A lei de isenção de impostos na compra de veículos foi criada no intuito de facilitar a locomoção do consumidor deficiente. Mas colocá-la em prática é uma verdadeira dificuldade e exige muita persistência. São dezenas de documentos, cópias, requerimentos, laudos médicos e vários órgãos envolvidos. No meio dessa burocracia, o que não faltam são reclamações sobre a morosidade do processo, a falta de pessoal qualificado, os critérios utilizados pelos órgãos para conceder ou não o benefício e as mudanças constantes nas regras.
Em alguns casos, a Justiça precisa ser acionada para o cumprimento da legislação. Entre idas e vindas em diferentes órgãos e médicos, entre entregas de, pelo menos 16 documentos diferentes – sem contar as cópias – e respostas à, no mínimo, três requerimentos diferentes, o deficiente precisa esperar, em média, seis meses para poder colocar a chave na ignição do novo veículo, que pode ter até 30% de abatimento no valor total. Por exemplo, um carro que custa R$ 70 mil, pode ser comprado à R$ 54 mil.
Quando o deficiente é intelectual, a saga é mais complicada. É preciso três laudos médicos diferentes comprovando a incapacidade mental. Se for maior de idade, a família precisa entrar na Justiça, pedir a interdição e a curatela. Se menor, instituições financeiras e o Detran questionam a idade do proprietário do veículo. Além disso, até março deste ano, esse grupo tinha isenção somente no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), no pacote de quatro impostos isentos. Agora, o desconto é de três taxas para esse grupo. “A pessoa já tem dificuldade motora, intelectual e o Estado ainda dificulta o acesso delas à benefícios? Isso mostra o desrespeito do Brasil com quem mais precisa”, afirma Yure Gagarin Soares de Melo, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem do Advogados do Brasil, seccional Distrito Federal.
A gerente de faturamento Larissa Tavares, 29 anos, é mãe de Luiz Felipe Tavares Batista, 8 anos, e quase desistiu de comprar o segundo carro com a redução de impostos. No primeiro veículo, em 2007, ela montou o processo, apresentou os laudos de três médicos diferentes, foi à Receita Federal, depois ao Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). “No Detran e no banco foi uma complicação. No banco, questionavam como o financiamento seria em meu nome, se o carro estava em nome de uma criança. O mesmo ocorreu com o Detran que não entregava o licenciamento porque o carro estava no nome do Luiz. Tive que levá-lo lá”, explica Larissa.
Quatro anos depois, Larissa decidiu trocar de carro. Teve que abrir um novo processo. Conseguir outros três laudos médicos, preencher os formulários da Receita, ir ao órgão e entregar a documentação. Por fim, esperar o carro chegar na concessionária. Quase seis meses de espera para um desconto de 15% no valor do veículo. “Era praticamente o mesmo desconto que o governo estava dando com a redução de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)”, calcula. Como já tinha aberto o processo, Larissa seguiu em frente e agora o Luiz Felipe pode ser transportado para as suas atividades diárias, como a escola e as aulas extras. “É um direito do Luiz. Mas o que eu percebo é que falta informação e pessoal qualificado para lidar com o deficiente e com os direitos deles. É desgastante. Humilhante”, lamenta.
Até março deste ano, o deficiente que não era o condutor do veículo – que é o caso do intelectual e do visual – tinha direito apenas à redução do IPI. A isenção de impostos locais como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) era restrito àqueles que podiam dirigir o carro adquirido. Em 2013, o governo do Distrito Federal validou o convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) de 2012 em que todos os estados concedem isenção de ICMS para deficientes não motoristas.
Muitos órgãos, papéis e tempo gasto
Karina Ramos de Sousa, 30 anos, é cadeirante e durante anos precisou do transporte coletivo para se locomover por Brasília. “Era ônibus que não tinha adaptação, motorista que não parava… Comecei a trabalhar duro para comprar o meu carro”, conta. Com dinheiro na poupança, Karina pagou a autoescola, R$ 2 mil, e juntou para comprar o veículo. Em setembro do ano passado, a servidora pública comprou o primeiro carro utilizando-se do direito. “O que mais me deixou preocupada foram as elevadas taxas do Detran”, queixa-se.
Para comprar o veículo, Karina precisou primeiro ir ao Detran, mostrar a habilitação especial e levar um laudo médico comprovando o tipo de deficiência. Depois, um especialista do Detran avaliou o relatório de saúde e apontou qual deveria ser a adaptação do carro. “É nesse ponto que surgem muitos problemas. A pessoa chega com um laudo e o Detran diz que não pode dirigir, o que pode, por exemplo, diminuir a porcentagem de desconto”, conta Yure Gagarin, da OAB. Por meio de nota, a assessoria do Detran-DF respondeu que “o laudo do Detran não tem a finalidade de fins de isenção de impostos, pois o órgão não é competente para pronunciar-se acerca de isenção, mas fornece o laudo às pessoas com deficiência física para fins de adaptação dos veículos”.
Depois do Detran, Karina teve que ir até a Receita Federal preencher o formulário e entregar a documentação. Nessa etapa, ela estava pedindo a isenção de IPI e Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF). Com a autorização da Receita, ela procurou a Secretaria de Fazenda do DF (SEF-DF), preencheu os formulários e mostrou a documentação para conseguir o desconto de ICMS. “A solicitação de isenção, fica, em média, um mês na secretaria se a documentação estiver correta. Não tem burocracia, a tramitação é rápida”, comenta Vânia Nascimento de Castro, assessora da coordenação de atendimento da SEF-DF. De 2010 à 2013, 5.957 pessoas pediram à pasta descontos em impostos. “Esse número deve aumentar porque agora os deficientes não condutores também tem direito à isenção”, acredita Vânia.
Com todos os papéis em mãos, Karina foi à concessionária para escolher o veículo. “Muita gente faz o caminho contrário, começa pela concessionária. Nesses casos, algumas concessionárias indicam um despachante para agilizar o processo por conta delas mesmo. É uma cortesia”, conta Antônio Cordeiro, consultor do Sindicato das Concessionárias do DF. De acordo com Karina, esperar o carro chegar da fábrica foi o que mais prolongou o tempo do processo de compra do carro. “Eu não acho que demorou muito o processo na Receita e na Secretaria. Nessas duas, foi um mês e meio, dois meses. Na concessionária que demorou mais ”, pondera Karina. Antônio explica que o carro sai da fábrica sem a adaptação e precisa passar por uma empresa especializada. “Além disso, com o desconto, as pessoas preferem carros mais completos, que, naturalmente, demoram mais para chegar”, justifica.
Para isenção de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), é preciso abrir novo processo na SEF-DF.
O que diz a lei:
A lei 8.989/1995 garante aos deficientes o direito à isenção de impostos federais como o IPI. Em 2009, a vigência foi prorrogada até 2014. Para a isenção de taxas estaduais, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) determina as diretrizes de dois em dois anos e as Câmaras estaduais precisam regulamentar para entrar em vigência.
Para saber mais:
Este ano, a demora da Câmara Legislativa do DF em homologar o Convênio ICMS Confaz 38 de 2012 preocupou os deficientes físicos, que tiveram que esperar ainda mais para conseguirem os descontos. Somente em março, um ano depois do convênio, foi publicado no Diário Oficial do DF o decreto validando o convênio e dando isenção de ICMS aos deficientes físicos condutores e não condutores.
Numerária:
6 mesesÉ o tempo médio entre abrir o processo e ter a autorização para a compra do veículo
16Quantidade de tipos documentos necessários no processo. Sem contar as cópias.
3Quantidade de órgãos diretamente envolvidos no processo. São eles: Detran, Receita Federal e Secretaria de Fazenda local
8Tipos diferentes de profissionais envolvidos no processo. São funcionários públicos de diferentes esferas e órgãos, médicos, psicológos, juízes, vendedores de concessionárias e agentes de autoescola.
8Legislações aplicadas para isenção de pessoas com deficiência, entre leis, decretos e instruções normativas.
Entenda como funciona:
BENEFICIADOS
>> Deficiente condutor (deficiência física): isenção de 30% sobre o valor do veículo – inclui IPI, IOF, ICMS, IPVA>> Deficiente não condutor (deficiência física, intelectual e autismo): isenção média de 15% a 25% sobre o valor do veículo – inclui IPI, ICMS e o IPVA.
PASSOS:
1ª) O deficiente físico deve procurar uma autoescola especializada para conseguir a observação de carro adaptado ou automático.
2ª) O deficiente deve obter um laudo médico para condutor no Detran. Nele, o médico vai atestar o tipo de deficiência e a incapacidade física para dirigir veículos comuns.
3ª) Para isenção de IPI e IOF, o deficiente deve procurar a Delegacia Regional da Receita Federal e apresentar os documentos necessários.
4ª) Para isenção de ICMS, o deficiente deve procurar a Secretaria de Fazenda local com os documentos necessários.
5ª) Para a isenção de IPVA, o deficiente deve procurar a Secretaria de Fazenda local com os documentos necessários.