Quando o consumidor deixa o automóvel em um estacionamento privado, ele espera que, sob a responsabilidade de uma empresa, o carro fique protegido. Mas nem sempre é o que ocorre. Mesmo no espaço particular, o veículo pode ser furtado, arrombado ou roubado. A diferença é que o estabelecimento comercial também pode ser responsabilizado, independentemente se o cliente pagou ou não pelo estacionamento. Dessa forma, a partir do momento que o estacionamento está vinculado a uma empresa, ela pode ser culpada por um eventual problema.
Porém, embora exista uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que responsabilize a empresa por qualquer dano ao veículo do cliente, as empresas tendem a desviar a culpa. Colocam cartazes informando que não se responsabilizam pelo carro e objetos e, em caso de problemas, afirmam que o cliente deve procurar a polícia. Alguns, sequer, oferecem suporte. “Os avisos sobre a ausência de responsabilidade não são válidos. A partir do momento que o fornecedor oferece o estacionamento como comodidade para o cliente, tem-se uma relação de consumo que deve ser obedecida”, explica Ildecer Amorim, advogada especialista em direito do consumidor.
A bancária Viviane Garcia, 27 anos, teve o carro roubado no estacionamento do SuperMaia, no Gama, próximo da casa dela. Ela conta que, no fim da tarde, parou no mercado para comprar lanche e brócolis com as duas filhas. Enquanto pegava os itens na prateleira, uma pessoa que fazia compras próxima a ela bateu o carrinho em uma gôndola. Sem entender o que tinha ocorrido, Viviane e as filhas continuaram as compras. Ao sair do mercado, Viviane percebeu que tinha outro carro estacionado no lugar do dela. “Eu fiquei desesperada. O gerente chamou a polícia. Foi aí que percebi que a chave do carro não estava pendurada na bolsa como de costume, eles tinham pego no meio daquela confusão da gôndola”, conta Viviane.
A bancária pediu para o gerente do supermercado as imagens das câmeras da loja e do estacionamento. Porém, foi informada que as imagens do estabelecimento ficam centralizadas no Plano Piloto e, no estacionamento, não há esses equipamentos de segurança. Quinze dias depois do roubo, o carro foi encontrado pela Força Nacional, no Novo Gama, em Goiás. “O carro estava todo modificado, sem estepe, com a placa clonada e película escura”, explica Viviane. O roubo ocorreu no dia 24 de julho e o veículo foi encontrado no dia 5 de agosto. Somente no dia 26 de agosto o carro foi liberado pela delegacia por causa do volume de ocorrências de roubos de carro na região.
Sem seguro, dois meses depois do roubo, Viviane ainda não conseguiu consertar o carro. “É muito ruim você estar em um local achando que está segura, que pode levar a família, e passar por uma situação como essa. Só lembro da minha filha de 10 anos chorando preocupada porque a mochila dela estava lá dentro e ela não poderia ir para a escola”, desabafa Viviane. O Correio entrou em contato com o SuperMaia, e, via nota, o mercado informou que está disponível para colaborar com a investigação e que, “se ainda houver imagens desta data, elas serão entregues à Polícia Civil via solicitação formal”.
Garantido em lei
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a empresa é obrigada a zelar pela segurança do cliente. Dessa forma, em caso de roubo, arrombamento ou furto do veículo, tanto a loja que oferece o serviço quanto a empresa terceirizada – se existir – deve prestar assistência ao cliente e restituir eventual problema. A súmula 130 do STJ já assegura este entendimento. Assim, mesmo se a empresa discutir na Justiça a responsabilidade dela, dificilmente ganhará a ação. De acordo com o tribunal superior, o entendimento se estende, inclusive, às áreas azuis – aquelas em que a prefeitura cobra para os motoristas estacionarem.
Porém, caso o furto ocorra no interior do veículo, a situação fica mais complicada para o consumidor porque ele precisa provar que os objetos estavam lá dentro. “Os prejuízos que o consumidor teve dentro da loja, se foi com o arrombamento do veículo, se foi com o furto de pertences que estavam no interior são de responsabilidade dela. Agora, é mais díficil provar que os objetos estavam lá dentro. Uma nota fiscal, por exemplo, pode ajudar”, orienta Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec). A advogada Ildecer Amorim lembra que, pelo CDC, a presunção de inocência é do consumidor, nesse contexto, é a empresa que prova que os objetos não estavam dentro do carro.
O que fazer
Caso o automóvel de um cliente seja danificado ou roubado em um estacionamento privado, a orientação dos especialistas é que o consumidor procure, primeiro, a administração do local e narre o acontecimento. “A empresa deve dar o suporte, oferecer soluções e, até mesmo, fornecer elementos para uma investigação policial”, explica Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores.
Se a situação não puder ser resolvida pela empresa, ou ela demonstrar desinteresse em dar o apoio necessário, o consumidor deve recorrer à delegacia de polícia, Procon e, se preciso, a Justiça. “O consumidor deve fazer um boletim de ocorrência, tentar o intermédio do Procon e conseguir que o seu direito se faça cumprido”, afirma Ildecer Amorim.
Para saber mais:
Súmula é uma síntese do entendimento dominante do Judiciário sobre demandas repetidas que chegaram nos tribunais de Justiça. Se ela for vinculante, significa que é obrigatória e todos os magistrados devem seguir o que está escrito.
O que diz a lei:
O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor afirma que as empresas respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre os riscos.
Tira-dúvidas:
Problemas em estacionamentos privados:
>> Quem se responsabiliza?
Se o carro estiver parado em um estacionamento privado oferecido por uma loja, supermercado ou um shopping, o estabelecimento é o responsável em caso de problemas.
>> E se o estacionamento for administrado por uma empresa terceirizada?
Neste caso, tanto a administradora do estacionamento quanto a loja são responsáveis por qualquer problema. Eles são considerados responsáveis solidários.
>> A responsabilidade só vale se o estacionamento for pago?
Não. Se o estacionamento é oferecido pela loja, supermercado ou shopping center como comodidade para o cliente, existe uma relação de consumo que deve ser respeitada, independentemente do estacionamento ser gratuito ou pago.
>> O que fazer em caso de danos ao veículo?
Em caso de arrombamento, furto ou outros problemas, o consumidor deve procurar, primeiramente, os responsáveis pelo estacionamento para tentar um acordo. Se o problema não for resolvido, o cliente deve fazer um Boletim de Ocorrência, principalmente se bens forem furtados do interior do automóvel. O cliente também pode reclamar no Procon ou acionar a Justiça.