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Para não dizerem que eu nunca falei das flores

Para não dizerem que eu nunca falei das flores

Espero que ao menos algum leitor mais assíduo tenha notado a minha ausência deste espaço nestas últimas semanas. Me desculpo dizendo que me encontrava em uma luta inútil contra a fatalidade do nosso destino humano.

Mas volto para continuarmos nossas conversas sobre vinho. Mas não hoje. Meu desejo hoje é de falar sobre os Ipês, estes exibidos.

Nossa Brasília está colorida de amarelo. Pelos meus caminhos pela cidade encontro desde algumas arvorezinhas solitárias, ainda em suas infâncias, mas já orgulhosas de seus rebentos, como também algumas já frondosas e instagramáveis. Outras que se juntam em bandos, cujas copas quase que se tocam, e tendo Ipês roxos como vizinhos.

Os Ipês brancos são mais raros e fugazes, já os verdes são tão tímidos que muitos passantes nunca repararam em sua existência.

Com minha esposa andávamos pela cidade, como duas crianças, brincando de admirar as árvores e jardins dos balões (rotatórias para quem não é daqui do quadradinho).

Na minha casa tenho dois Ipês amarelos para chamar de meus. Melhor dizendo, não somos donos da natureza, portanto sou, na verdade, apenas o responsável por estas duas árvores. Zelo por elas.

A primeira árvore fica junto ao portão de entrada da casa, sua muda foi um presente do meu amigo Robert, cientista de profissão e eventualmente jardineiro. Em 2021 ele criou o “Projeto 1000 Ipês” e produziu mudas para serem distribuídas para quem quisesse.

No ano passado ela teve a sua primeira floração, ainda bem timidazinha. Agora está colocando bem mais flores e já pensa em deixar herdeiros, está prenhe de vagens recheadas de sementes.

Sonho que um dia oferecerá uma sombra para quem chegar para me visitar e ainda estenderá um tapete amarelo sobre a calçada.

O outro Ipê, também amarelo, fica no fundo do terreno. Sua história se perdeu. Ninguém da casa sabe como ele chegou lá. Mas sei que é um valente. Sobrevive literalmente à sombra de dois portentos, uma mangueira e um abacateiro do terreno vizinho. Para buscar o sol deitou um galho rente ao chão, que após anos de persistente resiliência atingiu seu objetivo e, para provar, exibe agora em sua ponta um verdadeiro buquê de suas flores.

O amarelo dos Ipês é solar. Suas flores são belas como o sol. E este é também um dos significados do nome Eliana.

Se existe alma, a partida da Eliana deixou na minha um sulco de tristeza. Agora, sobre suas cinzas, em algum lugar desta cidade que ela tanto amava e gravou na pele em diversas tatuagens, preenchendo este vazio, crescerá um Ipê amarelo. Será mais um para ficar sob o meu zelo.

O nome Eliana, vindo do hebraico, carrega um significado poderoso “Deus ouviu minhas preces”. Rio com desalegria desta contradição à minha total ausência de fé.

Agora me reinvento, é árduo, mas a exemplo do Ipê do fundo do terreno da minha casa, eu luto.

“O que é o luto senão o amor que perdura.” (frase do personagem Vision na série televisiva WandaVision)

sergiosvp

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