Podem ser votados ainda nesta semana no plenário do Senado Federal os dois projetos de lei que modificam o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O texto passou pela Comissão de Cidadania e Justiça da Casa na última quarta-feira com pedido de urgência na votação. Os parlamentares pretendem aproveitar a proximidade com o aniversário de 25 anos da legislação de defesa para aprovar o documento. Se aprovado no Senado, a proposta segue para a Câmara dos Deputados. Os dois PLs disciplinam o superendividamento e do comércio eletrônico no país e ainda dividem opiniões entre entidades civis, associações de consumidores e órgãos de defesa.
Entre os grupos que discordam da reforma do Código, o principal argumento é a modernidade da legislação de defesa das relações de consumo. Baseado em princípios, o CDC conseguiria atender as demandas existentes, mesmo que não descritas especificamente, como o comércio eletrônico. Vice-presidente e relator dos trabalhos da Comissão que elaborou o anteprojeto, José Geraldo Brito Filomeno é um dos opositor convicto às modificações. “Não acho as propostas feitas nem convenientes, muito menos oportunas”, defende. Geraldo Alckmin, governador do estado de São Paulo e autor do anteprojeto do CDC também vê ressalvas na atualização do Código. “Hoje no Congresso há mais de 400 projetos que alteram o CDC. Se metade deles fosse aprovada, o Código já perderia a sua essência, pois opera com princípios e não com minúncias”, justifica.
Outro temor dos grupos opositores à atualização refere-se às alterações que podem ocorrer na ideia inicial proposta pela comissão de juristas em 2011. Somente no período em que ficou com a Comissão Temporária de Modernização no Senado, o projeto recebeu mais de 200 emendas – a última proíbe a cobrança da Taxa de Abertura de Cadastro. Esse excesso de intervenção é o que preocupa associações de defesa, que temem retrocessos na legislação atual. “O que se tenta fazer é um desvirtuamento do CDC. Essas especificidades como comércio eletrônico e superendividamento devem vir em leis específicas, não dentro do Código”, defende Gisela Simona, vice-presidente da Associação de Procons do Brasil. “Colocar o Código em votação o deixa aberto para coisas boas e ruins e o nosso Congresso tem se revelado uma caixinha de surpresas”, complementa.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das entidades contrárias às modificações, seria melhor uma aposta em políticas públicas de defesa do consumidor, como o fortalecimento e execução do Plano Nacional de Consumo e Cidadania, lançado em 2013. “Essas mudanças são cosméticas. O movimento teria que ser mais para a implementação das políticas públicas do que alterar a lei”, comenta Elici Bueno, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Se por um lado, a atualização do Código tem fortes opositores, como autores do Código de 1990, Associação de Procons e o Idec, por outro, conta com apoiadores de peso, como a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e entidades como o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor e o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). “Nós conversamos muito com todos os envolvidos. Tivemos audiências públicas procurando o melhor texto. Estamos de consciência livre. Agora, dificilmente conseguimos um texto ótimo que agrade a todos”, defende Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator da proposta que está no Senado Federal.
Os defensores afirmam a necessidade de regulamentar as mudanças nas relações de consumo. Quando o Código foi redigido, em 1990, não existia ainda o comércio eletrônico, nem o superendividamento. “A grande frase é que em time que está ganhando não se mexe, mas o mundo está mudando, o time pode ficar melhor e é por isso que a gente acredita que a modernizaçao do Código pode ser um bom caminho”, explica Bruno Miragem, presidente do Brasilcon. “O projeto é bom, principalmente a questão do superendividamento, que é uma preocupação generalizada pela situação financeira que o país atravessa”, complementa Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor.
A auxiliar administrativa Sheila Oliveira de Sousa, 40 anos, acredita que as leis para proteger o cidadão são bem vindas, mas pondera que existe muita burocracia entre a norma e a ação. “Tem que melhorar a estrutura das coisas porque ainda temos dificuldades para conseguir os nossos direitos, muita gente acaba desistindo e as empresas continuam fazendo o consumidor de besta”, afirma. Sheila procurou uma unidade do Procon-DF para negociar dois protestos com uma drogaria. Um cheque dela foi repassado a terceiros e a dívida de R$ 402 subiu para R$ 13 mil em juros.
Principais mudanças
Um dos pontos mais polêmicos do texto que será enviado ao plenário do Senado é a escolha da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para regulamentar o direito de arrependimento nas passagens aéreas. A agência terá 180 dias após a aprovação do novo Código para publicar a norma. Atualmente, as empresas cobram diferentes taxas para remarcação e cancelamento, algumas correspondendo a mais de 50% do preço pago pelo cliente pelo bilhete.
O temor de especialistas e entidades é o de que essa cláusula abra precedentes para outras agências também quererem legislar temas específicos dentro do CDC. “Isso pode abrir poder para outras agências, tem que ser bem pensado e elaborado”, afirma Elici Bueno, do Idec. A justificativa do senador relator do projeto, Ricardo Ferraço é a de que a aviação civil tem particularidades que não permitem colocá-la no mesmo rol de outras vendas realizadas no comércio eletrônico. “O direito de arrependimento da aviação civil é mais complicado porque a empresa perde dinheiro se o consumidor desistir próximo à viagem, tem uma série de outros fatores envolvidos”, afirma.
Este assunto está no PL do comércio eletrônico, que, na opinião de especialistas, de uma maneira geral, é parecido com o decreto já em vigor sobre o tema. Já o PL que norteia o superendividamento foi o que mais sofreu alterações durante os trabalhos na comissão. Um dos pontos polêmicos e com forte oposição das instituições financeiras era a negociação compulsória. É comum que advogados de bancos sejam instruídos a não aceitar nenhum acordo em um entrave judicial. Neste caso, se não houver negociação, o juiz pode fazer um acordo compulsório.
O projeto prevê ainda que uma pessoa considerada superendividada será aquela com 30% da renda comprometida com crédito consignado com desconto em folha. Caso o crédito não seja consignado, o superendividado será aquele que tenha a renda comprometida e não consiga manter as despesas mensais de educação, alimentação e moradia. A propaganda enganosa, que usa expressões como “sem juros” e “taxa zero”, será proibida. Além disso, se o consumidor não fornecer os dados corretos de despesas e outras informações bancárias poderá não ser assistido pela lei que o beneficia, uma vez que agiu de má fé. Para as entidades de defesa, a principal perda do PL do superendividamento foi a exclusão do crédito rural e imobiliário.
>> Principais pontos da mudança do Código de Defesa do Consumidor
SUPERENDIVIDAMENTO (PL 283/2012)
1. Limita-se o empréstimo consignado com desconto em folha em 30% da renda
2. Institui-se o crédito responsável: caso o consumidor omita informações para as instituições financeiras, como negativação e a quantidade de despesas, ele perde as vantagens da lei de defesa.
3. Caso o banco e o cliente não entrem em acordo, o juiz pode fazer um trato compulsório.
4. Fica proibida a propaganda enganosa tais como: taxa zero
5. Os Procons poderão fazer conciliação e repactuação da dívida.
6. Fica proibida a cobrança de taxa de abertura de cadastro.
COMÉRCIO ELETRÔNICO (PL 281/2012)
1. Fixa-se o direito de arrependimento em até 7 dias após a entrega da mercadoria.
2. Caberá à ANAC regular o direito de arrependimento com as passagens aéreas.
3. Os sites de compras coletivas serão responsáveis solidários em caso de problemas com a empresa parceira escolhida.
4. Spams e compartilhamento de dados só podem ocorrer se o consumidor for informado e autorizar.
5. Caso o consumidor receba algum e-mail de determinada empresa, no fim, ela deverá informar como conseguiu os dados.
6. A venda ou compartilhamento de dados de consumidores pode dar cadeia. A pena prevista é de 3 meses a ano de detenção, mais pagamento de multa.
7. Em caso de problemas de consumo com outros países, o foro a ser tratado a questão será o de domicílio do comprador.
PROCONS (PL 281/2012)
1. O Procon poderá aplicar medida corretiva às empresas. Com isso, o órgão vai determinar sanções às empresas e elas terão que obedecer.
2. O texto da lei tira dos Procons o dever de agir sem provocação. O que significa que o Procon só poderá autuar a empresa se um consumidor procurar a instituição.