Consumo responsável e educação financeira: bons presentes para o Dia das Crianças

Publicado em Consumidor

Por Patrícia Nadir*

Na semana do Dia das Crianças, o que não falta é vontade de presentear os pequenos com aquele brinquedo que eles pedem há tempos. Seja um item visto em uma propaganda, seja um produto que é sucesso entre os colegas. Aos pais, resta a responsabilidade de orientá-los e de incentivar o consumo consciente. Na publicidade, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) determina regras para os anúncios e condena a ação de merchandising ou publicidade indireta destinada a crianças, qualquer que seja o veículo utilizado.

Poliana Silva Lopes, 32 anos, é mãe de Ana Cecília, 8. A funcionária pública conta que a lista de desejos da filha ocupa frente e verso de uma página. “Toda vez que a gente sai e ela vê algo diferente, fala que quer. Eu e meu marido tentamos explicar que é preciso maneirar, mas parece não fazer efeito. Mesmo assim, procuramos sempre passar a noção de responsabilidade para ela”, comenta.

Para garantir uma vida financeira saudável aos filhos, é importante que os pais tenham consciência de como o consumo irresponsável pode prejudicá-los. Nesse sentido, nada melhor do que, desde a infância, começar a cultivar práticas econômicas proveitosas. É necessário que os responsáveis ensinem valores econômicos e restrições orçamentárias, a fim de que, quando adultos, eles não tenham problemas com dívidas.

Segundo a especialista em economia Paula Andrade, é de pequeno que se começa a desenvolver habilidades para usar o dinheiro com responsabilidade. “É muito mais fácil você educar quando ainda são crianças. Um bom momento para começar é a partir de quando elas começam a falar ‘eu quero’”. Como dica, ela sugere aos adultos ensinar aos poucos o que é prioridade. “É interessante ir apontando a diferença entre aquilo que eles querem e precisam, além de questionar o porquê daquele desejo. Caso seja algo que eles já tenham, é válido propor doar ou vender o antigo antes de comprar o novo”.

O comerciante Credito: Ronaldo de Oliveira/CB, 42, é pai de três garotas: Maria Luíza Souza, 7, Maria Ana Souza, 5, e Maria Antonieta, 3. O brasiliense se sente perdido quando o assunto é controle de dinheiro com as filhas. “Mesmo sendo pequenas, todas têm noção do que é uma moeda de troca. Esses dias mesmo, ouvi a caçula dizer às irmãs que precisava de dinheiro para ser feliz. Fiquei assustado na hora. Quando perguntei o que ela quis dizer, ela falou que era porque assim conseguiria comprar muitos brinquedos. Depois disso, conversei com ela e tentei desconvencê-la daquela ideia”, lembra o morador de Taguatinga. Agora, ele fica sempre atento às conversas e hábitos das meninas. “Acredito ser importante que elas não cresçam achando que compras são sinônimo de felicidade.”

Na leitura de Paula Andrade, o maior problema não está nas crianças, mas nos pais, que acabam passando para os filhos uma lógica mercadológica em tudo o que fazem. “Muitas vezes, são os adultos que tomam as decisões, como matricular o filho naquele lugar, dar aquela roupa, aquele brinquedo. E as crianças reparam muito nos adultos. Por isso, é importante dar um bom exemplo”.

A publicidade também tem papel importante nesse cenário. Para evitar que os pequenos sejam influenciados negativamente pelas propagandas, as regras do Conar determinam que, nos conteúdos segmentados especificamente para o público infantil, a publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente a crianças fique restrita aos intervalos comerciais. Caso o consumidor perceba que alguma dessas regras foi descumprida — na TV, no rádio, em revista, em jornal, em outdoor, na internet ou mesmo em cartaz num ponto de venda —, há a opção de fazer uma denúncia junto ao órgão.

Sensatez

Na hora de optar por um caminho consciente e de elaborar habilidades necessárias para usar bem o dinheiro, traçar planos e definir metas junto aos filhos estão entre os passos a serem seguidos. A educadora financeira Carolina Ligocki chama a atenção para a importância de se explicar o processo de produção dos produtos que chegam até as crianças, para que, assim, elas deem mais valor. “No caso do material escolar, por exemplo, explicar como o lápis é feito, contar um pouco da fabricação do objeto, desde quando pegam a matéria-prima até a entrega às lojas pelos funcionários. Sabendo de todo o procedimento, elas pensarão duas vezes antes de querer se desfazer do lápis no ano seguinte”, observa.

Outra dica que a educadora financeira dá é, conforme a criança for pedindo algo, os adultos não usarem a desculpa de não ter dinheiro. “Em vez de justificar com falta de recurso, os pais podem sugerir a criação de uma lista de coisas que elas querem. Assim, elas têm a oportunidade de refletir se querem mesmo aquilo, ou se é apenas uma vontade passageira”, detalha Carolina. A especialista aponta que isso vai contribuir também para ensinar os pequenos a ter paciência.

Quanto aos cofrinhos, comuns entre a criançada, a sugestão de Carolina Ligocki é a separação do dinheiro de acordo com as diferentes vontades. Nesse caso, seria um cofrinho para os brinquedos, outro para viagens, um diferente para presentes. “O importante é não cair na lógica de juntar, juntar, juntar para depois gastar desenfreadamente. Saber distribuir o dinheiro vai ajudar a criança a ser um adulto mais consciente”, instrui.

A técnica de enfermagem Ivete Amaral Lemos, 38, procura sempre deixar que as filhas Janyne, 14, e Ana Clara, 9, tenham contato com o dinheiro, seja em momentos de ir ao caixa pagar um sorvete na sorveteria, ou com uma mesada no fim do mês. Para a moradora do Riacho Fundo, gestos como esses ensinam as meninas a lidarem com o assunto. “Eu procuro ensiná-las a importância de saber lidar com a moeda. Acho importante esse contato com o dinheiro, numa forma mais simbólica, é claro”, opina.

A especialista Carolina Ligocki explica que gestos como esses — de pagar compras de valores menoras acompanhado pelos pais — são saudáveis, pois apresentam às crianças o sentido do dinheiro. No caso de mesada, no entanto, a profissional aconselha a ter precaução. “O dinheiro que vem de graça não é tão interessante. Por outro lado, ter ideias criativas, sugerindo desafios, como tentar fazer a conta de energia ou de a água diminuir e dar o dinheiro da economia para elas, instiga mais as crianças.” Esses estímulos são diferentes de remuneração por arrumação de algo em casa. Para a especialista, é importante saber fazer as obrigações sem receber algo em troca.

* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer