Adquirir um pacote bancário exige atenção redobrada do consumidor. Sem regras claras, os clientes quase sempre contratam o serviço sem entender direito quais são os benefícios e os cálculos das tarifas pagas. O resultado da falta de informação é o segmento financeiro como um dos líderes de queixas nos Procons. Somente no Distrito Federal, bancos e financeiras corresponderam, nos últimos seis anos, a 9,2% dos atendimentos que chegaram ao órgão de defesa local. No Banco Central, outro canal de reclamação, foram registradas 12.071 manifestações somente no primeiro semestre deste ano.
O que preocupa as associações de defesa é que esses índices não diminuem porque os bancos não conseguem melhorar os serviços oferecidos. Inclusive, há uma resistência do setor em obedecer as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Uma bandeira que os bancos pregam é que a relação de consumo entre eles e o cliente é diferenciada, por isso, deveriam ser regulamentados apenas pelo Banco Central pelas especificidades da atividade. Porém, o entendimento jurídico é que eles também devem seguir o CDC no respeito ao cliente.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostrou que os seis maiores bancos brasileiros – Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, Itaú, HSBC e Santander – têm dificuldades básicas no respeito ao Código de Defesa do Consumidor e às normas estabelecidas pelo Banco Central. Um exemplo é a entrega do contrato firmado com o cliente. Segundo o Idec, apenas metade dos bancos pesquisados entregou o documento. Clientes que contratam o Santander, HSBC e Caixa saem da agência sem a principal prova do vínculo dele com a empresa. Sendo que a obrigação é prevista em resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN).
O direito à informação é outro esquecido pelas instituições financeiras. Para fazer o estudo, pesquisadores do Idec foram a seis agências no intuito de abrir uma conta corrente e, perceberam que quem contrata o serviço bancário não sabe ao certo quais são os produtos disponíveis. Apenas o Bradesco e a Caixa permitiram que o cliente escolhesse o pacote que ele achava mais adequado. Nos demais, os gerentes direcionaram a escolha. E apenas no Bradesco foi apresentada a alternativa de contratar o pacote padronizado do Banco Central, aquele em que não há custos para o cliente. “O que a gente percebe é que existe um processo errado na relação entre bancos e clientes que insiste. Os bancos deveriam facilitar mais a linguagem, o acesso à informação e as tarifas. Muitas vezes, a única coisa que o cliente sabe da sua conta é quanto ele paga de tarifa porque vem descontado. Às vezes, ele está pagando por um serviço que não precisa”, afirma Ione Amorim, economista do Idec e responsável pela pesquisa.
A estudante Natália Guedes Barros, 22 anos, sabe bem o que é contratar um serviço bancário e, somente depois, descobrir o que realmente tem direito. Ela conta que em maio deste ano abriu uma conta corrente no Santander. Quando chegou ao banco disse para o gerente que tinha vontade de fazer um empréstimo para pagar um carro. No mesmo momento, o gerente a direcionou a abrir uma conta Van Gogh, uma das linhas mais caras oferecidas pela instituição. Mensalmente o pacote custa R$ 55. “Depois que eu abri a conta, tive que ir a minha agência porque eu não conseguia acessar nada do banco, como cartão de crédito e cheque especial. Só então o gerente me explicou que o pacote tem uma questão de pontuação e que você precisa atingir pontos para acessar todo o pacote contratado”, explica.
Natália conta que o gerente explicou que ela teria que movimentar mais a conta para subir a pontuação. “Aí eu fiz aplicação na poupança. Mas nada dos meus pontos subirem. Assim, até hoje não consigo acessar nada no banco e nem mesmo o empréstimo do carro. O gerente me direcionou para um pacote que eu não consigo acessar”, lamenta.
Procurado pelo Correio, o Santander informou que esclareceu os questionamentos para a cliente e acrescentou que o o banco vai analisar outras solicitações da cliente e entratá em contato novamente para concluir o caso.
Venda casada
Outro ponto grave constatado pela pesquisa do Idec foi a prática de venda casada. De acordo com o Idec, quatro dos seis bancos pesquisados incluíram serviços como o de cartão de crédito no pacote bancário. As exceções foram o Banco do Brasil, que ofereceu o crédito, mas diante da recusa, não incluiu no negócio e o HSBC. No Bradesco, foram oferecidos cartões com as bandeiras Visa ou Mastercard, que o cliente poderia aceitar ou não. Entretanto, a bandeira Elo não pode ser recusada. Segundo a atendente do banco, o cartão tem custo de R$ 3,90 mensais e fazia parte do processo de abertura da conta.
Na Caixa, a oferta foi vinculada a um eventual interesse em adquirir um imóvel financiado. Nesse caso, o cartão precisaria ser utilizado pelo menos uma vez ao mês, para garantir a redução de 1% na taxa de juros vigente na ocasião do crédito imobiliário. O Santander incluiu um cartão da categoria Platinum, mas concedeu isenção de anuidade em função do pacote contratado – o Van Gogh, que custa R$ 55 por mês.
Para Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor e coordenadora executiva da Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor, a relação entre o cliente e o banco ainda precisa melhorar. Segundo ela, nem mesmo as novas regulamentações editadas desde 2009, com medidas como a do pacote básico do Banco Central e as tarifas unificadas, têm sido suficientes. “Falta fiscalização mais ativa dos órgãos de defesa e do Banco Central. Mas, enquanto essa punição não chega, o consumidor tem que se resguardar, indo em vários bancos, analisando as propostas antes de fechar um contrato”, analisa.
De acordo com o Banco Central, a instituição pode punir os bancos com base nas estatísticas das reclamações e em fiscalizações. Se constatadas irregularidades, a instituição financeira passa por um processo administrativo que pode resultar em advertência, multa ou descredenciamento do banco.
Veja os resultados da pesquisa do Idec
Banco do Brasil:
Escolha do pacote: o cliente não teve opção na escolha
Meta de contratar o pacote padronizado do Banco Central: não
Cartão de Crédito: ofereceu, mas diante da recusa da consumidora, não insistiu.
Resposta da empresa: “O BB oferece o extrato de serviços, onde o cliente consulta as tarifas consumidas mensalmente. Diferenciando, inclusive, os serviços essenciais gratuitos dos pagos. No mesmo ambiente, pode contratar, alterar ou manter o pacote de serviços, ou até cancelar e optar por serviços”.
Bradesco:
Escolha do pacote: permitiu que o cliente escolhesse o pacote
Meta de contratar o pacote padronizado do Banco Central: cumprida
Cartão de Crédito: ofereceu um cartão vinculado à conta corrente. Foram oferecidos cartões com as bandeiras Visa ou Mastercard e o cliente poderia aceitar ou não. Porém, o cartão da bandeira Elo não pode ser recusado e fazia parte do processo de abertura de conta.
Resposta da empresa: “Foi um caso pontual e não reflete a prática de atendimento do banco. Os colaboradores foram reorientados. O banco busca aprimoramento na qualidade do atendimento, corrigindo eventuais falhas”.
Caixa:
Escolha do pacote: permitiu que o cliente escolhesse o pacote
Meta de contratar o pacote padronizado do Banco Central: não
Cartão de Crédito: vinculou o serviço a um eventual interesse em adquirir um imóvel financiado pelo banco. Nesse caso, o cartão precisaria ser utilizado pelo menos uma vez ao mês, para garantir a redução de 1% na taxa de juros vigente na ocasião do crédito imobiliário
Resposta da empresa: “A Caixa ratifica que respeita o princípio de não condicionar a realização de negócios, garantindo ao cliente o direito de ter o tipo de relacionamento com o banco que lhe for mais conveniente, não exigindo qualquer reciprocidade ofertada ao cliente à aprovação do crédito habitacional”.
HSBC:
Escolha do pacote: não permitiu que o cliente escolhesse o pacote
Meta de contratar o pacote padronizado do Banco Central: não
Cartão de Crédito: não ofereceu no pacote
Resposta da empresa: não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Itaú:
Escolha do pacote: não permitiu que o cliente escolhesse o pacote
Meta de contratar o pacote padronizado do Banco Central: não
Cartão de Crédito: inclui cartão de crédito nos pacotes
Resposta da empresa: “O Itaú busca manter a melhor relação custo-benefício para o cliente, sempre de forma transparente”.
Santander:
Escolha do pacote: não permitiu que o cliente escolhesse o pacote
Meta de contratar o pacote padronizado do Banco Central: não
Cartão de Crédito: inclui um cartão da categoria Platinum, mas concedeu isenção de anuidade em função do pacote contratado (Van Gogh, que custa R$ 55 por mês).
Resposta da empresa: “Foram adotadas providências a fim de reforçar, junto à equipe comercial, a importância de entender a necessidade do cliente e oferecer opções apropriadas ao seu perfil de uso da conta, entre as quais os pacotes padronizados”.