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Por Amanda Ferreira
Com a chegada do Dia das Crianças, os pequenos estão expostos à uma chuva de propagandas que estimulam o consumismo. O momento desafia os pais no processo de conscientização em relação a limites e é ideal para tentar educar as famílias sobre como lidar com a publicidade de produtos infantis, que é uma das mais agressivas do mercado. Parece bobagem, mas quando o assunto é consumismo, instruir as crianças desde cedo é algo essencial.
A pedagoga Fernanda Pereira, 34 anos, é mãe de primeira viagem de Pedro Henrique Pereira, 4. Ela entende que é importante começar, desde agora, a ensinar o filho a ter limites na hora de consumir. “É um exercicío pra vida. Quando somos adultos, nem sempre podemos ter tudo o que queremos e ele precisa compreender isso logo cedo”, acredita. Fernanda conta que o pequeno já dá valor ao dinheiro e entende quando os pais não podem comprar algo. “Sempre tentamos policiar o Pedro para que ele coloque na balança o que ele realmente precisa e o que pode esperar. Ele é um bom menino e por sorte, raramente faz birra”, afirma a mãe. Para o dia das crianças, Pedro pediu aos pais três brinquedos diferentes, mas Fernanda e o marido optaram por dar o mais barato, que atendia o orçamento do casal e as expectativas do filho.
Para o diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Walter Moura, a responsabilidade dos pais em relação ao consumo da criança é imprescindível. Segundo ele, a criança e o adolescente não têm capacidade civil para compreender o mundo. “Os pais precisam educar os filhos, pois os dois podem ser vítimas de compras impulsivas. A criança, porque não tem escolha própria e está sempre influenciado por propagandas e os pais, porque acabam comprando os brinquedos e atendendo à vontades algumas vezes desnecessárias”, explica.
Walter acredita que os brinquedos têm importância fundamental na formação pedagógica dos pequenos e que, ao invés de comprarem produtos de marca, vinculados à personagens, os pais deveriam ser criativos e optarem por presentes que atendem a necessidade das crianças. Esse é o caso da assessora parlamentar Débora Ferreira, 32, mãe de Lucas Leite, de apenas 9 anos. Para a moça, priorizar os momentos em família é algo que sobressai qualquer tipo de consumismo: Débora direciona gastos para atividades de lazer como cinema, teatro e idas ao parque. “Desde cedo, eu e meu marido ensinamos o Lucas que o importante é estarmos todos juntos. Hoje, ele prefere que gastemos dinheiro com atividades que possamos nos divertir durante os fins de semana”, conta. A assessora admite que apesar de ser uma necessidade dos pais atender aos desejos do filho, Lucas precisa entender que não se pode ter tudo.
Na família de Débora, a questão do consumismo é lidada com tranquilidade. “Preferimos dar ao Lucas em atividades pequenas e achamos que isso nos dá mais retorno do que quando o presenteamos com coisas caras”, aponta a assessora. A moça e o marido, Júnior Leite, 35, não chegam a falar de valores com o filho, mas também não gastam com presentes fora de hora. A mãe conta que quando o menino quer um presente, ela tenta ser criativa. “Tento surpreende-lo. Quando ele pede uma chuteira e já tem muitas, por exemplo, invisto em uma chuteira para mim, assim podemos fazer algo juntos”, valoriza. Débora e Júnior acreditam que recordações são presentes para a vida e para o caráter e tentam, todos os dias, passar isso para o filho.
Apesar do processo de conscientização que tem ocorrido nas famílias, os pesquisadores da Brasilcon se mostram preocupados com a publicidade infantil. Para eles, a mesma ocorre expressamente e subliminarmente, vinda de uma indústria pesada, que transforma a infância dos pequenos em algo desvinculado das tradições brasileiras, familiares e regionais.
Quem ainda tem dificuldade em conscientizar a filha sobre o consumismo é a professora Cynthia Lyra, 50, mãe de Isadora Lyra, 11. Ela conta que apesar de achar fundamental passar para Isadora que tudo tem limites, a menina só se dá por satisfeita com coisas caras. “Eu tento explicar pra ela que não precisamos de grandes coisas para a nossa felicidade, mas o problema é que parece que essa geração só valoriza coisas caras. Acho que talvez seja culpa da televisão e do monte de propagandas incentivando ao consumismo”, desabafa.
A gerente de comunicação do Instituto Akatu, Gabriela Yamaguchi, afirma que os conceitos aprendidos na infância são incorporados com mais facilidade e que é de extrema importância a persistência dos pais quando o assunto é conscientização em relação ao consumismo. Para ela, os valores de respeito e consumo suficiente podem ser apresentados de forma lúdica, como na inclusão da criança no planejamento de compras da casa, de presentes e o uso de cofrinhos, por exemplo. “Os pais não devem influenciar a cultura do descartável e evitar o desperdício de roupas, brinquedos, objetos e até mesmo comida. A importância nas pequenas coisas devem ser ressaltadas e o envolvimento dos pais, e principalmente, da toda a família, é essencial”, orienta.
Para o Dia das Crianças, o consumidor pode ficar ligado nessas dicas:
- Orientar as crianças sobre os impulsos da publicidade infantil na hora de escolher os presentes
- Pesquisar preços, inclusive na internet, para verificar se houve aumento de valor no produto apenas pela comemoração do dia das crianças
- Comparar preços e não ter medo de pedir desconto
- Conferir as indicações sugeridas pelo fabricante para a idade da criança, assim ela poderá ter maior proveito possível do presente
- Ter cuidado com componentes alergênicos e nocivos à saúde
- Nas compras online, verificar com antecedência se o vendedor do produto goza de uma boa reputação e se não há muitas reclamações contra ele
- A verificação de brinquedos com defeitos deve ser reclamada de imediato para o direito de troca, mesmo com a embalagem aberto
- Em atrasos das entregas de compras online, verificar se não ocorreram prejuízos e reclamar o reembolso do pagamento caso a demora for muito longa
- Entre comprar brinquedo e pagar conta em atraso, prefira quitar sua dívida
- Não deixe de reclamar os defeitos nos brinquedos, pois a sua reclamação é o maior indicador para que as autoridades possam adotar providências contra maus fornecedores.
Para saber mais sobre consumo consciente acesse também o Instituto Akatu.
Entenda como a crise brasileira pode colocar direitos dos consumidores em perigo
O delicado momento político e econômico que o Brasil vive suscita dúvidas sobre os avanços na defesa do consumidor e possíveis retrocessos. Em tempos de incerteza institucional, a preocupação das principais entidades de defesa do país é sobre as questões em aberto e possíveis brechas para burlar direitos já conquistados. Além disso, os projetos favoráveis aos consumidores podem ficar engavetados. Atualmente são 1.467 projetos de defesa do consumidor na Câmara dos Deputados e 875 em tramitação. Há também as consultas públicas para mudar as resoluções das agências reguladoras.
O Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) afirma que, a curto prazo, o momento é delicado e requer vigilância. “As mudanças propostas não são para beneficiar o consumidor. Em tempos de crise, a tendência é de limitação dos direitos do consumidor, como aconteceu na Europa”, defende Paulo Roque Curi, diretor do Brasilcon. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também tem um postura crítica sobre a influência da situação política no avanço das relações de consumo. “Temas e assuntos estão sendo colocados na agenda ou pauta de votações – e às vezes delas retirados – como que num balão de ensaio, sem consequências práticas. A agilidade em julgar assuntos pendentes há décadas, para os quais já há jurisprudência favorável aos consumidores nos tribunais superiores seria um deles”, analisa Carlos Thadeu, gerente técnico do Idec.
Para Ricardo Morishita, professor e diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça entre 2003 e 2010, em momento de crise, o acompanhamento da sociedade deve ser mais intenso sobre a proteção de direitos. Para ele, esse é o preço da democracia. “Quando há fartura e crescimento é evidente que a defesa do consumidor tende a ser aplicada de forma mais tranquila. Nos momentos de crise e escassez, esses direitos precisam ser observados e respeitados”.
Entre os temas que mais preocupam as associações de defesa é o endividamento dos brasileiros no momento de crise. Já são quase 60 milhões de inadimplentes em todo o país, segundo dados da Serasa Experian. Um dos projetos de lei de modernização do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que está na Câmara dos Deputados prevê um limite para o endividamento de até 30% da renda familiar. “Ainda não temos legislação de proteção ao endividamento. Ela seria importante agora em uma crise que chega a um consumidor que foi incentivado pelo governo e pelos bancos a se endividar”, explica Paulo Roque, do Brasilcon.
As possíveis mudanças em regulamentações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também preocupam as associações de defesa. Uma consulta pública que vai até o próximo dia 10 propõe, entre outras medidas, o fim da assistência das companhias aos passageiros em caso de atraso ou cancelamento do voo. A ajuda pode ser suspensa em casos de força maior imprevisível (como mau tempo que leve ao fechamento do aeroporto) ou caso fortuito. Essa questão vem sendo pleiteada pelas companhias de aviação civil, que alegam altos custos para o cumprimento da norma atual.
A Proteste Associação de Consumidores se posicionou contra o regresso de direitos constituídos e entrou com uma reclamação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, para retirar a consulta pública em andamento. “Nessa crise política e econômica o consumidor está tendo perdas muito grandes. A consulta pública da Anac, por exemplo, a Proteste insurgiu contra porque ela está revogando direitos”, avalia Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Outro tema em andamento é o bloqueio da internet. Para os aparelhos móveis, há uma intensa briga judicial entre as operadoras e órgãos de defesa do consumidor. Por liminar, as companhias estão autorizadas a cortar o serviço após o consumo do pacote de dados. Mas para as associações, há desrespeito do CDC, por mudar o contrato vigente sem aviso prévio, além do descumprimento de regras da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Na mesma onda, as operadoras de serviço de internet banda larga também querem limitar as franquias e cortar o serviço. A Net, Oi e Vivo foram notificadas pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, no último dia 23 para apresentarem justificativas do corte sem comunicado prévio ao consumidor. “Tudo que isso que acontece no Brasil prejudica o consumidor. A Proteste também entrou na Justiça contra a banda larga fixa. Essa situação atenta contra o Marco Civil da Internet”, afirma Maria Inês.
A retirada do símbolo “T” de transgênicos das embalagens também é outro importante assunto em aberto. O projeto de lei está no Senado e preocupa as associações que acreditam no cerceamento do direito à informação previsto no CDC. “O pior é que a resposta que a classe política tem dado às questões do consumidor não parece atender se não a interesses partidários ou de facções, seja para arrancar concessões de um governo federal fragilizado, seja para conquistar aliados no parlamento”, acredita Carlos Thadeu, do Idec.
DIREITOS EM RISCO:
>> Fim da assistência ao passageiro em caso de atraso ou cancelamento de voo:
Uma consulta pública na ANAC propõe o fim do direito material (comunicação, alimentação e acomodação) em caso de atraso de voos. A assistência pode ser suspensa em casos de força maior imprevisível (como mau tempo que leve ao fechamento do aeroporto) ou caso fortuito.
>> Limitação da banda larga fixa e da internet móvel
As operadoras de telefonia bloqueiam o serviço após o uso do pacote. O caso está na Justiça. Na última semana, a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, pediu explicação às empresas de banda larga que estão cortando o pacote dos usuários nos moldes da internet móvel.
>> Transgênicos:
O projeto que retira a obrigação das empresas de colocar o T de transgênico nas embalagens está no Senado.
>> Endividamento:
O projeto de modernização do Código de Defesa do Consumidor está parado na Câmara dos Deputados. Entre os benefícios está a fixação de 30% do orçamento familiar para endividamento máximo.