Conversando sobre Vinho

QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA?

Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.

Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.

Wilma Ferrari é artista plástica e a única brasileira com doutorado em ilustração científica.

As comidas que mais me trazem recordações da infância, as que me enchiam de felicidade, eram duas: o Bauru, que minha mãe fazia no jantar, e o pudim de leite condensado, que eu adorava, preparado em ocasiões especiais. Quando ela fazia Bauru, eu entrava em êxtase. Já o pudim de leite condensado era reservado para dias de visita, e eu o apelidei carinhosamente de “Pudim da Visita”.

Nós sempre tínhamos o hábito de almoçar e jantar com arroz, feijão e carne, esta não podia faltar por causa do meu pai. Na minha rua, uma vez por mês, passava um furgão ou Kombi da Sadia, não me recordo bem, vendendo produtos como mortadela, que na época, na nossa cidade, não era vendida nos mercados. Então para nós crianças era uma novidade, e adorávamos. Mas minha mãe não queria que perdêssemos o hábito da comida mais saudável, então não era sempre que fazia sanduíches para os filhos. Quando o carro da Sadia passava nós corríamos atrás dele, para que parasse na nossa casa e papai ia lá escolher as peças. Também tinha a empresa aérea Sadia e nela voávamos nas férias de Ituiutaba-MG para Goiânia-GO.

Uma questão que aflige a humanidade: pudim de leite condensado deve ser com ou sem furinhos? Essa dúvida talvez nunca tenha uma resposta definitiva, porém para mim é sem furinho. Mas qualquer versão era motivo de alegria.

Meu pai costumava trazer visitas inesperadas para almoçar em casa, geralmente fregueses que ele encontrava pelo caminho. Muitas vezes, eram fregueses dele que nós nem conhecíamos. Ele os levava sem avisar, e minha mãe, com sua hospitalidade exemplar, fazia a comida suficiente para todos. Nessas ocasiões, ela preparava o pudim de leite condensado, uma sobremesa rápida e prática.

Quando eu chegava da escola e via aquele pudim na mesa, meus olhos brilhavam. Era quase um ritual: eu sabia que, se havia pudim, também havia visita. Eu ficava tão animada que não conseguia segurar minha empolgação e acabava gritando: “Hoje tem Pudim da Visita!” Minha mãe ficava morta de vergonha, mas eu não conseguia conter minha felicidade.

Essas memórias são as mais afetivas que tenho da minha infância. O Bauru, com seu sabor único, e o Pudim da Visita, com sua doçura.

RECEITA DO BAURU

Pão de forma, mortadela, queijo minas e rodelas de tomate. Assados naquelas tostadeiras de ferro que vão direto na chama do fogão.

DICA DO SOMMELIER: A regra básica de harmonização com sobremesas é que o vinho deve ter uma doçura igual ou superior. Já viram a dificuldade com os quindins e brigadeiros. Com o pudim de leite condensado eu gosto dos vinhos de uvas que de alguma forma foram passificadas, como os Icewine, botrytizados, Vin Santo e outros similares.

Já com o Bauru, a maior influência é a do sabor da mortadela, mas também temos de considerar a cremosidade do queijo e a acidez do tomate. Sem nos esquecermos do tostado do pão.  Vinhos leves, jovens e de boa acidez. Apesar que um tinto, nestas condições, também harmonizaria, minhas opões seriam um branco Sauvignon Blanc, um espumantes brut ou um vinho rosé daqueles mais clarinhos.