O cheiro da chuva
Finalmente choveu, da janela do meu escritório vem o cheiro de terra molhada. Batemos o não muito agradável recorde de dias de seca em Brasília, 166, que só perdem para os 3922 dias em que o Teatro Nacional está fechado. Quem é daqui do quadradinho já ligou para os amigos para avisar que na sua região começou a chover, é uma festa coletiva quando este cheiro da terra molhada nos envolve.
Sempre achei que o cheiro da chuva após uma longa estação seca é distinto do das chuvas mais constantes. Fui dar um Google sobre o cheiro da chuva e descobri que não só é verdade como também tem uma explicação científica.
Se é ciência, vamos consultar um cientista. Entrevistei o professor e pesquisador Robert Miller, do Departamento de Biologia Celular da UnB.
– O primeiro cheiro da chuva após a estação da seca é diferente?
– O cheiro terroso da chuva após uma longa estação seca é distinto, tanto que podemos sentir o cheiro da chuva antes mesmo dela chegar. Esse cheiro terroso único é chamado de “Petricor”.
– E a que se deve o Petricor?
– O que realmente estamos detectando nesse odor terroso são várias moléculas orgânicas, numerosas e variáveis, que incluem ácido palmítico e ácido esteárico, que podem ser extraídos de rochas secas, solo e argila e, ainda a geosmina, que se origina de bactérias Gram-positivas. A geosmina, seu nome vem Geo = terra mais Osme = odor, o “aroma da terra”.
– Pode falar um pouco mais sobre a geosmina?
– A geosmina é um líquido incolor que pertence a uma grande família de óleos terpenóides. Outros exemplos dessas moléculas podem ser encontrados na canela, no cravo e no eucalipto. Somos extremamente sensíveis ao cheiro da geosmina, sendo capazes de detectá-la em concentrações inferiores a 10 partes por trilhão. Isso equivale a uma colher de chá em 200 piscinas olímpicas! Quando gotas de chuva atingem o solo, bolhas de ar podem aprisionar a geosmina, que subsequentemente estoura no topo de cada gota de chuva, liberando pequenos aerossóis no ar. Este aroma é muito agradável, mas se o encontramos no vinho ou na água dará um gosto indesejável e será um grande desafio a sua eliminação. Mas, o mais importante, é o seu potencial para pesquisas.
– Como assim?
– O cheiro de terra molhada, na verdade, é principalmente de geosmina – molécula de espécies de Streptomyces – que são grandes produtores de antibióticos, respondendo por até 80% de todos os produtos bioativos naturais com aplicação farmacológica ou agroquímica. E são bem presentes nos solos do Cerrado. Ou seja, o cheiro é um indicador da presença de N espécies novas de Streptomyces e seus antibióticos ainda não descobertos – um marcador do potencial do Cerrado.
O cerrado não para de nos surpreender com a sua riqueza.
Então, meus caros leitores, vocês já podem se exibir chamando este cheirinho bom de terra molhada, na primeira chuva após a seca, de petricor.
Falando em chuva e vinho, sabiam que existe um vinho da chuva? Na Ilha da Madeira, Portugal, é produzido o Rainwater, segundo a lenda o seu nome se deve a um barril de vinho que estava em uma praia aguardando o embarque para as colônias americanas, por alguma razão o barril estava sem sua tampa e uma chuva durante a noite o diluiu em parte o tornando mais leve e refrescante, o que muito agradou a quem o consumiu. Assim o acaso criou mais um estilo do Vinho Madeira.
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Quanta riqueza de informações, nos textos e no cerrado! Parabéns pela coluna!
Obrigado!
UAU. que venha o Petricor....