O decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor, conhecido como a Lei do SAC, vai completar seis anos em julho deste ano sem comemorar avanços expressivos. Tentar resolver um problema com a empresa pelo telefone ainda é uma via-crúcis para os clientes. São inúmeros protocolos, dificuldades para falar com os atendentes para, na maioria das vezes, o conflito não ser resolvido. Somente no Procon do Distrito Federal, as reclamações triplicaram em dois anos – passaram de 3.497 para 11.136. Entre as principais queixas estão a dificuldade de cancelamento e de resolução de demandas e a qualidade do atendimento.
O que intriga os Procons, as entidades civis e as associações de consumidores é a dificuldade das empresas de seguirem as determinações, deixando a Lei do SAC à deriva e os clientes sempre irritados. “Ainda há um grande descumprimento. O decreto é de 2008, portanto, é antigo. As empresas tinham que estar seguindo à risca a norma. Não há mais o que falar em adaptação”, analisa Andréa Benedetto, assessora técnica de fiscalização do Procon de São Paulo. Para o vice-presidente da Brasilcon, Walter Moura, vice-presidente do Brasilcon, a Lei do SAC não pegou porque falta a cultura do empresariado de cumprir a legislação existente. “Os fornecedores precisam mudar a cultura de desrespeito. A lei vem para orientar, ela em si não é capaz de mudar a qualidade do serviço”, afirma Walter.
Enquanto as empresas não incorporam a Lei do SAC em suas políticas corporativas, o governo tenta remediar as queixas dos consumidores com outras normas e resoluções. O cancelamento automático dos serviços de telefonia é um exemplo. A Lei do SAC já determina que no menu inicial haja a possibilidade de cancelamento de contratos e serviços. Mas a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) regulamentou este ano cancelamento automático para a telefonia.
Especialistas em direito do consumidor defendem que para a Lei do SAC se tornar efetiva é preciso que consumidores, órgãos de defesa e os fornecedores trabalhem juntos. “O consumidor precisa levar a chateação com os SACs para os Procons. Assim eles vão poder autuar e elaborar planos para melhorar o atendimento”, analisa Ildecer Amorim, advogada especialista em direito do consumidor.
Segundo Andréa do Procon de São Paulo, mesmo com as atuações e campanhas realizadas pelo Procon, a reincidência das empresas é comum. Dessa forma, os avanços ainda são pequenos. Ela explica que as empresas que incorporaram os call centers em suas unidades tem mostrado mais eficiência para atender o cliente, aquelas que terceirizam, apresentam desempenho inferior. “Percebemos no Brasil uma dificuldade das empresas com o pós-vendas. Na hora de vender, tem a atenção e o cuidado. Depois da venda, as empresas não vêem mais o cliente como cliente. Isso precisa ser mudado”.
Para Walter Moura, da Brasilcon, as empresas deveriam respeitar a norma, independente da punição. Mas como isso não tem ocorrido, a saída é uma fiscalização mais rigorosa. “O certo seria que o próprio setor respeitasse a norma, independente da punição. Mas como isso não ocorre, os Procons, as agências e a própria Secretaria Nacional do Consumidor poderiam se impor mais como órgãos de fiscalização. Veja o caso das leis de trânsito, elas pegam porque o Detran é um órgão muito vigoroso”, defende.
Sem regulação é pior ainda
A Lei do SAC é válida para companhias que atuem em segmentos regulados, é o caso da telefonia, bancos, planos de saúde, seguradoras, transporte terrestre, aviação civil e eletricidade. Setores como o varejo não precisam cumprir as obrigações da lei do SAC, o que acaba fragilizando ainda mais o consumidor. “Muita gente acha que o varejo tem que cumprir a Lei do SAC, mas ele ficou de fora. Mesmo sem esse amparo legal, o consumidor está protegido pelo Código de Defesa do Consumidor”, orienta Ildecer Amorim, advogada especialista em direito do consumidor.
Foi o que ocorreu com a servidora pública Eliane da Cunha, 43 anos, ela comprou dois lustres na loja virtual da Tend Tudo em novembro do ano passado. Em dezembro, a encomenda chegou, mas uma das cubas de um dos lustres veio quebrada. “Aí começou a dor de cabeça: vários atendentes, inúmeros protocolos. Os atendentes eram até simpáticos, mas não resolviam nada”.
Eliane conta que não conseguia resolver nada com a loja por telefone. “Os SACs brasileiros são muito ruins. Na Tend Tudo foram gerados pelo menos nove protocolos. O call center de varejo é tão ruim quanto o de uma telefonia, que é conhecido pela falta de respeito com o consumidor. Isso precisa melhorar”. A servidora tentou que a empresa trocasse a mercadoria durante três meses. Somente em março ela conseguiu que a Tend Tudo buscasse o lustre para trocar por outro. Porém, até o fechamento dessa edição, Eliane ainda não tinha recebido o produto.
Procurada pelo Correio, a Tend Tudo informou que enviou a mercadoria nos dias 10 e 12 de abril, mas a cliente não foi encontrada no local da entrega o que impossibilitou o recebimento. A empresa informou ainda que um novo envio será realizado e que a cliente receberá o código de rastreamento.
A Via-crúcis do Serviço de Atendimento ao Consumidor
Dez determinações da lei e como as empresas não cumprem
1. Tempo máxima de espera: 1 minuto
O consumidor liga para os números e o SAC não atende ou demora a atender. Além disso, a empresa pode até atender o telefonema do consumidor no prazo previsto, mas muitas vezes ele fica esperando porque “todos os atendentes estão ocupados”.
2. O contato com o atendente deve estar no menu principal e em todos os menus
Tem menus de empresas que não têm a opção de falar com o atendente nem no menu principal, nem nos secundários. Algumas vezes, o consumidor só consegue falar com as gravações e não consegue resolver o problema.
3. O profissional deve ter capacidade técnica para resolver o problema
Essa é uma das principais queixas dos consumidores. O atendente quase nunca consegue resolver o problema na primeira ligação.
4. Não pode ser veiculada qualquer mensagem publicitária durante a ligação
É comum as empresas colocarem propagandas enquanto o consumidor espera para ser atendido
5. O consumidor só pode ser transferido uma única vez durante a ligação, em no máximo 60 segundos, e o próximo atendente não pode exigir que o problema seja explicado de novo
Isso não ocorre. O consumidor é transferido mais de uma vez e sempre tem que explicar a situação para o novo atendente. Inclusive, o consumidor anota vários protocolos diferentes, para cada atendente.
6. A ligação não pode ser finalizada antes da conclusão do atendimento
Não é incomum a ligação cair no meio do atendimento.
7. As empresas têm até cinco dias úteis para dar uma resposta ao cliente. Se não for possível solucionar o problema dentro do prazo, a empresa deve pelo menos informar quais medidas está tomando ou ainda dizer que não é possível atender ao pedido do cliente.
Dificilmente os prazos e as justificativas são cumpridas pelas empresas.
8. Pedido de gravação por 90 dias e as empresas devem mandar 72 horas depois
Nem todas as empresas têm esse arquivo ou dificultam mandar.
9. As ligações para o SAC, tanto para informação quanto para reclamação, não podem ser cobradas. O atendimento das solicitações também não pode resultar em ônus para o consumidor.
Muitas empresas até têm o 0800. Mas para as capitais fornece um número com o valor de ligação local e não aceita que moradores da capital usem o 0800.
10. O número do SAC deve constar de forma clara e objetiva em todos os documentos e materiais impressos entregues ao consumidor na contratação do serviço, bem como na página eletrônica da empresa na internet.
Esse é um dos poucos itens que as empresas levaram a sério. Os números de telefone geralmente estão nas páginas da web e nos panfletos publicitários.
O que diz a lei
Desde 2008, o decreto federal número 6.523 obriga 11 segmentos a oferecerem serviço de atendimento telefônico em tempo integral — 7 dias da semana / 24 horas — para os clientes no intuito de resolver demandas como informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços. Os setores obrigados a terem um SAC são: telefonia fixa, móvel, TV por assinatura, bancos, financeiras, planos de saúde, seguradoras, transporte terrestre, aéreo, cartão de crédito e eletricidade.
As ligações devem ser gratuitas e receber telefonemas provenientes de fixos, móveis e orelhão. As demandas do consumidor previstas no decreto também são de graça. As empresas também devem oferecer algum meio de acesso às pessoas com deficiência. Em relação à solicitação do usuário, os estabelecimentos têm cinco dias para resolver. A regra geral diz ainda que os SACs com menu eletrônico devem garantir as opções de reclamação, cancelamento e contato com o atendente.
Para saber mais:
O decreto do SAC fixa normas gerais sobre o serviço somente por telefone. Outros canais de atendimento como chats e -emails não estão sujeitos as regras do decreto.
Principais problemas no Distrito Federal:
1. Cancelamento de serviços
2. Acesso ao serviço
3. Resolução de demandas
4. Qualidade de atendimento
5. Acompanhamento de demandas
>> Reclamações:
2010: 3.189
2011: 3.497
2012: 7.757
2013: 11.136
2014: 2.707 (janeiro a abril)
*Fonte: Procon do Distrito Federal