80% das escolas não cumprem a lei que obriga a mostrar o plano de como vão gastar o material escolar
Por Ana Luiza de Carvalho e Carolina Cardoso*
A lista de material escolar chega com as contas do fim do ano anterior e as de janeiro, o que deixa boa parte do orçamento comprometida. O que muitos consumidores não sabem é que é possível parcelar gastos com esses itens, uma vez que é dever da escola fornecer um plano de execução que mostre quando cada material será usado e, portanto, em que mês será necessário adquiri-lo e entregá-lo à instituição de ensino.
A especialista em direito do consumidor Simone Magalhães, colaboradora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), explica que a Lei Distrital nº 4.311, de 2009, estabelece regras para instituições de ensino privadas quanto à escolha dos materiais pedidos. “Especificamente o artigo 2º fala sobre a obrigação de a escola entregar um plano de execução com a lista. Assim, os pais podem fornecer o material escolar à instituição de maneira gradativa e isso facilitaria a organização financeira da família”, explica a advogada.
O problema é que a maioria dos centros de ensino não cumprem essa obrigação. De acordo com o Procon do Distrito Federal, esse índice chega a 80%. No ano passado, das 65 instituições fiscalizadas pelo órgão, apenas 11 passaram na inspeção. Simone percebe que esse é um ponto delicado na relação entre pai e escola, afinal é ali que os filhos passam boa parte do tempo e, além da formação intelectual, conceitos relacionados a moralidade e ética são transmitidos para os estudantes. “Se os pais perceberem que o colégio não está entregando o plano de execução como é pedido por lei, o primeiro passo é conversar com a escola. Essa relação deve ser de confiança e ambas as partes precisam ter uma posição de diálogo”, aconselha.
Caso isso não resolva, o Procon-DF é o primeiro órgão que os pais devem procurar. Outra opção é uma ação conjunta no Ministério Público. Geralmente o primeiro recurso é a negociação pré-judicial. “O MP tem um papel preventivo muito importante”, observa Simone.
A lista de material escolar do filho de Gizeuda Lima, 45 anos, veio acompanhada do plano disciplinar anual. O documento designava em qual período seriam utilizados os itens, além do objetivo e da descrição das atividades didáticas. A caixa de gizão de cera, por exemplo, é destinada ao aprimoramento da técnica de pintura e desenho e será utilizada ao longo de todo o ano. As quantidades pedidas também foram menores. “A lista deste ano veio bem mais enxuta. Nos anos passados, sempre me assustava com o tamanho”, comemora a analista de sistemas.
A professora Suzana Arar, 41, também teve uma boa surpresa ao receber a lista do filho Bernardo, de 4 anos. Os pedidos estão bem menores do que no ano passado. “Os pais estão mais presentes na escola, são mais informados das irregularidades das listas.”
O que não pode
Outro ponto polêmico é o pedido de itens como produtos de limpeza ou materiais de escritório, que não podem ser solicitados. Brinquedos pedagógicos ou livros de literatura para uso comum também entram no rol dos proibidos, segundo Simone Magalhães. “Uma forma de esclarecer isso é se perguntar se aquele objeto pode ser individualizado, ou seja, se o filho será o beneficiado direto do uso”, explica.
A especialista Gabriela Mieto, do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB), defende que, em algumas situações, compartilhar o material faz parte do processo de formação dos pequenos. No caso de tintas coloridas, por exemplo, os professores podem reunir todas as cores dadas pelos alunos em grandes quantidades para tarefas coletivas. “É legal que a criança veja que algumas tintas não estão ali no estojo dela, mas ela aprende a dividir. Tudo isso é paralelo ao conteúdo programático.”
Além da experiência em conjunto, o propósito da formação é uma das explicações para as extensas listas infantis, com vários produtos de artesanato e aparentemente desconexos da sala de aula. Enquanto os adolescentes têm foco nos conceitos teóricos, a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental buscam o desenvolvimento motor e das capacidades criativas.
A psicóloga explica que produtos como tinta e massinha de modelar são auxiliares para o professor formular atividades mais interessantes aos olhos da criança. “O ensino tradicional é baseado na passividade do aluno, em ouvir o conteúdo que está sendo aparentemente transmitido”, afirma Gabriela. Isso não se aplica apenas às aulas de artes plásticas, mas a todos os conteúdos que tenham contexto lúdico.
Outro exemplo são as sucatas. Caso haja uma razão pedagógica, a escola pode pedir rolos de papel higiênico para atividades natalinas, por exemplo. Além disso, as texturas são usadas como uma forma de aprendizagem psicomotora, que mais tarde facilita atividades como a escrita. “Quando a criança amassa um papel mais duro, conhece a força que ela precisa para amassar”, detalha a especialista.
Para ela, qualquer material pode ser justificável nas listas em questão, desde que devidamente explicado pelo plano de aprendizagem. “É interessante colocar a justificativa para a família saber que tipo de uso a escola está planejando. A lista define se é para usar em casa, em qual aula, dá uma transparência para a família”, esclarece. A compra de itens para a construção de murais pelos próprios professores, por exemplo, não é responsabilidade dos pais.
* Estagiárias sob a supervisão de Mariana Niederauer