Operadoras driblam regras da ANS e cortam beneficiários que mais precisam do plano

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A prática de suspender o contrato de plano de saúde sem comunicado prévio ao consumidor tornou-se comum no Brasil e no Distrito Federal. O alvo principal são os beneficiários que mais usam o serviço – como gestantes, idosos e doentes crônicos – e que possuem contratos coletivos via administradora de serviço, ou seja, a contratação do cliente se dá por intermédio de uma outra empresa ou associação, não diretamente com a operadora. A demanda é uma das que mais cresce nas reclamações da Agência Nacional de Saúde (ANS) e, no Judiciário, ações do gênero multiplicam. A Defensoria Pública do DF informou que casos deste tipo tornaram-se recorrentes. As associações de consumidores, como a Proteste, estão em diálogo com a agência reguladora para tentar resolver a situação. Enquanto isso, operadoras e administradoras de benefícios ficam jogando a responsabilidade uma para outra sem assumir os prejuízos do consumidor.

Segundo dados da ANS, as queixas sobre rescisão unilateral cresceram 38% na comparação entre 2014 e 2015. Para especialistas, o aumento é reflexo da nova prática de suspensão deliberada de planos coletivos via administradora. Porém, como os contratos são firmados entre o plano e uma terceira empresa, a ANS não tem como resolver a questão do paciente porque a rescisão, nestes casos, é autorizada, desde que haja comunicado prévio. Sem conseguir resolver o problema, o consumidor acaba recorrendo a Justiça e o resultado é uma intensa judicialização da saúde. Com tanto conflito, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) a quantidade processos envolvendo operadoras de saúde e beneficiários cresceu 35,5% nos últimos dois anos – saltou de 1.232 para 1.670. O tribunal não consegue qualificar os motivos das ações, por isso, só tem o número geral.

Crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press.
Crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press.

 

A gestora Andressa Magalhães Areal, 24 anos, sabe bem o que é ser desligada do plano de saúde quando mais precisa. Ela tinha uma cirurgia agendada para o dia 15 de janeiro deste ano. Passou os seis meses anteriores fazendo os exames necessários e a preparação cirúrgica. No dia 5 de janeiro, ao chegar a uma consulta, foi informada que o plano tinha sido suspenso. Sem saber o que estava acontecendo, entrou em contato com a operadora que informou que a administradora do plano tinha cortado o convênio. Ao ligar para a Qualicorp, administradora do serviço, foi informada que uma carta de rompimento foi enviada e que, por isso, a rescisão unilateral foi feita. “Mas essa carta nunca chegou. O boleto continuou chegando, paguei até o mês de fevereiro deste ano. O que eu não entendi foi porque o boleto chegou e a carta não”, afirma.

A beneficiária procurou a ANS e obteve a resposta de que a agência não poderia fazer nada por se tratar de plano coletivo. A saída de Andressa foi procurar a Justiça. Ela ainda aguarda uma decisão. A preocupação de Andressa é a de perder toda a preparação cirúrgica de seis meses. “Vou perder os exames para a cirurgia. Espero que o plano volte, nem que eu pague a mais”.

Drible no sistema

Desde que os planos individuais sumiram do mercado, restou pouca opção ao consumidor que deseja contratar o serviço de saúde suplementar. Surgiram as administradoras de serviços que vendem planos coletivos para o público que tem perfil de contratação de plano individual. Dessa forma, as operadoras firmam contrato com outra empresa (a administradora) e escapam da regulação da ANS para os planos individuais. Se a contratação fosse individual, os reajustes nas mensalidades seriam determinados pela agência reguladora e as regras de rescisão unilateral, mais rígidas. Por isso a preferência do mercado de saúde suplementar em comercializar os coletivos. Para a ANS, os planos coletivos são assinados entre duas empresas, dessa forma, não há parte vulnerável na relação de consumo, o que não demanda intermédio da agência.

Essa movimentação de mercado deixou os consumidores sem opções e a venda de plano coletivo via administradora vem crescendo de maneira sistemática, em especial, nos últimos três anos. Associações de consumidores como a Proteste pedem à ANS maior proteção aos planos coletivos para evitar abusos, como os cortes de beneficiários “mais caros” para a operadora. “Os planos individuais sumiram do mercado, isso não poderia ocorrer. O consumidor não tem opção. A única saída são os coletivos. Diante dessa situação, nós, da Proteste estamos pleiteando, junto à ANS, maior regulamentação desse tipo de contratação”, defende Sônia Amaro, supervisora institucional da Proteste.

O defensor público do Distrito Federal da área do consumidor, Antônio Cintra, comenta que os casos de rescisão unilateral de administradora de serviços e planos de saúde tem crescido vertiginosamente nos últimos anos na Defensoria Pública local. “Os consumidores precisam recorrer à Justiça porque as empresas alegam que, como os planos são coletivos, estão amparados pela norma da ANS. Mas a gente mostra que as empresas estão fraudando o espírito da norma”, explica. Cintra comenta que a Defensoria tem conseguido êxito nas ações movidas contra as operadoras.
A fisioterapeuta Andressa Teixeira Abdala, 31 anos, também foi desligada do plano de saúde no início da gravidez. Ela conta que recebeu o comunicado da administradora Qualicorp informando do rompimento unilateral. Quando ela perguntou se seria inserida em um novo plano, soube que teria que cumprir carência em plena gravidez. “Me colocaram em uma associação que nem sei do que se trata para eu poder contratar o plano de saúde. Quando eu mais preciso, o plano é cortado”. Andressa procurou o Procon-DF e a Defensoria Pública. “Na Justiça, consegui rever o contrato e, se não houver cumprimento por parte da operadora e da administradora, a multa é de R$ 1 mil por dia”, conta.

A analista do Procon-DF Luciana Manes explica que a autarquia pode receber denúncias sobre rescisão unilateral e negativa de cobertura. Porém, ela lembra que a urgência desse tipo de questão tem feito as pessoas procurarem o Judiciário. “Hoje a solução para problemas de plano de saúde tem sido mais rápida judicialmente do que no âmbito administrativo”, destaca.

Prática negada

Via nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), representante das principais operadoras do país, nega que haja prática deliberada de cancelamento unilateral de contratos coletivos. A instituição informou que nos “contratos coletivos quem cancela a adesão é o contratante (pessoas jurídica) do produto – seja ele empregador, associação ou entidade de classe -, sendo observadas as regras de rescisão previstas em contrato”.

A administradora Qualicorp, empresa que as consumidoras citadas na matéria tiveram problema, informou que o cancelamento de contratos ocorreu por determinação da operadora de saúde, “mesmo diante do esforço da Qualicorp em reverter a situação”.

Glossário

Planos individuais ou familiares: são os contratados pelo beneficiário, com ou sem seu grupo familiar.
Planos de saúde coletivos: podem ser empresariais e coletivos por adesão.
Empresariais: são os planos contratados em decorrência de vínculo empregatício de funcionários.
Coletivos por adesão: são contratados por pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial para seus vinculados (associados ou sindicalizados, por exemplo).

Cancelamento

>> O cancelamento de um plano de saúde pode ser feito pelo consumidor a qualquer tempo.

>> Hipóteses para rescisão de contratos por parte da operadora:

PLANOS INDIVIDUAIS:

1) Por fraude comprovada por parte do consumidor;
2) Por não pagamento da mensalidade por mais de 60 dias, consecutivos ou não, durante os últimos 12 meses de vigência do contrato, desde que o consumidor tenha sido comprovadamente notificado até o 50º dia do atraso.

PLANOS COLETIVOS:

1) Sem motivos após a vigência do período de 12 meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de 60 dias;
2) Antes dos primeiros 12 meses de vigência, se motivada por uma das causas de rescisão previstas no contrato;
3) Antes dos primeiros 12 meses de vigência, mas pode ser cobrada de multa pela outra parte, se estiver prevista em contrato.

Números: 

Cobertura:

Ano 2015
Brasil: 71.641 reclamações
DF: 3.162

Ano 2014:
Brasil: 62.960
DF: 2.715

Aumento de: 16,4% no DF e 13,7% no Brasil

Suspensão e rescisão:

Ano 2015
Brasil: 9.205 reclamações
DF: 620

Ano 2014:
Brasil: 7566
DF: 449

Aumento de: 38% no DF e 21,6% no Brasil