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O vizinho de Beethoven

Pretendo criar a expressão “vizinho de Beethoven”

O vizinho de Beethoven

Moro numa casa que fica afastada do barulho da cidade

Meus vizinhos pouco me incomodam com seus sons e eu posso escutar, à noite, o motor do caminhão do lixo se aproximando mesmo que ainda a grande distância do meu portão.

Teve um período, já tem muitos anos, em que dois garotos vizinhos, um da frente e outro de detrás do terreno da minha casa aprendiam a tocar bateria, mas nunca no mesmo horário, se revezavam para a perturbação durar mais. Acho aprenderam ou desistiram, porque eu nunca mais os escutei

Também teve em uma casa nos fundos da minha, o que parecia que era uma república de estudantes. Nela o couro comia solto!  Aconteciam, no mínimo, umas 4 festas por semana, de 5ª a domingo, sendo que nos sábados e domingos também rolavam uns churrascos durante o dia. Acreditava que cada morador da república deveria  cursar uma faculdade diferente, e a cada dia era a vez de uma turma nova comemorar.

Mas, nesta manhã, como em quase que em todas as outras, acordei escutando o canto dos pássaros e os gritos das araras e maritacas. Acho que não dá para chamar esta sinfonia alada de barulho

As araras são muito pontuais para partirem para suas atividades, não sei quais e nem onde, lá pelas 7h30, ou por aí, elas começam o barulho. No final da tarde fazem bastante algazarra para anunciar a sua volta.

E, igual ao meu jardim, que a tudo assiste sem se manifestar, eu também não posso reclamar do canto dos pássaros, eles é que estão em sua moradia, sou apenas o vizinho. Se não gostasse do barulho dos pássaros eu é que teria de me mudar.

Chamei o canto dos pássaros de barulho e me lembrei da lenda sobre as diversas mudanças de endereço, cerca de 15, que o grande compositor Beethoven teve de fazer devido às reclamações dos seus vizinhos sobre o “barulho” do seu piano.

Pretendo criar a expressão “vizinho de Beethoven” para definir o vizinho intransigente, que confunde o canto dos pássaros, as risadas das crianças, as conversas animadas entre amigos e a boa música com barulho.

Mas, se a música de Beethoven, com ele ao piano, um dos ápices da engenhosidade humana, era rotulada como barulho, qual a minha chance com os meus eventos de degustação de vinhos?

A degustação de um vinho poderia ser utilizada nas aulas de português como um exemplo perfeito da sinestesia, figura de linguagem que mescla numa única expressão, sensações percebidas simultaneamente por diferentes órgãos sensoriais.

Na análise do vinho temos sensações visuais, olfativas, gustativas e táteis. Tantas sensações fazem cosquinhas no cérebro, me desculpem esta explicação tão pouco científica, o que justifica a alegria que contagia os degustadores.

Mas se o sentido da audição não entra na análise do vinho, reservamos para ela o som das rolhas sendo sacadas, o tilintar das taças e as vozes comentando as características do que está sendo degustado.

Esta alegria é meio barulhenta e, enquanto os UBER não chegam, as risadas e conversas se sucedem, com todos falando quase que ao mesmo tempo. É certo que pode incomodar quem está de fora, mas não sabia que a alegria poderia incomodar tanto.

Agora, após tantas manifestações de desagrado, já sei. Pode! Principalmente se o tal cidadão, da casa ali ao lado, for do tipo “vizinho de Beethoven”. E olha que eu nem sei tocar piano.

sergiosvp

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