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Indústria do Distrito Federal tem prejuízos com a crise hídrica
Por Flávia Maia e Walder Galvão
O racionamento de água vem causando prejuízos à indústria do Distrito Federal. Praticamente metade das 5.530 fábricas instaladas na capital do Brasil utilizam o líquido em sua produção. Dessas, 42,4% alegam que tiveram a produção prejudicada nas mais diversas escalas, a depender da necessidade do insumo na atividade fabril. A expectativa é que a margem de lucro tenha caído em até 5%. Os dados fazem parte da Pesquisa Impacto do Racionamento de Água no Setor Industrial no Distrito Federal desenvolvido pela Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Instituto Euvaldo Lodi (IEL-DF), e obtida com exclusividade pelo Correio.
O estudo fez um levantamento ouvindo a experiência dos empresários industriais durante a vigência do primeiro ano de interrupções no serviço de água. Cerca de 15,3% alegam perdas financeiras por conta do rodízio. “É um prejuízo a mais em uma indústria que vem de anos difíceis”, analisa Jamal Bittar, presidente da Fibra. Ele explica ainda que o impacto da falta de água só não foi mais significativo por causa do desaquecimento da atividade industrial no Distrito Federal.
“A nossa preocupação é com este ano de 2018, em que se observa a melhora na economia e o crescimento na produção. Em 2018 o impacto será mais preocupante”, alerta o presidente da Fibra.
Informações da Agência Reguladora de Águas (Adasa) mostram que das mais de 5 mil plantas industriais do DF, apenas 360 tem sistemas próprios de água – 347 têm poços artesianos e 13 tem captação direta no rio. As demais, precisam utilizar água da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Por isso, a estatal afirma que, embora não possa separar a indústria do racionamento semanal, se esforça para superar a crise hídrica investindo em novas captações e na redução das perdas do transporte do líquido. A indústria somada ao comércio estão entre os principais clientes da empresa.
A pesquisa da Fibra trouxe um dado preocupante: quase 70% das indústrias não tem fontes alternativas de uso de água, como o reuso. Outro dado que evidencia a dependência da água da Caesb é que apenas 6,8% fazem algum tipo de captação. A explicação da Fibra é a de que a capacidade de investimento da indústria está baixa. “Nesse momento de crise econômica, a indústria não consegue. Uma obra de captação, por exemplo, exige uma engenharia mais custosa”, analisa Jamal. Por isso, o impacto da falta do insumo na produção do DF. Várias regiões industriais, como o Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) e Taguatinga Sul, não podem ter poços artesianos.
A Adasa reforça que a liberação de autorizações para novas captações e poços vão depender da disponibilidade hídrica. “O interessado coloca no formulário informações como local, demanda e finalidade que quer a autorização de uso da água. A gente analisa de acordo com a disponibilidade do aquífero. Regiões como as abastecidas pelo Descoberto estão com restrições de 75% do uso, por isso a Adasa não pode liberar”, comenta Rafael Mello, superintendente de recursos hídricos da Adasa.
Os segmentos de alimentos e bebidas são os que mais demandam água entre os tipos fabris existentes no DF. Em seguida, vem a construção civil. O que preocupa o setor é que não há previsão de diminuição de término do racionamento. De 2014 a 2017, o uso de água na indústria vem reduzindo drasticamente – passou de 40,9 mil litros anuais por unidade para 26,4 mil litros. O que evidencia o desaquecimento do setor e os prejuízos da falta do insumo.
Caminhão-pipa
Com um dia da semana sem água, o dono de uma marmoraria no SIA, Carlos Roberto Oliveira Mourão, 55 anos, se adaptou: dobrou o armazenamento de água, recorre ao caminhão-pipa a cada 15 dias e instituiu o reuso com água da chuva. “Uso o caminhão-pipa porque a água que eu uso na máquina que corta o mármore não precisa ser potável. Além disso, reaproveito a água da chuva”. O uso do caminhão-pipa foi uma das principais alternativas encontradas pelos industriais para contornar o racionamento.
Roberto Bontempo, 54 anos, tem uma fábrica de móveis em Taguatinga Sul. Ele conta que conseguiu reduzir o consumo de água em 30% ao trocar a caixa d’água que tinha uma grande pressão por outra menor. Além disso, colocou uma garrafa pet nas descargas dos oito banheiros da empresa. “Não senti a crise hídrica e minha produção não foi afetada. Comecei as medidas antes do racionamento para economizar”, comenta.
Desde 1999, a marmoraria de Redelvino Junior,36 anos, tem sistema de reaproveitamento de água. O dispositivo capta água que cai do maquinário, encaminha para as caixas de tratamento e conduz até o reservatório, de 10 mil litros. Segundo o proprietário o reaproveitamento chega até a 90%. “As máquinas que cortam o mármore precisam utilizar água para resfriar o material e impedir que a poeira se alastre. Com isso, usamos cerca de 9 mil litros de água por hora”, comenta. Com o início do racionamento no Distrito Federal, o empresário passou a realizar limpeza a seco no local, instalou uma caixa d’água para uso dos funcionários e passou a lavar os veículos mensalmente.
Mesmo com o reaproveitamento do recurso, a conta de água da empresa chega até R$ 3 mil. Redelvino ressalta que o sistema de reuso impediu que a indústria sofresse prejuízos durante os períodos sem água. “Nosso nível de produção está baixo por conta da crise econômica do país. Se o nível de produção estivesse alto, igual antigamente, teríamos grandes problemas com o racionamento”, pondera. O empresário comenta que a fiscalização foi intensificada depois que o rodízio de água foi implementado.
Para o professor Charles Dayler, professor de engenharia e arquitetura do Iesb, uma boa solução para a falta de água é investir no reuso de água. “O problema é que o reuso é caro, pouco difundido e as residências e indústrias não estão preparadas para dois tipos de água – a tratada e a de reuso. A indústria não precisa de água tratada para várias de suas atividades”, explica.
Na opinião do especialista, linhas de crédito em bancos públicos, como o Banco de Brasília (BRB) seriam uma boa alternativa para alavancar o reuso. A Adasa explica que também apoia o reuso como alternativa. A prática deve ser comunicada à agência se houver algum tipo de interferência na rede, como produção maior de esgoto, por exemplo.
Para saber mais:
A crise hídrica instaurada no Distrito Federal vinha sido alertada por especialistas e é um problema que se arrasta por várias administrações. Entre 2000 e 2015, a única obra realizada foi a do Rio Pipiripau, em Planaltina, e custou R$ 15 milhões. Uma média de R$ 1 milhão por ano. Nos dois últimos anos, a média anual subiu para R$ 50 milhões em investimento. Com sistemas feitos às pressas, a oferta de água cresceu 16,5% em dois anos. Em 2016 e 2017, foram gastos cerca de R$ 100 milhões em novas captações, como a do Bananal e o flutuante do Lago Paranoá, além da reativação de captações, como a dos córregos Alagados e Crispim, no Gama. Se contar o investimento no Sistema Corumbá, a cifra chega a R$ 314 milhões.
Três perguntas para Maurício Luduvice, presidente da Caesb
1) A indústria informa que o impacto do racionamento só não foi maior porque a produção em 2017 foi baixa. Entretanto, eles estão preocupados com 2018 com o aquecimento da atividade. Como vai ser o ano para esse setor produtivo?
Estamos em uma situação hídrica melhor do que ano passado. Entretanto, ainda é cedo para assumir o final do racionamento. Vamos aguardar o final da temporada de chuva.
2) O incremento na produção de água vai beneficiar a indústria?
Sem dúvida. Estamos trabalhando para superar a crise hídrica e vamos superá-la. É questão de tempo. Atacamos os dois pilares: fizemos investimentos na produção de água e na redução das perdas. Os resultados estão sendo vistos, com a recuperação dos reservatório. Queremos superar crise hídrica o quanto antes e beneficiar a comunidade.
3) Existe algum projeto específico para o grupo consumidor da indústria?
Não. A gente aplica o racionamento de uma forma geral, por sistema de abastecimento. Não dá para segregar. A gente reconhece a dificuldade da indústria, que é um cliente importante. O racionamento teve impacto na arrecadação da Caesb. A gente sabe da dificuldade, o momento é de fazer o esforço e superar.
A Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) promove até o dia 31 de dezembro condições especiais para o pagamento de dívidas com a empresa. Entre as vantagens estão a possibilidade de negociação, com flexibilização do parcelamento e redução de juros. Os interessados devem ir a uma unidade de atendimento da Caesb e assinar um Termo de Reconhecimento de Dívida ou acessar o site da companhia. O programa é destinado a todas as categorias de clientes: residencial, comercial, industrial e pública, com faturas vencidas há mais de 120 dias.
Para ter acesso na internet, o usuário deve se cadastrar no site e, após validação do cadastro, acessar o link “Negociação de Débitos”. Assim como acontece no atendimento presencial, é requerida uma entrada mínima de 10% do débito ou 20%, quando se tratar de dívida negociada anteriormente. As contas com tarifa de contingência não podem ser parceladas, elas deverão ser somadas à entrada do parcelamento.
A negociação online não poderá ser realizada nos casos de débitos objeto de cobrança judicial; parcelamentos para condomínios e inscrições agrupadoras de condomínios individualizados.
Mais informações podem ser obtidas pela Central 115 ou no Caesb Online.
Tira-dúvidas:
1) O que é o Programa de Negociação de Débitos?
É um Programa de Negociação de Débitos com redução gradativa dos jutos moratórios e juros dos parcelamentos incidentes sobre o saldo devedor, incluindo aqueles integrantes de demandas judiciais.
2) A quem se destina?
A todas as categorias de usuários da Caesb: residencial, comercial, industrial e pública, na qualidade de pessoas físicas ou jurídicas, com faturas vencidas há mais de 120 (cento e vinte) dias.
3) Quando acontecerá?
A vigência do programa será de 20/11 a 31/12.
4) Como é o programa?
Os débitos do PND serão negociados considerando as seguintes proporções:
1. 99% (noventa e nove por cento), para pagamento à vista;
2. 90% (noventa por cento), para pagamento em até 06 (seis) parcelas mensais, incluindo-se a entrada;
3. 80% (oitenta por cento), para pagamento entre 07 (sete) e 12 (doze) parcelas mensais, incluindo-se a entrada;
4. 70% (setenta por cento), para pagamento entre 09 (nove) e 18 (dezoito) parcelas mensais, incluindo-se a entrada;
5. 60% (sessenta por cento), para pagamento em entre 19 (dezenove) e 24 (vinte e quatro) parcelas mensais, incluindo-se a entrada.
O parcelamento está condicionado ao pagamento de uma entrada mínima de 10% (dez por cento) do valor da dívida atualizada. No caso de reparcelamento, a entrada mínima será de 20% (vinte por cento) do valor da dívida atualizada. Os descontos oferecidos incidirão somente sobre os juros moratórios e de parcelamento, mantendo-se inalterados os valores originais faturados atualizados. Os valores relativos à tarifa de contingência que compõem os débitos a serem parcelados, bem como de multa por atraso, juros e atualização monetária decorrentes dessa tarifa, deverão ser adicionados à parcela de entrada da negociação, sendo que não incidirá desconto sobre os juros relativos à tarifa de contingência.
5) O que é necessário para adesão?
Assinar, em uma unidade de atendimento da Caesb, um Termo de Reconhecimento de Dívida.
6) Qual a documentação exigida?
Documento de propriedade, posse ou ocupação do imóvel e documentos pessoais.
7) O consumidor pode escolher a(s) fatura(s) para pagamento através do programa?
Havendo mais de uma fatura pendente de pagamento, é facultado ao usuário, no ato de adesão ao PND, a indicação da(s) fatura(s) que será (ão) incluída(s) no Programa, no caso de pagamento à vista. Se for parcelado, serão incluídas todas as contas pendentes de pagamento.
8) É possível desistir do programa?
Não, uma vez que a adesão ocorre com o pagamento do débito.
9) É necessário alguma garantia para adesão ao programa?
Não. A ideia é facilitar ao máximo, dentro da lei e do regulamento do programa, a regularização das dívidas. Portanto não há necessidade de avalista, fiador ou garantias reais mobiliárias e imobiliárias.
Caesb é uma das empresas mais caras do país
Os custos da crise hídrica vão chegar ao consumidor a partir de junho. A Caesb está em fase de elaboração da planilha para pedir a revisão anual de tarifa. Como o racionamento tem elevado o gasto de operação da empresa, ele deve ser um dos principais pesos na composição do reajuste. As horas extras de funcionários, a manutenção das interrupções e o rompimento das redes por causa do rodízio são os principais responsáveis pela elevação do preço, segundo o presidente da Caesb, Maurício Luduvice. “Todos esses custos precisam ser considerados na revisão tarifária. A Caesb precisa sobreviver como empresa”, afirma.
A companhia ainda não sabe mensurar quanto está gastando a mais com a operação crise hídrica e quanto será necessário subir o valor da tarifa para manter as contas da empresa saudáveis. A Agência Reguladora de Águas (Adasa) informou que vai analisar os dados enviados pela Caesb e se, necessário, concederá o aumento, desde que justificado.
Em 2016, o reajuste foi de 7,98% para consumidores residenciais. Desde 2010, a Caesb subiu 79,8% o preço do m³ de água, o que a deixa entre as 10 empresas mais caras do país. “Oferecemos água de excelente qualidade e com ótimo padrão de atendimento. Tem cidade brasileira que todo dia falta água e não é por escassez hídrica”, explica Maurício Luduvice.
A tarifa de contingência também será usada para os gastos com a crise hídrica. Entretanto, o dinheiro ainda está em uma conta sem uso porque falta regulamentação de como a verba pode ser usada. O valor acumulado está em R$ 9,3 milhões. Esta semana haverá uma audiência pública para discutir a minuta da resolução que já está disponível no site da Adasa. Após esse rito, o dinheiro pode ajudar a custear os gastos com a crise.
Racionamento chega ao Plano Piloto; entenda como funciona o rodízio em todo o Distrito Federal
Veja como será o racionamento no Plano Piloto e em outras regiões do DF
Na segunda-feira (27/2) começou a ampliação do racionamento de água no Distrito Federal para as regiões abastecidas pelo sistema Santa Maria/Torto. Agora, são 26 regiões atingidas pelo corte de água. Confira o tira-dúvidas de como vai funcionar a interrupção na capital do país:
Quem terá que racionar água no Distrito Federal?
Moradores de 26 regiões abastecidas pelos dois principais reservatórios da cidade: o Descoberto e o Santa Maria/Torto. Juntos, eles são responsáveis por levar água à 82% da população do DF, ou seja, 2,4 milhões de pessoas.
Por que terei que racionar água?
Desde novembro, a Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa) autorizou a Caesb a fazer um plano de racionamento caso o volume dos reservatórios ficassem abaixo de 20%. Em janeiro, a Barragem do Descoberto atingiu a marca de 18,69% e, para conter o rebaixamento, a Caesb colocou o plano em ação nesse reservatório. Em fevereiro, a Adasa diminuiu a vazão da captação da Caesb, ou seja, a empresa não pode tirar água do rio na mesma quantidade que tirava antes. Por isso, a empresa optou por fazer racionamento também para os abastecidos pelas águas do Sistema Santa Maria/Torto. A ideia é economizar 12% de água com a medida, no Sistema Santa Maria/Torto. No Descoberto, em janeiro, a economia chegou a 14%.
Quem está de fora do racionamento?
A Esplanada dos Ministérios, Setores Hospitalares Sul e Norte e cidades abastecidas por sistemas isolados, de captação direto no rio ou por poços artesianos, é o caso de Sobradinho, Planaltina e São Sebastião.
Como vai funcionar o racionamento. Serei avisado com antecedência?
A Caesb montou um calendário com as datas em que cada região ficará sem água. A data de racionamento é publicada na edição impressa e online do Correio e no site da Caesb.
Por quanto tempo ficarei sem água?
O ciclo proposto pela Caesb dura seis dias. A interrupção dura 24h – das 8h às 8h. Em seguida ao religamento, o consumidor pode ficar com o serviço instável por até 48 horas. Depois, fica com água normal por 72 horas.
Continuo com a pressão das torneiras reduzidas das 7h às 19h?
Sim. A redução de pressão da água pelos canos não foi interrompida por causa do racionamento.
Continuo pagando tarifa extra para consumo acima de 10 mil litros mensais?
Sim. Todas as medidas de contenção de consumo continuam em vigor.
Quanto tempo vai durar o racionamento?
Ainda não há prazo para o fim da medida. Vai depender da recuperação dos manaciais do Descoberto e do Santa Maria/Torto de modo que eles se recomponham para garantir o abastecimento no próximo período de seca.
Como devo me preparar para o racionamento?
A Caesb indica que todas as casas, prédios e comércios tenham reservatórios como caixas d’água. Eles devem estar preparados para o dia de interrupção do serviço.
Os serviços públicos funcionarão nas regiões sem água?
Sim. Hospitais, delegacias e escolas serão abastecidos por caminhões-pipa, caso a água das caixas d’águas não seja suficiente.
Mais dúvidas? Envie para flaviamaia.df@dabr.com.br ou pelo Whatsapp:
Brasilienses reduziram em 21,69% o consumo de água; mas é preciso mais, dizem especialistas
Racionamento, redução de pressão e economia dos moradores foram importantes na redução
A crise hídrica do Distrito Federal entra em mais um capítulo decisivo na tentativa de contenção de consumo. Com a inclusão das regiões abastecidas pelo sistema Santa Maria/Torto no racionamento diário, já são 2,4 milhões de pessoas convivendo com a falta de água nas torneiras. Dessa forma, o rodízio atinge mais de 80% da população. Fora as outras medidas implantadas, como a tarifa extra para gastos acima de 10 mil litros mensais e a redução de pressão nos canos. Sem a recuperação dos níveis dos reservatórios como o esperado, as perspectivas são pouco animadoras. Especialistas, a Agência Reguladora de Águas (Adasa) e a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) são unânimes em afirmar que é preciso poupar o que ainda tem de água para o período da seca, que se inicia, em, no máximo, três meses.
Com seis meses de estado de escassez hídrica, o Distrito Federal conseguiu reduzir o consumo de água em 21,69%, o que corresponde ao gasto diário de 724 mil pessoas, segundo dados da Caesb. Embora os números indiquem que as medidas de contenção tenham dado resultado, ainda são insuficientes e chegaram tarde, uma vez que os reservatórios não conseguem se recuperar na velocidade necessária para passar pelo próximo período de estiagem. Para que a Caesb consiga cumprir as metas das últimas resoluções da Adasa, é preciso economizar pelo menos uma vez mais o que já foi reduzido. Isso contando apenas a área urbana, sem levar em conta as reduções feitas na parte agrícola do DF.
Para os especialistas, as medidas de contenção deveriam ter sido implementadas antes para evitar o colapso hídrico que se aproxima e o sacrifício cada vez maior no dia a dia da população. Entretanto, as políticas acabaram esbarrando na inexperiência com a situação e na esperança de que as chuvas viriam com o mesmo comportamento dos anos anteriores. O que não ocorreu. Em nome da segurança hídrica, a Caesb e a Adasa não descartam a hipótese de estender o racionamento para dois dias por semana em cada uma das 26 regiões já afetadas pelo rodízio.
“A tendência é apertar cada vez mais, inclusive com dois dias de racionamento”, acredita Marta Eliana, promotora de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema) do Ministério Público do DF (MPDFT). “Estou muito preocupada. Fui a uma reunião em que a Defesa Civil trabalha com simulações de um desastre hídrico, com Brasília sendo atendida por caminhões-pipa. Por isso, agora é economizar o máximo. Cada gota conta”, complementa. Para ela, embora as chuvas tenham diminuído, a principal causa do problema atual é a falta de gestão e de investimentos em sequentes administrações distritais.
Crítico da velocidade das ações do governo local para conter a crise hídrica, Henrique Leite Chaves, professor de manejo de bacias hidrográficas da Universidade de Brasília, acredita que agora é momento de pensar adiante e esquecer os erros estratégicos do passado. “Estamos caminhando na direção certa. Defendíamos o rodízio no sistema Santa Maria/Torto e ele foi implementado. Pedíamos o plano de abastecimento emergencial no Lago Paranoá e o foi feito. Vamos olhar pra frente porque a situação é grave e requer atenção”. Embora o Ministério da Integração Nacional não tenha sinalizado a liberação da verba de R$ 50 milhões, a Caesb pediu a licença ambiental para a obra de captação emergencial no Lago Paranoá.
O diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles, acredita que a economia realizada é fruto das ações implementadas. Para ele, é a primeira vez que o DF passa por essa situação, o que justifica o cuidado nas ações. Assim como a Adasa e a Caesb esperavam que o comportamento das chuvas fosse melhor do que vem ocorrendo. “É claro que nós não estamos satisfeitos com a situação. Mas achamos que as medidas são acertadas. A Adasa não pode só olhar para o reservatório, encher na marra. Se fosse assim, a gente trancava tudo: cinco dias de racionamento, agricultura sem água. Temos que pensar no todo”.
A economia de água tem chegado aos lares brasilienses. O consumo médio está em 153 litros por dia por habitante. Embora continue um dos mais altos do país, caiu. Em 2015, era de 190 litros. São estratégias como a do motorista Marcelo Augusto da Silva Gibson, 43 anos. Na casa dele no Jardim Botânico os banhos são cronometrados, as lavagens de roupa uma vez por semana e há uso de piscina inflável para recolher água das chuvas e lavar a varanda. O motorista vive com outros oito integrantes da família e conta que desde o início da crise hídrica não pagou taxa extra. “Estamos fazendo o possível para economizar. Minhas duas filhas [de 9 e 11 anos] estão tomando banho juntas. No início, elas não gostavam, mas agora já entendem”.
Carnaval sem água
As medidas tomadas para conter o consumo no Rio Descoberto começam a surtir efeitos. Em seis meses, o consumo reduziu 25% – o suficiente para abastecer 500 mil pessoas diariamente. Entretanto, o nível continua preocupante, atualmente, ele está em 38% enquanto na mesma época do ano passado, registrava 85%. O Santa Maria/Torto economizou o suficiente para abastecer mais de 200 mil pessoas, mas a recuperação desse sistema está mais lenta. Assim, embora o reservatório tenha mantido índices maiores de volume durante a crise, ele está com dificuldades de recuperação. Por isso, se tornou o foco das ações e, com o racionamento, espera-se diminuição de mais 12% no consumo.
Hoje, Lago Norte, Varjão e condomínios do Jardim Botânico serão os primeiros abastecidos pelo Santa Maria/Torto a sofrerem com o corte. Amanhã será a vez da Asa Norte e Noroeste. Na Asa Norte, os foliões são a principal preocupação. Pelo menos cinco blocos estão agendados no mesmo dia do racionamento: Pacotão, Calango Careca, Bloco Espírita Celta e Ventoinha na Tesourinha.
Quem não tem caixa d’água está preocupado com os prejuízos. A cabeleireira Bianca Cruz, 38, vai fechar o salão no Varjão. O estabelecimento recebe água direto da rua. Para ela, não tem como estocar água, pois não sabe a quantidade necessária para um dia de trabalho. “O número de atendimento varia muito dependendo do dia. Não tem como atender sem água, como vai lavar o cabelo das clientes, fazer unha, limpar as coisas?”, questiona.
Colaboraram Priscilla Miranda, estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte e Gabriella Bertoni, especial para o Correio
A Caesb justificou que a Esplanada não pode parar e que o trecho é pequeno
Embora seja abastecida pelo sistema Santa Maria/Torto, a Esplanada dos Ministérios não participará do racionamento de água que começa a partir da próxima segunda-feira (27/2). Assim, ministérios, tribunais superiores, Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada e o Congresso Nacional não ficarão sem água. As informações são do presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), Maurício Luduvice. A falta de água nos prédios federais era uma das principais dúvidas quanto ao rodízio, uma vez que coloca a crise hídrica em nível nacional. “O trecho é pequeno. Optamos por manter o abastecimento normal para não atrapalhar o funcionamento dos prédios públicos e das decisões nacionais”, explicou.
Entretanto, os prédios do governo local e os de embaixadas não serão poupados e devem obedecer ao cronograma proposto pela empresa.
A ampliação do racionamento começa a partir da próxima segunda-feira (27/2) e deve atingir cerca de 500 mil pessoas, fora a população flutuante que vem trabalhar na área central de Brasília. Somando com os moradores das regiões abastecidas pelo rio Descoberto – que já passa por corte de água -, serão 2,4 milhões de pessoas atingidas com o rodízio de água na capital do país.
A Caesb resolveu estender o rodízio de água ao sistema Santa Maria/Torto após resoluções da Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa) que diminuíram a captação de água nos reservatórios do DF. De acordo com a Adasa, a medida fez-se necessária pela escassez de chuvas e a dificuldade de recomposição dos reservatórios para o período de seca.
Mesmo com racionamento e alta nos reservatórios, a taxa vai continuar
Desde novembro as faturas da conta de água chegam com um extra de até 40% para as residências que consomem acima de 10 mil litros do líquido por mês. Mesmo com um mês de racionamento, o aumento das chuvas e os reservatórios acima de 30% da sua capacidade, a Agência Reguladora da Águas (Adasa) informou que não tem prazo para cessar a cobrança.
De acordo com a agência, a tarifa de contingência fica vigente enquanto houver “situação crítica de escassez hídrica”, o que, segundo a agência, não tem um prazo definido, “mesmo com a chegada das chuvas e a elevação dos níveis dos reservatórios”. Por nota, a Adasa comunicou que a determinação da falta de prazo segue a resolução que instituiu a taxa.
A tarifa extra conhecida como tarifa de contingência começou a valer em 25 de outubro de 2016, quando o nível do reservatório do Rio Descoberto chegou a 25%. Segundo os cálculos da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), os 40% são cobrados sobre o valor da água. Como a fatura é composta metade por água, metade por saneamento básico, o impacto no bolso do consumidor é de 20% na fatura total.
O valor adicional vem discriminado no boleto a ser pago, em modelo similiar às bandeiras tarifárias da energia elétrica. O dinheiro arrecadado é destinado para uma conta contábil e a quantia só pode ser usada para investimentos ou custos relacionados à crise hídrica.
O acréscimo de valor na conta de água devido à escassez é previsto na lei federal do Saneamento Básico. Estados como São Paulo e Ceará já fizeram uso do dispositivo.
>> Tira-dúvidas:
Quem vai pagar a tarifa de contingência?
Consumidores residenciais e comerciais que gastarem mais de 10 mil litros por mês.
Quando a tarifa vai ser cobrada?
A partir do momento que o reservatório do Descoberto chegar ao nível de 25% do volume.
Qual será o valor?
Contas acima de 10 mil litros terão acréscimo de 40% no valor cobrado pela água. Como a fatura é composta por água e esgoto, o impacto no preço final será de 20%.
Como vai vir na fatura?
O modelo será similar à cobrança das bandeiras tarifárias na energia elétrica. Ou seja, o consumidor vai saber quanto está pagando por consumir mais água. Porém, o valor será somado e pago no mesmo código de barras.
Quem tem isenção?
Consumidores que gastam menos de 10 mil litros de água por mês, hospitais, hemocentros, centros de diálise, pronto-socorro, asilos e presídios.
E os consumidores comerciais?
A tarifa comercial já é mais alta do que a residencial. Dessa forma, esse grupo pagará 20% a mais sobre o valor da água se consumir mais de 10 mil litros. Como a fatura é dividida com saneamento, o impacto na quantia final será de 10%.
Como a tarifa vai funcionar no caso dos condomínios sem hidrômetro?
Para composição da tarifa, a Caesb divide o consumo pela quantidade de unidades. Se o consumo por unidade for superior a 10 mil litros, o condomínio paga a tarifa.
Saiba quanto de água se gasta em cada atividade para não armazenar além da conta
Caesb recomenda não estocar mais que o necessário no dia do racionamento
O receio de ficar sem água levou os moradores das regiões atingidas à estocarem o líquido – alguns em quantidade superior ao necessário por 24 horas. Tanto a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) quanto a Agência Reguladora de Águas (Adasa) condenam a prática. Até porque se todos guardarem mais água do que o necessário, o rodízio e a economia de água perdem a razão de acontecer. “Algumas pessoas reservam mais do que o necessário porque é uma situação inédita. Percebemos situação similar quando fizemos o racionamento em Planaltina e Sobradinho. O consumo aumentou na primeira semana, mas na semana seguinte, se normalizou”, explica Igor Medeiros Silva, regulador de serviços públicos da Adasa.
Para Karina Bassan, engenheira química da Caesb, essa primeira reação de armazenar mais água do que o necessário deve-se ao fato de as pessoas não terem noção exata de quanto consomem de água e quanto cada atividade demanda do líquido. “Como é a primeira vez que temos um racionamento, isso gera insegurança. A população não tem noção de quanto gasta de água para tomar um banho ou escovar os dentes, por exemplo. A gente não tem a cultura de saber quanto realmente precisamos de água para nossas atividades diárias”, frisa.
Segundo cálculos da Caesb e da Adasa, cada morador precisa, em média, de 100 a 150 litros diários de água. Dessa forma, uma casa com até cinco pessoas pode manter uma caixa de 500 litros, sem a necessidade de mais estocagem. Igor explica que, pelo Código de Obras do Distrito Federal e resoluções da Adasa, é recomendável que toda edificação tenha armazenagem suficiente por 24 horas.
A Caesb orienta aos usuários que não armazenam água em baldes, tambores ou latões. “Não são recipientes adequados e podem virar foco de mosquito da dengue”, lembra Karine. O plano de racionamento começou ontem em três regiões do DF. Ao todo, serão 15 regiões administrativas afetadas pelo racionamento – todas elas abastecidas pelo rio Descoberto. O rodízio vai funcionar em um ciclo de seis dias, onde o morador fica 24 horas sem água. Em seguida, passa dois dias com o sistema instável e mais três dias com o serviço normalizado.
Atividades e consumo de água
>> Escovar os dentes:
Torneira aberta continuamente: 18 litros de água
Abrindo e fechando a torneira: 2 litros de água
>> Lavar louça:
Torneira aberta continuamente: 240 litros de água
Abrindo e fechando a torneira: 70 litros de água
>> Tomar banho:
Banho de 20 minutos: 120 litros de água
Banho de 5 minutos: 30 litros de água
>> Descarga:
Gasto de 7 a 10 litros
>> Torneira mal fechada:
Apenas gotejando: 46 litros de água por dia
Fluindo em forma de filete: 180 a 750 litros por dia
>> Lavar calçadas com mangueira:
Gasto de 120 litros
*Fonte: Caesb
Serviço:
Nesta terça (17/1), a interrupção ocorre nas regiões de Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do Gama, Polo JK e Residencial Santa Maria
Religação e estabilização: Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II.
Caesb anuncia plano de racionamento que deve afetar 1,8 milhão de moradores do DF
Plano de racionamento foi anunciado após Descoberto atingir 18,94% de volume
A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) anunciou na tarde desta quinta-feira (12/1) o plano de racionamento de abastecimento de água. A medida vai afetar 1,8 milhão de moradores do DF. Ainda não há prazo para o fim da medida. Vale lembrar que as outras medidas como a tarifa de contingenciamento e a redução de pressão dos canos de distribuição em 15 regiões continuam.
A empresa comunicou que fez a escolha por causa do baixo volume da Barragem do Descoberto, que abastece 65% da população da capital do país e atingiu nível histórico mínimo de 18,94%. A Caesb tinha autorização da Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa) desde novembro do ano passado para a execução do plano, entretanto, optou por fazê-lo agora por conta da pouca chuva registrada em janeiro de 2017.
O racionamento começa na próxima segunda-feira (16/1) às 8h nas cidades de Ceilândia, Recanto das Emas e Riacho Fundo II. O rodízio funcionará em um ciclo de seis dias: 24 horas sem água, 48 horas de estabilização do sistema e 72 horas com o serviço normalizado. Ou seja, o consumidor passará um dia sem água, dois dias com o serviço instável – aqui a pressão pode ficar menor e o fluxo da água mais lento – e três dias com o serviço normal.
“O racionamento é um grande esforço tanto para a população quanto para a empresa. Mas fez-se necessário”, explicou Maurício Luduvice, presidente da Caesb.
De acordo com a Caesb, 15 regiões administrativas passarão pelo rodízio: Águas Claras, Ceilândia, Taguatinga, Vicente Pires, Arniqueiras, Riacho Fundo I e II, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Guará, Samambaia, Recanto das Emas, Park Way, Gama Areal e Santa Maria. “A escolha foi técnica. Essas cidades são abastecidas pelo rio Descoberto”, explica Luduvice. Outras cidades como o Plano Piloto e os lagos Sul e Norte ficarão de fora do racionamento porque não são abastecidos pelo sistema Descoberto.
As regiões administrativas abastecidas pelo sistema Santa Maria/Torto sofrerão redução de pressão a partir do dia 30 de janeiro. Entretanto, a Caesb explicou que o detalhamento de como vai funcionar será comunicado após análises técnicas e aprovação da Adasa.
Calendário
16 de janeiro (segunda-feira)
Interrupção: Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II
17 de janeiro (terça-feira)
Interrupção: Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do Gama, Polo JK e Residencial Santa Maria
Religação e estabilização: Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II
18 de janeiro (quarta-feira)
Interrupção: Gama
Religação e estabilização: Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do Gama, Polo JK, Residencial Santa Maria, Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II
19 de janeiro (quinta-feira)
Interrupção: Águas Claras (zona baixa), Park Way, Núcleo Bandeirante, C.A. IAPI, Candangolândia, Setor de Postos e Motéis e Metropolitana, Vila Cauhy, Vargem Bonita, Ceilândia Leste e Samambaia
Religação e estabilização: Gama, Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do Gama, Polo JK e Residencial Santa Maria
20 de janeiro (sexta-feira)
Interrupção: Guará I e II, Polo de Modas, CABS, Lúcio Costa, SQB, CAAC, Taguatinga Sul, Arniqueiras, Areal e Riacho Fundo I
Religação e estabilização: Águas Claras (zona baixa), Park Way, Núcleo Bandeirante, C.A. IAPI, Candangolândia, Setor de Postos e Motéis e Metropolitana, Vila Cauhy, Vargem Bonita, Ceilândia Leste, Samambaia e Gama
21 de janeiro (sábado)
Interrupção: Águas Claras (zona alta), Concessionárias e Taguatinga Norte
Religação e estabilização: Guará I e II, Polo de Modas, CABS, Lúcio Costa, SQB, CAAC, Taguatinga Sul, Arniqueiras, Areal, Riacho Fundo I, Águas Claras (zona baixa), Park Way, Núcleo Bandeirante, C.A. IAPI, Candangolândia, Setor de Postos e Motéis e Metropolitana, Vila Cauhy, Vargem Bonita, Ceilândia Leste e Samambaia
22 de janeiro (domingo)
Interrupção: Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II
Religação e estabilização: Águas Claras (zona alta), Concessionárias, Taguatinga Norte, Guará I e II, Polo de Modas, CABS, Lúcio Costa, SQB, CAAC, Taguatinga Sul, Arniqueiras, Areal e Riacho Fundo I
Sob intenso calor, Barragem do Descoberto registra o menor volume da história: 18,94%
O baixo nível pode acelerar plano de racionamento
Por Flávia Maia e Priscilla Miranda, estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
A Barragem do Descoberto atingiu na manhã desta quinta-feira (12/1) o menor índice da história: 18,94%, segundo as medições feitas pela Agência Reguladora de Águas do Distrito Federal (Adasa). Até então, o volume mais baixo foi o de ontem (11/1) – 19,2%. A preocupação com o baixo volume deve-se ao fato de o reservatório abastecer 65% da população da capital do país. A última vez que a barragem chegou a ficar tão baixa foi em 19 de novembro de 2016 (19,3%). Embora tenha a autorização para implantar o plano de racionamento, a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) informou que ainda não tem prazo para a execução e que deve informar a população com antecedência de três dias.
O calor excessivo e as chuvas abaixo do esperado para o período contribuem de maneira sistemática para a queda do reservatório. Segundo informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), no último dia 9, foi registrada a terceira mais alta temperatura do DF nos primeiros 10 dias de janeiro desde o início da série histórica, em 1969. Os termômetros chegaram a 32,2ºC. A meteorologista Ingrid Peixoto explica que a média climatológica para este período do ano no DF é de 26,9°C, mas, este ano, está em 30,9°C — o que significa um desvio de 4ºC.
“A associação entre o calor e a umidade disponível na atmosfera favorecerá a ocorrência de pancadas de chuvas de forte intensidade e curta duração para os próximos dias (até 19 de janeiro), com maior frequência entre a tarde e noite”, explica Ingrid. A quantidade de chuvas nestes primeiros dias de 2017 foi de 19,9mm — menor que o mesmo período do ano passado, quando o volume de água chegou a 64,4mm. “A chuva pode vir acompanhada de descargas elétricas, rajadas de vento e queda de granizo. É importante que o brasiliense acompanhe a previsão diária e a emissão de sinais de alerta”, complementa.
Com dias tão quentes, a população está demandando mais água e, consequentemente, houve desaceleração da economia do líquido. Segundo dados da Caesb, a retirada de água da barragem estagnou em 4,4 mil litros por segundo desde o fim de 2016, o que significa uma redução de 13,7% no consumo, quando a companhia esperava algo em torno de 15% a 20%. “Com o calor, as pessoas demandam mais água e acabam economizando menos”, explica Maurício Luduvice, presidente da Caesb.
Próximo de casa, a Água Mineral é o lugar perfeito para Fatiana Sabino de Arruda, 37 anos, divertir-se com os filhos neste período de férias. Mas, como nem sempre pode sair com os pequenos, a comerciante busca outras alternativas para aliviar o calor e, ao mesmo tempo, economizar. “As crianças querem tomar banho o tempo todo, então eu coloco um balde ou uma bacia com água para eles brincarem e, com o que sobra, lavo a área externa da casa” conta. Fatiana é dona de um pet shop em Sobradinho e, no trabalho, também fez mudanças. “Trocamos a mangueira por uma ducha para diminuir a pressão e a quantidade de água gasta. Passamos a lavar a loja apenas no fim de semana e utilizando baldes.”
Ontem, a Água Mineral estava lotada de pessoas em busca de refresco para os dias quentes. A artesã Evandirlei Celino de Sousa Oliveira, 55 anos, chegou cedo ao Parque Nacional, mas foi surpreendida. “Chegamos às 6h30 e já tinha gente na nossa frente.” conta. De acordo com a mulher, que fazia um passeio com as duas filhas e os três netos, essa foi a segunda tentativa de visita só esta semana. “Por conta do calor, a gente tentou vir ontem, mas estava lotado”, lamenta.
Medidas
O clima quente e seco também contribui para a evaporação mais significativa do espelho d’água, o que ajuda a entender a queda no volume apresentada nos últimos dias no Descoberto. “Temos ainda o fato de que muitos agricultores que usam a bacia fizeram as suas plantações contando com a chuva. Com a estiagem, a saída foi usar a irrigação para não perder o plantio”, explica Luduvice. A Secretaria de Agricultura, a Adasa e a Caesb estudam um plano de manejo na região de modo a priorizar o abastecimento humano.
A preocupação com a estiagem que assola o DF levou o governador Rodrigo Rollemberg a se reunir ontem com integrantes do Inmet, da Adasa, da Caesb e da Secretaria de Agricultura para tentar entender o comportamento das chuvas na capital do país e os impactos da crise hídrica. As respostas da meteorologia são preocupantes: por dois anos consecutivos (2015 e 2016) o nível de chuva foi abaixo da média esperado. Entre as explicações estão o aquecimento global e a massa de ar quente que se instalou sobre o DF desde 20 de dezembro de 2016.
Mesmo com o cenário de baixa no reservatório, aumento das temperaturas e pouca perspectiva de chuva, a Caesb informou que ainda não tem plano de colocar o racionamento em execução. “Estamos fazendo uma série de ações para evitar o racionamento porque ele mexe com o cotidiano do cidadão e tem toda a questão operacional para a empresa”, esclarece Luduvice.
A Adasa informou que a Caesb está autorizada a implantar o racionamento e tem liberdade para atuar. Para controlar o consumo, as resoluções da Adasa continuam valendo, como a proibição de novas outorgas, restrição de horário para captação de água por meio de caminhões-pipa, redução de vazão outorgada aos usuários de água subterrânea, como lava a jatos e postos de combustíveis do DF.
A Caesb informou que está tomando medidas para amenizar a crise hídrica e que a escolha pelo plano de racionamento será técnica. A empresa já gastou R$ 28 milhões em investimentos, que foram acelerados para conter a falta de água. Além disso, mantém outras políticas para forçar o contingenciamento do uso de água, como a tarifa extra para consumo acima de 10 mil litros por mês e a diminuição da pressão de água em 15 regiões administrativas. A empresa também tem feito obras para reduzir as perdas do sistema e aumentar os pontos de captação de água, de modo a depender menos do Descoberto.
Economia
Sentindo na pele o calor e a falta d’água, a população começa a tomar as suas próprias atitudes para ajudar na crise. Na casa da aposentada Mariuza Teixeira de Macedo Ramos, 64, e do marido, Zelino Ramos, 64, a economia é um fator importante. Zelino gosta de inventar engenhocas e, antes mesmo de a crise hídrica chegar ao DF, ele já guardava água da chuva em um reservatório subterrâneo. O morador do Cruzeiro Velho está preparando ainda um sistema de abastecimento que reciclará a água da máquina de lavar e levará o recurso para três pontos da casa: banheiro, tanques e retornando para a própria máquina.
O trabalho facilitará o que Mariuza já estava fazendo: a aposentada usava essa mesma água para limpar vários cômodos. “Toda a água utilizada para lavar roupa, eu reutilizo. Para enxaguar, eu ponho a primeira água, aquele que está com sabão, e, logo depois, descarto. As outras eu junto e uso para lavar a frente e dentro da casa”, explica. A economia hídrica influenciou diretamente no orçamento da família. A conta chegou a diminuir entre 40% e 50%.
Rodízio
Com o racionamento, regiões farão rodízio de abastecimento, ou seja, uma área fica 72 horas com água e 24 horas, sem. Para bloquear a chegada de água, a Caesb precisa fechar as grandes tubulações que levam o líquido às residências. Caminhões-pipa farão o abastecimento de prédios públicos, como escolas e delegacias.
Para saber mais
DF não tem volume morto
Se a crise hídrica se agravar, o Distrito Federal não pode contar com o volume morto dos reservatórios, como ocorreu em São Paulo. Segundo informações da Agência Reguladora de Águas (Adasa), a reserva existente na Barragem do Descoberto não seria suficiente para abastecer a capital do país nem por 30 dias, o que não justificaria os custos da obra para captação. Para retirar o volume morto, é preciso a instalação de bombas coletoras, porque não é possível fazer a retirada por gravidade. Em Cantareira, o sistema custou R$ 120 milhões e a obra demorou dois meses. No DF, não há previsão de custos. Também não há hipótese de utilizar a reserva do Santa Maria porque o reservatório está localizado em área de proteção ambiental.