O Financiamento Estudantil (Fies) é uma modalidade de crédito que vem crescendo no país. Segundo dados do governo federal, 42% dos alunos matriculados no ensino superior privado têm contrato de Fies. A crescente adesão ao programa tem aumentado também a quantidade de dúvidas e de conflitos entre os estudantes, as universidades e as instituições bancárias. Para os especialistas em direito do consumidor, é preciso ficar atento as regras de contratação, porque, embora o Fies seja um empréstimo de longo prazo firmado entre o estudante e o banco, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que, neste caso, não há uma relação de consumo, uma vez que se trata de um programa de governo, sem conotação de serviço bancário.
Dessa forma, os estudantes que assinam um contrato de Fies não estão assistidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma lei que, entre as suas vantagens, está o prerrogativa de que o cliente é a parte frágil da relação de consumo, portanto, não cabe a ele provar o erro e sim, ao prestador de serviços. O que os Procons e especialistas da área defendem é que, em caso de problemas na execução do contrato, o CDC pode ser acionado. Por exemplo, pelas regras do Fies, a universidade deve reembolsar o aluno que pagou as mensalidades até a liberação do financiamento. O prazo de devolução é de 30 dias após o pagamento. Se a universidade descumpre essa data, pode ser acionada pelo Procon.
“Para nós, quando o aluno assina o documento com o banco e com a universidade, ele cria um vínculo de consumo. Não se pode questionar o contrato de Fies, mas a execução desse serviço contratado, sim”, explica Marta Aur, assessora técnica do Procon de São Paulo. O Procon do Distrito Federal compartilha do mesmo raciocínio e informou, via assessoria de imprensa, que o aluno pode procurar o órgão para reclamar, por exemplo, da má prestação do serviço.
Entre as principais queixas dos alunos com relação ao Fies estão o reembolso por parte da universidade, a dificuldade de cancelamento do contrato de financiamento e a burocracia em caso de transferência de curso ou de faculdade. Nessas situações, a advogada especialista em direito do consumidor Ildecer Amorim defende que o aluno reclame no Ministério da Educação (MEC), que é o responsável pelo programa, mas também nos órgãos de defesa. “O MEC deve tomar as providências. Mas existe um contrato de prestação de serviço que deve ser cumprido. O estudante não pode questionar o conteúdo do contrato, mas o tem o pleno direito de exigir o cumprimento do que foi firmado”, explica. Na opinião de Luis Cláudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos do DF, a educação privada é um serviço público com modalidade de autorização estatal, por isso, o controle deve ser feito pelo poder público e pela sociedade civil também.
Os limites entre o que pode ser questionado somente pelo MEC e pelo Código de Defesa do Consumidor confundem os estudantes que, muitas vezes, não conseguem resolver a situação. Foi o caso de Norma Lilya Lopes Santana, 25 anos. Ela passou no curso de Relações Internacionais na UDF. Como o Fies só é aprovado depois que o aluno está com a vaga garantida, Norma se matriculou. Sem a resposta da Caixa, ela pagou a primeira mensalidade. Por fim, ela teve o empréstimo negado porque o banco exige um documento que ela alega não ter. “Me pediram uma certidão de casamento dos mais pais, mas eles nunca foram casados e meu pai já morreu. Levei a certidão de óbito e mesmo assim não deu certo”, reclama. Sem o Fies, Norma não pode fazer o curso. “Fui no Procon, na Defensoria Pública e ninguém conseguiu me ajudar. Agora tranquei o curso e ainda tenho uma dívida com a faculdade”, lamenta.
Dicas para uma boa contratação:
Como o contrato do Fies não é visto como uma relação de consumo, os especialistas da área aconselham que os estudantes reforcem o cuidados na hora de assinar o documento com o banco. “O aluno não deve assinar sem prestar atenção. Ele deve entender quais são as taxas de juros, como funciona o cancelamento do contrato e quando ele pode fazer transferência. Como é um contrato que não pode ser mexido ou mudado, é bom o estudante estar ciente dos direitos e deveres para evitar problemas futuros”, orienta Marta Aur, assessora técnica do Procon de São Paulo.
Para a advogada Ildecer Amorim, embora o documento firmado não possa ser questionado, saber o que está previsto em contrato é importante. “Tem que ficar de olho se a taxa praticada pelo banco é a prevista no programa, se os quesitos como a carência também estão contemplados”, explica.
A estudante Juliana Martins, 24 anos, contratou Fies este ano e conta que tomou muito cuidado na hora de assinar o contrato. Ela cursava Jornalismo na Faculdade Alvorada e, como a instituição fechou, ela teve que transferir o curso para o Iesb. “Eu tinha bolsa 100% de Prouni, mas quando mudei de faculdade, a bolsa não pegou tudo porque o curso da Alvorada era mais barato. Por isso, tive que recorrer ao Fies”.
Juliana conta que na hora de assinar o contrato prestou atenção especialmente nas condições do programa e como funcionava o pagamento. “Tive muita dor de cabeça com a Alvorada, por isso, fiquei muito cautelosa para assinar o contrato de Fies, afinal, é uma dívida por muito tempo”, comenta. Entre a entrada nos papéis e a autorização do banco demorou 20 dias. “Embora a Alvorada não tenha me dado a transferência, consegui a documentação necessária com Iesb, por isso não tive grandes problemas, a não ser a espera”.
Para saber mais:
Após várias ações repetitivas em relação a exigência de fiador, renegociação de dívida e inadimplência, o STJ por meio do recurso especial nº 1.555.684 do ministro Benedito Gonçalves, entendeu que não existe relação de consumo entre o Fies e estudante, não podendo ser aplicado o CDC.
O que é o Fies:
O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) é um programa do Ministério da Educação (MEC) destinado à concessão de financiamento com juros baixos a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores presenciais particulares e com avaliação positiva no MEC. Atualmente, a taxa efetiva de juros do programa é de 3,4% ao ano para todos os cursos e o aluno começa a pagar 18 meses após a formatura. O estudante pode financiar 50%, 75% ou 100% do valor do curso. Para manutenção do Fies, o aluno paga R$ 50 a cada três meses e o valor é abatido do saldo devedor.
Dicas para a contratação do Fies:
1. Saiba quem pode participar:
Podem solicitar o financiamento os estudantes de cursos presenciais de graduação particulares oferecidos por instituições de ensino superior participantes do programa.
2. Leia o contrato com atenção:
Esse será o documento que norteará a relação entre o estudante, a instituição de ensino e o banco.
3. Preste atenção nos juros cobrados e na forma de pagamento:
Pelo FNDE, as taxas praticadas são de 3,4% e devem ser pagas 18 meses depois da formatura.
4. Entenda como funciona a transferência de contrato:
Esse item é importante porque, pelas regras do Fies, o estudante pode transferir de curso, uma única vez, ou de instituição de ensino a cada semestre. A transferência pode ser solicitada pelo estudante a partir do primeiro dia do último mês do semestre cursado ou suspenso na instituição de ensino de origem até o último dia do primeiro trimestre do semestre de referência da transferência.
5. Informe-se sobre o cancelamento:
O estudante solicitar seu pedido de encerramento antecipado do financiamento. Depois de confirmada a solicitação de encerramento antecipado do financiamento no sistema do Fies cabe ao estudante comparecer ao agente financeiro para assinar o Termo de Encerramento.
6. Fique de olho no reembolso:
Como o aluno precisa estar matriculado em uma instituição de ensino superior, às vezes, até o financiamento ser aprovado, ele precisa pagar as primeiras mensalidades. Depois da aprovação do empréstimo, a faculdade deve reembolsar o aluno em 30 dias.
7. Veja quem pode ser fiador:
O Fies trabalha com a fiança convencional, aquela prestada por até dois fiadores cuja renda seja igual ao dobro do valor da mensalidade; a solidária, constituída por grupos de alunos que estudem na mesma universidade e o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo, que é um fundo garantidor de crédito de natureza privada e é administrado pelo Banco do Brasil. Alunos do Prouni não precisam de fiadores.
8. Cuidado com abusos
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) orienta a desconfiar de práticas que vinculem o Fies a exigências não previamente explicitadas no programa. A exigência de abertura de conta-corrente, por exemplo, representa uma venda casada, prática ilegal.