Com o incremento de turistas brasileiros no exterior, as companhias aéreas estrangeiras aumentaram a participação no Brasil. Segundo dados do Ministério do Turismo, a quantidade de turistas viajando para destinos estrangeiros dobrou nos últimos dez anos – saltou de 2,6 milhões em 2003 para 5,67 milhões em 2012. Para atender esta demanda, mais empresas começaram a operar o país. Em Brasília, por exemplo, em 2013, a Aerolíneas Argentinas entrou em operação e, este ano, a Air France criou o itinerário Brasília-Paris. Embora a entrada de novas empresas seja saudável para o cliente, que poderá se beneficiar com a concorrência, o consumidor precisa ficar atento ao adquirir o bilhete aéreo porque as regras podem ser diferentes e as estrangeiras têm mostrado dificuldades para se adaptar às legislações de defesa.
A cada cinco queixas que foram registradas no primeiro semestre deste ano na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), uma era referente a voos internacionais. As companhias têm dificuldades de cumprir regras brasileiras, como reembolso e as exigências do decreto do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), além de não manterem a estrutura mínima de atendimento nos aeroportos. Pelo decreto do SAC, a aviação civil é um dos setores obrigados a manter um contato telefônico com o cliente por 24h. Mas muitas empresas estrangeiras não o fazem. Algumas, sequer, tem contato telefônico, outras, limitam horário.
Outro problema comum é a falta de equipes nos terminais. Embora as regras da Anac estabeleçam que as empresas estrangeiras devam manter nos terminais que operam estrutura adequada para atendimento presencial nos aeroportos com mais de 500 mil passageiros por ano, a maioria das empresas mantém funcionários apenas próximo do check-in e nos dias de voo. “O que a gente percebe é que falta a fiscalização da Anac para o cumprimento das normas brasileiras”, defende Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores.
Além da dificuldade de se adaptarem às regras brasileiras, outra questão que complica o relacionamento da empresa estrangeira com o cliente é qual a legislação que vai valer para aquele contrato firmado, se será a brasileira ou a do país de origem da empresa. Dessa forma, se as regras da aviação civil já são complexas com o passageiro doméstico, nos voos internacionais, a confusão tende a ser maior. Sem conhecer a norma vigente, o consumidor não sabe agir, por exemplo, em caso de atraso, reembolso ou extravio de bagagem.
No entendimento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e da Proteste Associação de Consumidores, a norma vigente na qual empresa e cliente estarão submetidos vai depender do local onde o contrato foi assinado. “Se o consumidor compra a passagem direto no site da operadora aérea e a página não tem domínio brasileiro, o que vale são as regras do país onde a compra foi feita. Agora, se a compra ocorreu em uma loja da empresa no Brasil, a lei brasileira é a vigente”, esclarece Claudia Almeida, advogada do Idec. “Dessa forma, o cliente tem que observar se ele quer correr o risco, ou ele entende a norma de defesa do consumidor local”, complementa Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Claudia contou que o Idec já recebeu uma demanda de um consumidor que perdeu a conexão porque o avião do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, estava no aeroporto e, portanto, todo o espaço aéreo estava fechado. “O cliente infelizmente não teve direito a hotel, nem alimentação, porque no entendimento da legislação norte-americana a empresa não teve culpa. Se fosse no Brasil, seria diferente”, explica.
Quando o problema do passageiro ocorre em aeroportos fora do Brasil, a regra válida é a assinada em contrato. Dessa forma, se o documento foi firmado em território brasileiro, vale a regra brasileira, caso contrário, a do país de origem. Esse é o entendimento das associações de defesa. A Anac tem algumas posições diferentes. Por exemplo, para a agência, se o consumidor tiver a bagagem extraviada, ele terá que se submeter às regras do país de origem da companhia. O mesmo vale para reembolso e cancelamento.
Um dos caminhos para evitar a dor de cabeça é adquirir pacotes de agências de viagem brasileiras. “Elas são responsáveis solidárias em caso de problemas e podem ser procuradas pelo consumidor prejudicado”, explica Maria Inês.
Mala estragada
Em outubro do ano passado, o servidor público Rafael Cintra de Azevedo, 26 anos, teve problemas com a companhia aérea American Airlines. Ele foi passar alguns dias em Miami e Orlando e, na volta, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, Rafael encontrou a bagagem completamente danificada. “Eu trouxe uma mala somente com as compras que eu havia feito lá. Ainda na esteira, quando eu esperava pela minha bagagem, uma mala passava completamente aberta, com o couro queimado, objetos pessoais e eletrônicos danificados, além de roupas rasgadas. Como o estado era realmente irreconhecível, eu não queria acreditar que aquelas eram as minhas coisas, mas, infelizmente, eram”, disse o servidor público.
Rafael contou que após o ocorrido, ainda no aeroporto, seguiu para o posto de atendimento da American Airlines. A atendente, impressionada com o estado da mala, não sabia dizer o que havia acontecido. “A funcionária da empresa não soube dizer o que tinha acontecido com os meus pertences, e me fez preencher um documento relatando o caso e pedindo que a empresa me restituísse o valor de até US$ 500, que é o limite estipulado para compras no exterior, pela Receita Federal”, contou. Porém, para Rafael o valor fornecido pela companhia não foi suficiente para cobrir todo prejuízo, constrangimento e o transtorno que passou. “Entrei com uma ação de indenização por danos morais. Fui para os Estados Unidos para fazer compras e a companhia não teve cuidado com a bagagem, fiquei sem nada”.
Via nota, a American Airlines informou que efetuou um depósito no valor de R$ 881,04 para ressarcir os danos na bagagem do cliente e que as políticas da companhia não preveem ressarcimento de danos morais.
Regras para companhias estrangeiras:
Direitos e deveres
Se o consumidor comprar a passagem por um site que não tem domínio brasileiro (.com.br), o que vale é a legislação do país onde a compra foi feita. Se a compra foi feita presencialmente em uma loja da companhia situada no Brasil, as normas vigentes são as brasileiras.
Agência de turismo
Se a compra foi feita por intermédio de uma agência de turismo brasileira, ela é responsável solidária por eventuais problemas. Portanto, ela pode ser procurada pelo consumidor e terá que seguir as leis brasileiras.
Bagagem extraviada
Valem as regras do país de origem da companhia aérea. Por exemplo: se a mala extraviada tiver sido transportada pela TAM, valem as regras do Brasil. Se a companhia for a Delta, valem as regras americanas.
Reembolso e cancelamento
As normas devem constar no contrato de transporte firmado entre o passageiro e a companhia aérea. Não há distinção entre as empresas nacionais e estrangeiras. No entanto, é importante salientar que as regras são válidas apenas em território nacional.
Estrutura em terra
As empresas aéreas devem manter, nos terminais em que operam, estrutura adequada para atendimento presencial nos aeroportos em que movimentar mais de 500.000 (quinhentos mil) passageiros por ano.
Serviço de Atendimento ao Cliente
Todas as empresas que possuem operações no país devem manter serviço de atendimento ao passageiro por 24 horas, conforme o estabelecido pela Lei do SAC.
*Fonte: Anac e Idec