Uma modalidade de assistência que oferece descontos de até 90% em consultas médicas, exames e até no funeral, tem preocupado os órgãos de defesa do consumidor. Cartões com direito aos abatimentos são vendidos por empresas especializadas e funerárias, e têm como público alvo a parcela da população que não consegue arcar com as mensalidades de planos de saúde. Como a atividade não é regulada de forma específica, os Procons temem que o cliente acabe comprando gato por lebre e não consiga o atendimento — na maioria das vezes, restrito a poucas opções — quando realmente precisar, e não tenha a quem recorrer. A comunidade médica e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também condenam o sistema de vendas.
Os descontos oferecidos tentam o consumidor. Na tabela de valores apresentada no site de uma das empresas, a Open Line, um exame de mamografia cai de R$ 280 para R$ 97 e um ecocardiograma custa R$ 150, em vez dos R$ 330 normalmente cobrados, segundo a empresa, pelo médico. Em compensação, o cliente paga, de forma fixa, uma anualidade — que pode ou não ser dividida — variável de acordo com a quantidade de pessoas incluídas no pacote e com o tempo de cobertura. No caso da Open Line, por exemplo, as parcelas podem ir de R$ 138 mensais, cobrados para uma pessoa, durante um ano, até 12 vezes de R$ 398 cobrados por um grupo de 10 pessoas para cobertura por cinco anos.
“Não é um plano de saúde, nós só damos à pessoa acesso à saúde. Credenciamos os profissionais e eles passam a atender quem tem o cartão. Hoje são 13 mil médicos”, explicou o presidente da Open Line, o também médico Nevton Oliveira Rocha. “Não tem carência, não tem limite de idade, não tem mensalidade, é uma taxa única anual”, completou. Outro exemplo desse tipo de negócio, o Plano Mútuo MDEC, gerenciado por uma funerária do interior de São Paulo, divulga em seu portal possuir 170 mil associados.
A diretora de atendimento do Procon de São Paulo, Selma do Amaral, alerta os consumidores para o fato de que esse tipo de contrato só cobre pequenos serviços. “Se a pessoa precisar de uma internação, o cartão pode não cobrir, e ela vai ter que arranjar outros meios, às vezes até entrar na fila do SUS (Sistema Único de Saúde)”, explicou. “Na nossa avaliação, se o prestador do serviço é capaz de fazer esse desconto para a empresa contratante, ele também pode negociar um abatimento direto com o consumidor, sem necessidade dessa terceirização”, completou.
Sem regulação
O próprio Ministério Público Federal já demonstrou preocupação em relação aos cartões de desconto. “Esse tipo de produto só é regulado pelo Código de Defesa do Consumidor. Hoje, se tiver algum problema, a única alternativa é recorrer à Justiça”, pontuou o procurador Fernando de Moraes, que acompanha a fiscalização dos planos de saúde. Como não há um órgão que regule esse tipo de serviço e torne obrigatória, por exemplo, uma cobertura mínima, o consumidor fica refém do contrato e não tem armas para reclamar.
Mesmo se tratando de um convênio que vende serviços médicos, a ANS explica que, pela lei, esse tipo de empresa não é configurada como plano de saúde e, dessa forma, não é regulada pela agência. A reguladora limitou-se a proibir as operadoras de comercializar os descontos. A Associação Médica Brasileira (AMB) informou, por meio de nota, que é contrária à venda de descontos “porque não é uma atividade regulamentada e não há transparência. A AMB reconhece somente o SUS e operadoras de saúde regularmente inscritas na ANS.
O presidente da Open Line informou que a empresa possui cadastro no Conselho Regional de Medicina de São Paulo e que “não entende como a comunidade médica pode ser contra o produto, se a empresa possui 13 mil profissionais credenciados”. Além disso, alegou que, em 17 anos de existência, não foi alvo de nenhum tipo de reclamação no Procon. “Quantas milhares de pessoas sem condições de pagar um plano de saúde saíram da fila de espera do SUS graças aos cartões de desconto? É um serviço que favorece o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país”, argumentou. A MDEC foi procurada pelo Correio, mas, até o fechamento desta edição, não retornou as ligações.
Texto de Bárbara Nascimento