Para evitar dor de cabeça, o consumidor precisa ficar atento ao contrato
Por Renata Nagashima e Verônica Holanda*
O sonho da casa própria é comum a uma grande parte dos brasileiros. Para concretizar esse desejo, boa parcela opta por comprar o imóvel na planta. A alternativa pode parecer mais barata, visto que a forma de negociação difere da utilizada nas unidades prontas para habitar. Porém, é preciso estar atento a eventuais armadilhas desse tipo de negócio.
Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário, alerta que o contrato de compra na planta apresenta riscos. “O imóvel para as famílias é um sonho; para as empresas, um negócio”, ressalta.
“Os estandes são coloridos, as ilustraçõesm sugestivas e nem sempre condizem com a realidade, pois as letras miúdas parecem ser meramente ilustrativas”, aponta o especialista. Segundo ele, os benefícios anunciados costumam ser superlativos e podem frustrar as expectativas de quem está comprando. Além de outros problemas relacionados ao contrato, como data de entrega, forma de pagamento e reajustes, que podem não ser bem explicados no momento da venda, quando apenas as vantagens são enfatizadas.
Um dos maiores riscos para quem faz esse tipo de negócio é a construtora declarar falência. Nesse caso, segundo Tapai, uma alternativa é formar uma associação para dar continuidade à obra, mas isso pode representar aumento considerável no preço dos imóveis. Em algumas situações, o consumidor corre o risco de perder todo o valor investido.
O advogado aponta que cláusulas no contrato possibilitando a prorrogação do prazo de entrega são legais perante a Justiça, por isso, o comprador tem que fazer o negócio ciente de que, em boa parte dos casos, as incorporadoras utilizam todo o tempo que podem. No entanto, o período não pode ultrapassar 180 dias, quando o consumidor passa a ter direito a ressarcimento por danos morais e materiais.
Karine Moura, 45 anos, conta que comprou um apartamento na planta assim que a construtora anunciou o empreendimento. “Quando vi que o valor era muito mais baixo, meu marido e eu decidimos fechar o contrato. No dia, o corretor explicou todo o processo, nos levou para visitar a obra, mostrou maquetes e uma unidade planejada. Ficamos encantados”, relembra a autônoma.
Ela conta que deram boa parte do valor como entrada e, assim, as parcelas ficaram razoáveis. No entanto, os problemas começaram quatro meses antes da previsão de entrega. “Pedia para saber o andamento da obra, estranhava por ainda faltar muita coisa. Quando eu ligava para a empresa, não conseguia informações seguras e os responsáveis pela construtora desconversavam, dizendo que estava tudo sob controle”, conta.
Após pesquisar outras obras da empreendedora, Karine constatou que a empresa costumava atrasar em até três anos alguns dos empreendimentos. “Tentaram nos convencer a não revogar o contrato, mas, depois de ameaçarmos entrar na Justiça, conseguimos fechar um acordo e devolveram parte do valor pago, mas tive prejuízo de 12%. O montante que recuperamos investimos na aquisição de um imóvel pronto de outra empresa”, acrescenta.
O advogado Tapai explica que, de acordo com a súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a rescisão do contrato é garantida a qualquer comprador que não tiver mais condições de pagar as parcelas enquanto o imóvel não estiver pronto. “Mesmo que o consumidor tenha assinado documentos informando que a compra é irretratável, o Judiciário derruba essa cláusula, por ser ilegal. “Quando o comprador desiste da compra, mas a empresa está com a obra no prazo, ele perde de 10% a 20% do que pagou, é o chamado distrato. Quando há atraso na entrega da obra ou descumprimento contratual da empresa, a devolução deve ser de 100% de todos os valores pagos, inclusive a corretagem, além de eventuais indenizações por danos morais e materiais”, informa.
Preço igual
Para Tapai, comprar na planta não garante uma economia significativa. Ele explica que, em regra, os imóveis em construção possuem o mesmo preço por metro quadrado de outros do mesmo padrão e na mesma região. “O cliente paga as parcelas durante a obra, sem usufruir do bem e o saldo devedor continua sendo corrigido pelo Índice Nacional da Construção civil (INCC)”, explica. No fiml das contas, somando o que se pagou mais o que se deve, o montante final é maior do que o preço de um imóvel pronto.
Flávia Alves dos Santos, 49, conta que pensou ser uma boa ideia comprar o apartamento na planta, por ser mais barato, mas não considerou que teria que arcar com as prestações da obra e o aluguel simultaneamente. “No começo foi tranquilo, estava pagando as parcelas com o que eu tinha guardado depois de quitar a entrada. Quando tive que tirar do meu salário, apertou bastante”, afirma.
“Cheguei ao ponto de ter que escolher qual conta saldar para não ficar na rua ou sem pagar as prestações do apartamento. No fim, fiquei devendo algumas parcelas e, quando o imóvel ficou pronto, tive de fazer um empréstimo para quitar tudo e poder me mudar”, comenta a servidora pública. Ela avalia que não soube se planejar. “Tudo teria sido mais simples se eu tivesse organizado melhor as despesas”, admite.
Tapai ressalta a importância de se fazer um bom planejamento financeiro e de não agir impulsivamente, levando em conta o orçamento familiar. “Nunca se deve comprar o primeiro imóvel visto ou visitado. Os corretores são preparados para convencer de que se trata do melhor negócio da região, que é a última unidade, que há fila de espera ou que o preço vai mudar no dia seguinte”, enumera.
Três perguntas para:
Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário
Ao que é preciso estar atento no momento de fechar contrato?
Tudo que foi negociado deve estar escrito no contrato. Promessas verbais, mesmo que com testemunhas, têm pouca validade. É preciso guardar propagandas, imagens da planta e da maquete. O consumidor deve pesquisar o histórico da empresa, verificar obras entregues; consultar processos nos Tribunais de Justiça e sites de reclamações e, sempre que possível, ter auxílio de um advogado. Contratos imobiliários são bastante técnicos e, se não forem bem compreendidos, podem trazer dor de cabeça, além de prejuízo.
Em relação ao planejamento financeiro, quais são as orientações?
É preciso analisar com cautela os custos e benefícios, a renda familiar, os riscos de perda de renda, instabilidades econômicas e ter um plano B. É indispensável possuir uma folga financeira para os momentos de aperto e lembrar que qualquer compra de imóvel é um negócio de longo prazo e que imprevistos podem acontecer. Nunca se deve assumir um negócio desse porte com o orçamento muito justo, pois as parcelas podem aumentar mais do que a família pode arcar. É desejável que a renda seja composta por mais de uma pessoa. Assim, no caso de ocorrer um contratempo, é possível contornar a situação.
Quais são as obrigações da construtora?
Cumprir o contrato nos exatos termos em que foi firmado, como, por exemplo, qualidade da construção, prazo, atendimento eficaz, garantias legais, documentação regularizada, além de lealdade durante toda a construção e de informações corretas e precisas no momento da venda.
* Estagiárias sob a supervisão de Margareth Lourenço (especial para o Correio)