Esta é uma história acontecida, qualquer semelhança com pessoas reais ou fatos verídicos é intencional. Ela se passa em Viena, Áustria, mas alguns de seus personagens mais importantes são intelectuais, artistas de Hollywood, bartenders, uma garçonete, um príncipe russo e uma rainha. Em histórias que remetem aos EUA, Inglaterra, Índia e Paris. Mas os personagens principais são este que vos escreve e as Madames E e N.
Estávamos caminhando por uma avenida de Viena e anoitecia. Resolvemos jantar. Iniciamos a procura de um restaurante. Uma porta aberta, entre duas lojas, me chamou a atenção, um cartaz informava que ali era um restaurante fundado no século XVIII e uma seta apontava para a direção óbvia, para baixo, uma longa escadaria. Tinha um toque de história e mistério, descemos a escada sem nem pensar duas vezes.
Sei que a notícia é antiga, mas gostaria de lembrar que Napoleão foi casado com uma austríaca. Mas espera um pouco! Como é que o pequeno general está entrando nesta história? É que na primeira página do cardápio vinha a informação “Napoleão comeu aqui!”
Se você está em um restaurante na Áustria a sua chance de encontrar o Wiener Schnitzel em seu cardápio é de cerca de 99%. É o nosso filé à milanesa, no caso à austríaca, bem achatadinho, do tamanho do prato. Pode ser de filé, carne de porco ou vitela. E deve ser crocante por fora e suculento por dentro, normalmente acompanhado por uma salada de batatas.
Harmonizamos perfeitamente o prato com um vinho da uva Grüner Veltliner. O branco mais emblemático da Áustria.
De volta ao hotel, após o banho, Madame E parou na minha frente e me olhou com seus olhos de um verde profundo, que sempre me causam um estranho encantamento, e disse com uma voz levemente rouca “Estou com vontade….”, imediatamente respondi, a interrompendo, que eu também estava com vontade, mas ela concluiu, “com vontade de tomar um Blood Mary”. Não prometeu nada para após o drink, mas deixou uma sugestão no ar, qual um perfume sensual. Mais tarde identifiquei o tal perfume, era do sabonete do hotel.
Antes de continuar a minha história desejo falar sobre a disputa quanto à origem da receita do coquetel Bloody Mary (Maria, a sanguinária), e também sobre as três versões acerca da inspiração para o seu nome.
Sobre a receita temos as seguintes teorias:
O drinque foi se aperfeiçoando. A pedido do príncipe russo Serge Obolensky foi incluído o Tabasco. O molho de pimenta Tabasco merece ter a sua história depois contada à parte. É produzido com a mesma receita desde 1868 e passa por um envelhecimento de 3 anos em barris de carvalho.
Aí o nosso coquetel foi batizado por “Red snapper”, nome que logo foi abandonado. O mais óbvio seria pensar que o nome Bloody Mary refere-se à cor vermelha do suco de tomate, mas para que simplificar se pode complicar.
E novamente temos algumas teorias, agora com 3 Marys.
Iniciamos com Mary Pickford, atriz americana do cinema mudo. Outra Mary seria uma garçonete do bar Bucket of Blood de Chicago, apelidada de Bloody Mary pelos clientes. Mas o bar da receita não era em Nova Iorque?
A terceira Mary é a mais provável para ter cedido seu nome ao drinque. Mary Tudor (Mary I), Rainha da Inglaterra, que por suas sangrentas perseguições ao protestantismo na Inglaterra e Escócia acabou por receber o apelido da “Maria, a sanguinária”.
Voltando com a minha história. Corri ao bar do hotel! Era um hotel bem bacana! Lógico que tinha um bartender. Mas depois das 23h ele já havia encerrado seu expediente. Agora só cervejas ou doses de bebida.
Retornei ao quarto. Parecia que tinha uma iluminação especial, uma música de fundo. Madame E procurou em minhas mãos o Blood Mary e antes que eu pudesse dar qualquer explicação, ALERTA DE PERIGO! Seus olhos mudaram de cor. Sei lá como ela consegue fazer isso! Tentando não gaguejar inventei que apenas tinha ido avisar que demoraria um pouco mais porque iria comprar em um bar ali perto. Onde? Do outro lado da rua. Pertinho, menos de 100 metros. Lógico que não é perigoso.
Saí demonstrando toda a confiança, usando um sorriso de canto de boca que Bogard utilizava em Casablanca. Já me disseram que fico igualzinho. Ao chegar no corredor desabei “onde vou encontrar um bar aberto agora?” Resolvi apelar para Santo Onofre, o padroeiro dos biriteiros. Madame N é devota dele. Prometi ficar uma semana sem beber se desse tudo certo.
Me informei, muito sem esperanças, com o porteiro do hotel onde teria um bar aberto a esta hora. Ele apontou para o outro lado da rua uma porta vermelha com uma iluminação meio bruxuleante. Pertinho, do outro lado da rua, a menos de 100 metros. “Aí Santo Onofre! Não valeu! Foi fácil demais, vamos guardar aquela promessa para um feito maior.”
Quando comecei a atravessar a rua tive uma sensação de estar entrando em outra dimensão, outra área da cidade. Olhei para trás e me confortei em ver que o hotel permanecia lá.
Entrei. Era um bar estranho, com gente esquisita, cachorros e muita fumaça em um ambiente escuro e de uma atmosfera que dava para cortar com faca. Ao me verem as conversas cessaram. Passei a ser observado em todos os meus movimentos. Ali dentro eu é que era o estranho,
Contrariando todas as expectativas, a garçonete, bem novinha, parecia que havia acabado de sair do banho, límpida, com uma carinha de boa garota. Quase que perguntei “sua mãe sabe que você trabalha aqui?”
Tentei pedir o Blood Mary o mais baixinho possível, naquele ambiente achei que não seria entendido como um pedido muito másculo. Mas ela repetiu minha solicitação em voz alta, em alemão e se dirigindo ao seleto público presente.
A situação já estava me deixando um pouco nervoso, não lembro se já disse, mas quando fico nervoso consigo me comunicar em qualquer idioma e no sotaque local.
Expliquei, também em voz alta que era para a minha esposa. E tentei fazer algumas expressões com olhos e bocas que aquilo me abriria alguma possibilidade mais interessante. Acredito que não sei fazer expressões faciais em alemão.
A luminosa mocinha, que parecia ter acabado de completar a idade para poder beber uma cerveja sozinha, não sabia fazer Blood Mary. Ops! Mas ela tinha todos os ingredientes. Fui ensinando, sob a atenta observação de uns 12 ou 15 pares de olhos.
Sim, um dash de tabasco. Dash não é alemão? É 1/8 de uma colher de chá. Não sabe? Coloque 4 gotas.
O silêncio continuava. Até os cachorros estavam atentos ao que acontecia no balcão. Ok! Ficou pronto o coquetel. Tem copo descartável? De papel? Tinha uma garrafa vazia de suco de tomate.
Sem olhar para trás, paguei, agradeci e fui para a rua, certo que seria perseguido por uma gangue, com cães ferozes mordendo os meus calcanhares, mas voltei sem percalços ao hotel com a minha preciosa carga. No bar do hotel, aquele que agora só servia cervejas e bebidas em dose, pedi um copo alto com gelo. Também comprei uma cerveja só para poder levar um potinho de amendoins e castanhas.
Com tanta carga nas mãos, só me restou o cotovelo para chamar o elevador e apertar o meu andar. Dei uns chutinhos leves na porta do meu quarto esperando que Madame E escutasse. Nada! Tive receio de chutar mais forte. Baixei tudo no chão. Abri a porta. “Querida cheguei!” Silêncio, Tudo apagado. Nenhuma música. Mulher dormindo!!!!
Agora veio a fúria! Como é que é! Vai beber este troço é agora!!!! Dentro da minha cabeça eu gritava, mas da boca só saía um ooooi bem baixinho.
Madame E abriu os olhinhos e sorriu para mim. Já falei que seus olhos são de um verde que me causam um estranho efeito? Ainda sussurrou. “Você conseguiu! Amanhã eu tomo. Obrigado.”
Uau!!! Amanhã! Deitei e dormi feliz.
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Adorei este conto!