“O rol de procedimentos da ANS é uma câmara que todos vão lá e dão a sua opinião. Fichinha de pedido igual em um bar”, diz presidente da FenaSaúde

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ENTREVISTA // MARCIO SÊROA DE ARAUJO CORIOLANO

O serviço de plano de saúde tornou-se uma das relações de consumo mais sensíveis no Brasil. O modo como se dá o atendimento não agrada nenhuma das três partes envolvidas no processo. Tanto pacientes, quanto médicos como a operadora reclamam do modo como o sistema funciona. O resultado da insatisfação é a má prestação do serviço e o aumento das queixas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos órgãos de defesa do consumidor, como os Procons. Para tentar melhorar o atendimento, a agência tem aplicado punições como multas e proibição de comercialização. Entretanto, a qualidade não tem melhorado e as operadoras alegam que as penalidades recorrentes não são suficientes para resolver as questões mais profundas do segmento.

Em entrevista ao Correio, Marcio Serôa de Araujo Coriolano, presidente da Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as principais operadoras de plano de saúde do Brasil, critica a legislação atual e a atuação da ANS. Para ele, a agência faz regulação Band-Aid, mais focada no comportamento das operadoras do que nos gargalos do setor. Coriolano ataca também como se dá a inclusão de procedimentos no rol da ANS. “É uma câmara em que todos dão a sua opinião. Fichinha de pedido igual em um bar”.
Coriolano defende ainda o fim do controle de preços da ANS para planos individuais, o que, para ele,que inviabilizou a modalidade no Brasil. Além de representar o setor, Coriolano é presidente da Bradesco Saúde e da Mediservice. Antes de ingressar no Grupo Bradesco Seguros, Marcio ocupou o cargo de superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep) – órgão do governo federal responsável pela regulamentação do setor de seguros no Brasil, onde trabalhou de 1993 a 1996.

As operadoras de planos de saúde ganharam muita visibilidade nos últimos tempos, não só pelas queixas dos consumidores quanto pelas constantes punições da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Quais são as dificuldades do setor em melhorar o serviço?

Coriolano: A ponta do iceberg, isto é, a parte visível da crise, é a incapacidade que grande parte do setor privado tem de poder cumprir a legislação. E por quê? O Brasil não tem infraestrutura médica homogênea no país para exigir que os planos de saúde cubram todas as doenças. Você não tem especialidade médica em todo o país, não tem hospital especializado, não tem laboratório especializado em todo o país…

O senhor acredita que a regulação para o setor é muito exigente? Afinal, a determinação de cobertura vem com a lei dos planos de saúde de 1998…

Coriolano: Isso.. Na verdade, você tem uma incompatibilidade entre a exigência legal e a dura realidade do nosso país. Isso tem que ser olhado agora. A ANS não é só um órgão de punição de infração, tem que cumprir o papel dela de regular o setor. Mas o que a gente observa é que, se o cara não consegue cumprir as exigências, não dá a cobertura, ela pune. Se não atende naquele prazo, ela pune também. Só que os planos de saúde não conseguem dar isso. Outro gargalo do sistema brasileiro é que o custo cresce muito por vários fatores, um deles, é porque não existe critério para analisar o custo-benefício da introdução de tecnologia médica no país. A cada dia entra mais tecnologia, entra mais cara e você é obrigado a cobrir a nova tecnologia…

A inclusão de novas tecnologias aos tratamentos é automática? O setor precisa colocar de uma maneira imediata na cobertura?

Coriolano: De dois em dois anos, a ANS coloca essa tecnologia no rol. De dois em dois anos anos ela atualiza o rol. Funciona assim: a agência diz você tem que cobrir cirurgia de coluna, só que todo santo dia tem uma nova coluna sendo fabricada e custando mais caro do que a anterior. Todo santo dia tem um novo medicamento, e tudo coberto pelo rol, com o dobro do preço. A indústria é muito ativa para fazer inovação aumentando custo. Uma coisa que a gente preconiza é que haja, como em outros lugares do mundo, uma instância que cuide de analisar. “Vem cá, essa tecnologia nova vai trazer algum benefício? Ou só está trazendo custo.

O senhor fala que entre os planos de saúde há uma dispersão de representatividade do setor. Muitos representantes. Isso não atrapalha o diálogo com a agência reguladora?

Coriolano: Tem coisas que a gente não tem que consertar. A gente tem que ajudar a reequilibrar. Quando eu digo que há dispersão não é para reclamar, eu não estou reclamando de nada. Começou assim e vai continuar assim. A Unimed tem uma característica própria, tem que ter uma representação própria. A FenaSaúde foi criada porque representa as mais consolidadas. A convergência não precisa fazer criando uma nova entidade, é preciso converter visões, questões e soluções. A gente quer que a sociedade toda discuta.

Os planos individuais estão raros no mercado, as operadoras não querem mais vender esse tipo de serviço. O que inviabilizou os planos individuais?

Coriolano: O controle de preços feito pela agência reguladora inviabilizou totalmente esse tipo de serviço, foi na mão contrária dos custos.

Tem um projeto de lei na Câmara que pretende fazer controle de preços para os planos coletivos. Quais seriam as consequências desse projeto para o setor?

Coriolano: Vai inviabilizar também os planos coletivos. Na realidade, tinha que ser o contrário. O que aconteceu quando houve controle de preços dos planos individuais? Sumiu. Agora eles vão votar os planos coletivos sumirem também? Porque na realidade ninguém é contra nada. É só observar os princípios mais óbvios e normais da vida, isso é uma empresa, uma operação. Nenhuma operação se equilibra se não tiver a margem de resultado, que garanta a sobrevivência das empresas.

Então hoje o trabalho é que esse projeto não passe…

Coriolano: Nosso trabalho é chegar para os autores e para os deputados e explicar: olha plano de saúde é isso, os fundamentos são esses, os gargalos são esses. Isto é, um trabalho que a gente tem que fazer de trazer a sociedade – leia-se sociedade como entidades de consumidores, parlamentos, executivo…

A sensação é que a regulação na área de saúde privada é feita de espamos… Ocorre um problema, vem um projeto de lei. Outra discussão, faz outro projeto de lei. Não tem um pensamento integrado…

Coriolano: Não pode ser assim. Não pode ser regulação Band-aid. Tem que trabalhar na estrutura dos problemas que vem ocorrendo. Uma coisa que dá um certo conforto é que todo mundo sabe onde está o problema.

E por que a dificuldade de solucionar?

Coriolano: Porque fica todo mundo correndo atrás de dia a dia. É preciso rediscutir o marco estrutural das questões do setor.

O marco estrutural do setor é a Lei de Planos de Saúde que faz 18 anos no ano que vem. O que precisaria ser revisto na opinião da FenaSaúde?

Coriolano: A questão da revisão do rol de procedimentos, a questão do custo-benefício. Hoje o rol de procedimentos da ANS é uma câmara que todos vão lá e dão a sua opinião. Fichinha de pedido igual em um bar: “Garçom, me dá uma batata frita?”. Não pode ser assim. O governo tem que vir com uma proposta coerente do que ele quer para aprovar os procedimentos, depois trazer a sociedade discutir.

Além da ANS, o setor também tem que cumprir as regras do Código de Defesa do Consumidor. O senhor já disse em entrevistas anteriores, que há um excesso de direitos no Brasil. O CDC é um problema para os planos de saúde?

Coriolano: A solução para isso é diálogo. Ninguém é contra o Código de Defesa do Consumidor. Só que o CDC não pode ser superior à realidade dos setores. O setor tem uma lei, que estrutura, que tem uma lógica. O setor pode não gostar da lei. O Código de Defesa do Consumidor não pode ser superior a uma lei que estrutura o setor. Se não fica uma anomalia.

O CDC pode ser responsável pela extrema judicialização entre operadora e beneficiário?

Coriolano: O comportamento do Judiciário, das pessoas buscando os direitos junto ao Judiciário, que só algumas pessoas podem ter, eu acho que isso é um problema. Não é que os consumeristas estejam errados. Todo mundo tem direito de acionar a Justiça, mas não é assim que se conquista a estabilidade de um direito. Um dia ela tem sucesso, outro dia, não.

No Fórum da Saúde Suplementar, promovido pela FenaSaúde, o modelo de seguros dos Estados Unidos foi muito discutido. O que poderia ser aproveitado pelo Brasil?

Coriolano: A gente não quer macaquear os americanos não, não é isso. A questão é que as mudanças de paradigmas mais recentes no mundo em relação a saúde privada por feita lá. É muito mais por proximidade história e oportunidade do que por qualquer coisa. Não é que o modelo americano seja melhor do que o canadense, do que o inglês, do que o australiano, os sistemas mais importantes do mundo em termos de reestruturação. Não é isso. Lá fizeram várias mudanças recentes que a gente acha que a gente pode se inspirar…

Tipo o quê?

Coriolano: Na realidade são três coisas importantes: uma delas é que eles criaram entidades médicas que conseguiram implantar o modelo de integralizar o cuidado médico. O que significa isso: evitar desperdícios, concentrar esforços – que eles chamam de Accountable Care Organization. A primeira coisa que a gente quer trazer pra cá é exatamente a mudança em um sistema de saúde, com paradigma centrado no cuidado com as pessoas. Nos Estados Unidos essa mudança de paradigmas trouxe duas coisas: uma melhor centralização no paciente. No Brasil, existe uma dispersão de cuidados muito grande. Lá não, o paciente ficou no núcleo central, o que elimina desperdícios e leva ao melhor tratamento para o paciente.

Às vezes diferentes especialistas pedem os mesmos exames…

Coriolano: E pior… as pessoas falam: estou com dor de cabeça, deve ser pressão alta. Vai no cardiologista. Ele não tinha pressão alta, ele tinha que ir no clínico geral antes. Enfim, existe uma dispersão muito grande. Dispersão não gera só custo, gera sofrimento para as pessoas. É preciso um modelo descentralizado de atendimento, com isso, você reduz sofrimento, obtém diagnóstico mais rápido e tratamento mais rápido. Por outro lado, reduz custos.Tudo na saúde é muito caro. Mas essa questão de ser caro tem vários aspectos que devem ser observados. Nos Estados Unidos, para reduzir custos, eles implantaram o modelo de centralização no paciente e, ao invés de remunerar o médico por cada procedimento que ele faz, cada visita, cada consulta, ele é remunerado porque consegue apresentar.

A FenaSaúde defende um sistema mais integralizado entre médico, operadora e paciente para otimizar os custos?

Coriolano: Não existe um modelo único. Não existe uma única só forma de organizar um sistema de saúde privado. Existem várias. Depende da região, da prestação de serviço, do perfil da população. A Accountable Care organizations – esse nome bacana – é o hit que tem dado certo nos EUA, mas tem outras tantas. Eles foram fundados nessa questão de não remunerar cada ato médico, mas remunerar ou pelo pelo diagnóstico ou pelo cuidado.