiras repletas desses guias da divina gula. Algumas são tradição exclusiva.

As rabanadas do Natal elaboradas de um jeito único. Macias, suculentas, quase um pudim. A carne calabresa, um lagarto que marina em vinagrete de mil ingredientes, por dois dias e vai com pão, salada verde, ou sem companhia, mesmo. O rocambole de carne moída que atravessou gerações e já habita a casa das netas, aprendizes cada vez mais descoladas. Enfim, se for comida a renda rende, é variada e diversa.

Da infância até hoje, quando estou às portas dos 60 e ainda me sinto meio lá, segue-me uma guloseima que foi sendo adaptada, jamais afastando-se da essência. Somos portugueses e é da cultura lusitana cozinhar o arroz no sabor de mais sabores. O solitário arroz branco praticamente não existe em Portugal, participando eternamente aliado, nem que seja com uma salsinha ou uma raspa de cenoura.

Diferente do risoto, feito exclusivamente com o arroz arbóreo que solta o amido à medida que se mistura ao caldo escolhido, o arroz português parte de qualquer cepa do cereal. Integral, parabolizado, comum, vermelho ou preto, o arroz cozinha no caldo dos colegas eleitos; e é o arroz deles. Nada de nata, requeijão, ou creme que o valha. O nosso arroz doura no fundo da panela e apura nos sumos do que vai junto.

Pode ser de mariscos, em comunhão ou separados; de legumes, em bando ou individualmente; de chouriço (uma espécie de linguiça); de bacalhau, de polvo, de açafrão, de frango (o preferido do rei Dom Miguel I, de lá, irmão do Dom Pedro I de cá, que era IV lá).

Pois é, arroz de um tudo e o que sempre teve em casa é o de tomate, como acompanhamento de qualquer proteína.

Minha mãe comenta sempre não gostar tanto de cozinhar, mas foi ela que sempre fez a comida. Até hoje, aos 84 anos. E não há comida melhor. Mesmo quando tem assessoria, supervisiona tudo pessoalmente, prova, confere. Nunca houve um cardápio em nossa casa que não fosse por ela definido. O arroz de tomate que recebi de suas mãos de fada pode ser sequinho, meio crocante, ou molinho, com mais molho -, chamado além-mar de malandro.

Virou até salvação numa virada de ano, passada na pousada de uns amigos. Uma hóspede vegana não havia avisado de suas escolhas gastronômicas e ficaria de fora da ceia não fosse a lembrança dessa iguaria que sirvo muito quando recebo, pronta em 20 minutos. O sucesso foi tanto que até os convictos carnívoros atacaram. Sorte que como boa comilona de família portuguesa exagero sempre nas quantidades, como se o mundo fosse acabar após a derradeira garfada.

RECEITA DO ARROZ DE TOMATE (para 6 pessoas)

INGREDIENTES

Alho e cebola a gosto

Sal a gosto

6 tomates frescos médios

Azeite de oliva ou óleo de soja

2 xícaras de chá de arroz branco, integral, parabolizado ou comum

4 xicaras de água, se for integral 6 xícaras – se gostar substitua duas das xícaras de água por vinho branco (3 no caso do integral)

MODO DE FAZER

Refogue, em azeite de oliva ou em óleo de soja, alho e cebola a gosto numa panela comum. Quando dourarem acrescente o tomate cortado em cubinhos, refogue mais e acrescente o arroz, mexendo sempre por 5 minutos. Depois acrescente as xícaras de água (ou água mais vinho, como preferir) e deixe em fogo alto até ferver. Antes de ferver acrescente o sal. Quando ferver baixe o fogo para o mínimo e deixe até o caldo secar. Quando secar apague o fogo. Se quiser malandro apague um pouco antes de secar completamente.

Se for servir para vegetarianos acrescente cubos de queijo e castanha do Brasil ou de caju. Se houver veganos somente um dos tipos de castanha.

DICA DO SOMMELIER: o tomate é o ingrediente principal e a harmonização se dará com ele. Suas principais características são uma leve doçura e uma acidez mais intensa. Outro fator muito importante é que o risoto leva vinho na receita. O ponto mais importante é usarmos o mesmo estilo de vinho. A opção mais fácil será um Sauvignon Blanc, cuja acidez irá se ajustar a acidez e doçura do tomate. A garrafa da receita pode ser uma mais baratinha.

BIO

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Nasceu no Porto, em Portugal, em 1965, e mudou para a capital do Ceará em 1975, depois de passar a infância em Moçambique. Desde 2005, vive em viagens pelo Brasil, levando o trabalho de pesquisa. Brasília tem parte importante na sua vida, onde morou por 10 anos e onde nasceram as filhas. É mãe da cineasta Camilla e da designer Manuela. Filha da Mila e do Abel Boaventura. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais.

sergiosvp

Recent Posts

UMA EXPERIÊNCIA SENSORIAL: TRANSFORMANDO UM VINHO CONHECIDO EM ALGO NOVO

Uma Experiência Sensorial: Transformando um vinho conhecido em algo novo Durante a degustação, diversos fatores…

3 dias ago

QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? XII – responde Wilma Ferrari

QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? Qual é a sua história sobre…

6 dias ago

QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? XI – responde Soraya Bertioli

QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? Qual é a sua história sobre…

1 semana ago

VENDA DE VINHO: UMA AULA COM ARISTÓTELES SOBRE ETHOS (CREDILIDADE), PATHOS (EMOÇÃO) E LOGOS (LÓGICA)

Venda de vinho: uma aula com Aristóteles sobre Ethos (credilidade), Pathos (emoção) e Logos (lógica)…

1 semana ago

EXPOVITIS BRASIL 2025 – Feira de Enologia, Viticultura e Enoturismo

  A EXPOVITIS BRASIL – Feira de Enologia, Viticultura e Enoturismo reunirá toda a cadeia da vitivinicultura…

2 semanas ago

TESTE: DESCUBRA SEU PERFIL DE CONSUMIDOR DE VINHO

Neste teste não existem respostas erradas ou resultado com um perfil de consumidor que seja…

2 semanas ago