Os serviços de telefonia, o varejo e os bancos continuam liderando o ranking dos setores mais reclamados por clientes do Distrito Federal. Os dados com as reclamações fundamentadas de 2015 foram divulgados na semana passada pelo Procon do DF e trazem o alerta de que esses segmentos – apesar do aumento de multas aplicadas e de regulações mais exigentes – continuam com dificuldades para respeitar a legislação consumerista. Boa parte das empresas que aparece no topo das reclamações são reincidentes e enfrentam problemas que poderiam ser resolvidos diretamente com o consumidor sem o intermédio do órgão. Cobranças indevidas, qualidade do serviço oferecido e o pós-venda são os principais motivos dos conflitos de consumo na capital do país.
Se por um lado, as empresas que lideram o ranking usam a quantidade de clientes para justificar a posição entre as mais reclamadas, de outro, as entidades de proteção defendem que o Código de Defesa do Consumidor existe há 25 anos, o que seria tempo suficiente para as companhias se adequarem à legislação e melhorarem os seus processos. Para Geraldo Tardin, diretor do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), o histórico de reclamações fundamentadas do Procon, aponta que, há pelo menos dez anos, os problemas são os mesmos. “O fornecedor ainda não entendeu que o maior instrumento de marca é o consumidor. O que existe é uma cultura de desrespeito ao Código do Consumidor”, ataca.
O Procon-DF atribui a reincidência das companhias à dificuldade de diálogo entre elas e os clientes. Para o órgão, as empresas não investem em serviço de atendimento na mesma proporção do crescimento de público. Tanto que, por exemplo, no caso das operadoras de telefonia, o índice de resolução de problemas é superior a 80%. Dessa forma, se o consumidor conseguisse resolver suas questões com a própria empresa, não precisaria do intermédio do Procon.
Entre as 15 empresas com mais queixas, oito delas estão relacionadas a serviços e produtos de telecomunicações – os atendimentos vão desde o aparelho adquirido pelo consumidor até a qualidade da conexão fornecida. A Oi aparece nas duas primeiras posições do ranking, seguida pela SKY, Claro e GVT. A Tim e a Net também aparecem na lista.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores, explica que a área da telefonia sempre esteve entre as campeãs de reclamação. “Existem muitas regras que não são implementadas. A fiscalização em relação a isso é fraca e como consequência, não existe punição”. A coordenadora comenta que o setor torna-se complicado por causa das mudanças constantes nas normas regulatórias, o que gera insegurança jurídica e dificuldade para o cliente manter-se informado sobre os seus reais direitos. Dolci alerta ainda para a excessiva judicialização dos conflitos. “A nossa lei permite que as empresas recorram, o que faz com que dificilmente elas tenham algum prejuízo.”, completa.
A consumidora Márcia Godinho, 59 anos, teve problemas com a cobrança indevida de um serviço não contratado de internet e precisou recorrer ao Procon para solucionar a questão. “Em junho do ano passado ligaram para minha mãe, de 88 anos, oferecendo banda larga gratuita. Após muita insistência, ela aceitou. Logo depois, recebeu um modem de internet e começaram a chegar as faturas da operadora”. De acordo com Márcia, os valores das cobranças cresceram gradativamente: começaram com R$59,75 e atualmente estão no valor de R$332. Ela procurou uma loja da operadora e foi informada que o problema só poderia ser resolvido pelo telefone.
A consumidora conta que, na tentativa de resolver o problema, ela seguiu as orientações do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) da empresa e quitou a suposta dívida em aberto. Em contato posterior, a empresa alegou que não poderia fazer o cancelamento, uma vez que cliente havia efetuado o pagamento do mesmo. O primeiro contato de Márcia com o Procon foi em outubro do ano passado e, quatro meses depois, a pendência ainda não foi resolvida e os boletos continuam sendo enviados. “Eu quero que eles parem de cobrar. Me sinto lesada. Recebo várias ligações todos os dias por um serviço que não contratei. Não quero a abertura de um processo judicial”, lamenta.
Débora Alencar, 30 anos, também precisou do apoio do Procon para resolver pendências com operadoras de telefonia. Segundo ela, a linha está bloqueada e a empresa limita-se a responder que o problema está no cadastro, porém, não oferece solução. “Mesmo após várias tentativas, não consigo o cancelamento do plano. Fui obrigada a comprar outro chip, já que estava sem celular”, reclama. A cliente diz se sentir lesada, pois não foi avisada de nenhum tipo de movimentação em sua conta. Como não consegue cancelar o serviço, está fazendo os pagamentos sem receber os benefícios.
Varejo e bancos
Os conflitos de consumo entre os setores e os consumidores apresentam as suas peculiaridades. Os serviços bancários e o varejo também permanecem na lista das mais reclamadas. Entre as reincidentes estão o banco BMG, a Via Varejo (responsável pelas Casas Bahia e PontoFrio) e a Ricardo Eletro. No varejo, os principais problemas são no pós-venda, como troca de produtos defeituosos. “Existe falta de responsabilidade por parte das lojas de varejo no pós-venda. Depois de vendido, elas querem que o produto defeituoso fique a cargo da assistência técnica, mas ela é solidária nessa relação”, explica Maria Inês Dolci, da Proteste.
Nos bancos, o cartão de crédito e as cobranças indevidas lideram os conflitos de consumo. A complexidade das transações e a falta de clareza sobre o serviço contratado são os motivos apontados por especialistas para o crescente conflito. “As regras confundem o consumidor. Além disso, o crédito fácil endivida as pessoas com juros altíssimos”.
Mais resolutividade
Em 2015, 5.832 reclamações foram consideradas fundamentadas, isto é, não solucionadas no primeiro atendimento e o Procon precisou intermediar o conflito. A quantidade é 14,5% maior do que em 2014. Embora tenha crescido a quantidade de reclamações, pela primeira vez, desde a criação do Procon-DF, a quantidade de conflitos solucionados foi superior a de casos não resolvidos. Em 2015, 52% das queixas foram solucionadas e 48%, não. Em 2014, das 5.090 reclamações, 42% foram resolvidas e 58% não.
Reclamação fundamentada
O Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), ligado ao Ministério da Justiça, diferencia atendimento e reclamação. Para o órgão, quando o consumidor o procura com uma queixa é computado no sistema como atendimento. Se a empresa não resolver o problema no prazo máximo de 10 dias e o Procon tiver que enviar um Termo de Notificação ao Fornecedor, a queixa do consumidor é oficializada como reclamação fundamentada. É essa reclamação que é encaminhada para os registros do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), do Ministério da Justiça.