A maior parte dos brasilienses adotou o cartão de crédito ou de débito como a principal forma de pagamento. Na hora de realizar a operação, entretanto, muitos sofrem abusos cometidos pelo comércio. Na tentativa de repassar os encargos das operadoras das bandeiras, os estabelecimentos acabam estabelecendo regras diferentes para quem opta pelo meio de compra, como, por exemplo, um valor mínimo para a aquisição, o que é proibido de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Segundo especialistas, o serviço é uma estratégia para atrair mais fregueses e eles não podem ser punidos por isso.
“São práticas abusivas, já que ferem o artigo 39, inciso IX (veja o que diz a lei). É inadmissível que o consumidor tenha de pagar pelos encargos da operadora de cartões. O serviço é um diferencial da loja e não um favor”, explica o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Daniel Santana. Muitas vezes, o comprador acaba adquirindo produtos que não precisa por conta da imposição da quantia mínima. “Quem se sentir lesado deve procurar o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon) e registrar uma reclamação”, completa.
Santana alerta, ainda, que se o estabelecimento se nega a vender o produto no cartão, é obrigado a fazer uma declaração por escrito. “Essa é uma maneira de fundamentar a reclamação. Alguns lugares também colocam placas informando a prática. O cliente pode, também, fotografá-la. Recomendamos que as pessoas busquem seus direitos para que a ação abusiva seja inibida”, aconselha. O especialista esclarece que o consumidor tem direito a todas as informações sobre a compra. Por isso, a loja é proibida de estipular valores diferentes para compras à vista e a prazo sem que seja especificado o juro.
“Alguns estabelecimentos divulgam dois valores, um para pagamento em dinheiro e outro para parcelar e mesmo assim dizem que é uma compra sem acréscimos. Esta é uma propaganda enganosa”, considera Santana. A loja precisa também deixar claro o valor final do produto. “Alguns comerciantes alegam que este seria um tipo de desconto para quem paga de uma vez só, mas é, na verdade, uma forma de maquiar o abuso. O abatimento pode sim ser dado, mas o valor anunciado tem de ser o mesmo”, acrescenta.
O diretor-geral do Procon-DF, Todi Moreno, afirma que o consumidor pode registrar uma reclamação apenas com o respaldo de uma testemunha. “A loja pode ser multada. A penalidade varia entre R$ 400 e R$ 6 milhões, caso a reclamação seja fundamentada. Damos um prazo de 10 dias para que o estabelecimento envie uma resposta”, lembra. Ele adverte que o comerciante não pode também dar preferência a uma instituição financeira ou forma de pagamento. “O vendedor não pode se negar a vender se o cartão for de certa bandeira ou alegar que só passa se for débito, por exemplo.”
O comprador também deve ficar de olho se o vendedor cobra um valor extra para o pagamento com cartão, além do preço anunciado. A bibliotecária Marilaine Pelufe, 39 anos, moradora de Sobradinho, passou pela situação. “Nunca procuramos saber dos nossos direitos, apenas depois que nos sentimos lesada. No salão de beleza que frequento, a dona sempre cobra 5% a mais quando passo o cartão e eu nem sabia. Certa vez, depois de ter digitado a senha, percebi que a quantia era maior que o combinado e, então, questionei porque. Ela disse que eu estava pagando o encargo da máquina. Desde então, comecei a levar só dinheiro, para não ter de pagar a mais”, relata.
Para Daniel Santana, do Idec, este seria motivo suficiente para denúncia. “Neste caso, o consumidor deve reclamar e, em alguns casos, até recorrer a Justiça para reaver o dinheiro ou indenização”, diz. Marilaine conta que quase nunca carrega dinheiro na carteira. “Sempre recorro ao cartão, porque acho mais seguro e cômodo. Se for assaltada, é mais difícil que o ladrão descubra minha senha, por exemplo. Muitas vezes, entretanto, acabo pagando caro por isso”, reclama.
Regulação
Para Adelmir Santana, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-DF), a relação de consumo deveria ser melhor regulamentada. “Muitas vezes as lojas também são lesadas pelas operadoras de cartão. Se os órgãos de defesa do consumidor colocam toda a culpa no estabelecimento, estão desconsiderando isso. Em vendas à vista, por exemplo, o dinheiro só vai para a mão do comerciante 31 dias depois. Os prazos também deveriam ser estabelecidos”, defende. “Ainda assim, considero que o uso do cartão foi um avanço e que deve ser estimulado, só repudio a falta de legislação”, completa.
Cartão não passou
Meios eletrônicos de pagamento estão sujeitos, muitas vezes, a problemas técnicos. O comprador, no entanto, não pode ser penalizado pela falha. “Caso a loja perceba o problema antes que o produto seja consumido, o cliente deve ser avisado previamente do problema. Em casos de restaurantes e postos de gasolina, nos quais o produto pode ser utilizado antes do pagamento, quem adquiriu pode ser surpreendido com uma resposta negativa da máquina. Se for comprovado que não é por falta de saldo, ele não deve culpado”, explica o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Daniel Santana.
Por vezes, em situações como esta, clientes se veem obrigados a deixar garantias para o comerciante. “É caracterizado crime que a loja o obrigue a deixar qualquer documento de identificação ou outro item pessoal para garantir o pagamento. O cliente não pode, ainda, ficar preso no lugar até que a falha seja corrigida, afinal, é um problema entre a administradora de cartões e o comerciante. A melhor forma de resolver a situação é utilizar o bom senso. O vendedor pode combinar uma outra ocasião para receber a quantia”, alerta o especialista.
O Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF) aconselha que, caso o consumidor seja coagido, deve acionar a Delegacia do Consumidor (Decon). “É um ato totalmente abusivo. O autor pode sofrer sanções administrativas ou pegar entre 3 meses e 2 anos de detenção. A pessoa também pode recorrer à Justiça em casos de constrangimento e alegar danos morais”, esclarece Todi Moreno, diretor geral do órgão.
A bibliotecária Marilaine Pelufe, 39 anos, foi obrigada a levar um funcionário de um posto de gasolina até o caixa eletrônico quando seu cartão não passou por problemas no sistema. “Não consegui efetuar a operação por uma falha deles e tive de levar o frentista comigo, no meu carro, até o banco. Fiquei muito constrangida porque não conhecia ele, mas não vi outra alternativa”, lembra.
O que diz a lei
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, que entrou em vigor pela Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, é considerado abuso por parte do estabelecimento impedir que o interessado leve o produto se ele possui meios para pagar. Inciso IX do artigo 38, “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais” é proibido.
Matéria de Larissa Garcia